Castelo Forte dos Espinhos
Beatrice, Oliver e Cassius chegam ao Castelo Real, montados em seus cavalos, após uma longa jornada, tendo que se esconderem e se esquivarem de alguns caçadores que toparam pelo caminho. Como já sabiam da presença dos mesmos pela floresta, usaram magia para passarem despercebidos.
- Esse lugar me parece mais frio do que me recordava - diz Beatrice descendo de seu cavalo após passarem pelo portão levadiço da entrada e olhando para a fortaleza a sua frente e para a extensão do jardim, onde algumas crianças brincavam correndo umas atrás das outras.
- Talvez não tenha sido uma boa ideia voltarmos - comenta Oliver desmontando também.
- Eu levo os cavalos para o estábulo - diz Cassius pegando as rédeas dos animais, após desmontar do seu -, enquanto vocês se ocupam com o que vieram fazer aqui. - Ele se afasta levando os cavalos rumo ao estábulo.
- Está pronta para falar com sua família? - indaga Oliver aproximando-se e pegando nas mãos de Beatrice.
- Não - diz ela com sinceridade olhando para as mãos dele com luvas de couro para esconder as marcas de queimadura -, mas preciso fazer isso assim mesmo.
Eles entram na fortaleza de mãos dadas. Ao colocarem os pés no Grande Salão se defrontam com Hector e Ricardo saindo da Sala de Reunião do Conselho Real. Beatrice, instintivamente, puxa a sua mão da de Oliver.
O Duque de Espirais ao avistar a filha fica imóvel com uma expressão impassível no rosto.
- Pelo visto você não estava perdida - alfineta Hector deslizando os olhos de Beatrice para Oliver, que mantinha uma postura ereta.
- Beatrice - grita Agnes emocionada do alto da escada com Cateline ao seu lado.
A Duquesa desce os degraus rapidamente e vai abraçar a filha mais nova, sem ter se dado conta da presença de Oliver ao lado. Cateline também desce só que mais vagarosamente devido a sua barriga avantajada.
- O que houve com você, minha filha? - indaga Agnes passando as mãos pelos cabelos dourados em desalinho de Beatrice.
- Eu preciso falar com todos vocês - anuncia ela olhando de soslaio para o pai, que permanecia no mesmo lugar e com a mesma expressão.
- Ficamos preocupados com você - diz a Rainha aproximando-se da irmã.
- Sua barriga está crescendo, Cat - diz Beatrice olhando para a saliência no vestido de seda dourado da outra.
- E me deixando cada vez mais cansada - comenta Cateline abraçando a irmã.
- Podemos conversar em um lugar mais preservado? - pergunta Beatrice a ninguém em especial.
- Vamos para a Sala de Reunião - responde Hector secamente.
Todos dirigem-se para a sala. Beatrice lança um olhar de cumplicidade para Oliver e ambos caminham lado a lado até a sala, que após todos entrarem, teve suas portas fechadas por Hector.
- -Agora nos conte o que aconteceu e porque este rapaz está com você - ordena o Duque olhando com desdém para Oliver e depois fixando seu olhar penetrante em Beatrice.
- No dia do torneio, eu fugi - inicia Beatrice tentando manter a voz firme -, por que eu não queria me casar com o Conde de Salinas.
- Não acredito que fez isso - choraminga Agnes.
- Se sumiu por vontade própria, então por que voltou? - questiona Hector friamente.
- Eu voltei, pai - responde ela erguendo o queixo -, porque precisava que soubessem que me casei com o Oliver. - Ela lança um olhar na direção do bruxo.
Hector vira o rosto acompanhando o olhar da filha e seu semblante permanece inabalável, enquanto a Duquesa e a Rainha passavam o olhar de Beatrice para Oliver, perplexas.
- Quem me garante que houve um casamento? - indaga o Duque ainda olhando para Oliver reparando com expressão de repulsa para as vestes simples e empoeiradas dele.
- Eu me casei - confirma ela estendendo a mão esquerda para mostrar a aliança em seu dedo anelar.
- Duvido que esse casamento já foi consumado, portanto pode ser anulado - rebate o Duque descrente olhando para a mão da filha.
- Já foi consumado, portanto não pode ser anulado - mente ela abaixando a mão.
- Pelo o que percebo, você está decidida a manter esse casamento.
- Sim pai, já está feito.
- Então a minha decisão diante disso é deserdá-la. Você não é mais minha filha.
- Hector, não faça isso - implora Agnes aproximando-se do marido.
- Conde Ricardo - dirige-se o Duque ao outro, ignorando a mulher -, o casamento entre nossos filhos deverá ser realizado o quanto antes.
O Conde apenas assente com a cabeça.
- Dimitri vai casar com Charlotte? - questiona Beatrice franzindo as sobrancelhas.
- Sim - responde Hector secamente e dirigindo-se para Oliver. - Se aceitou casar-se com Beatrice esperando ter o dote, saiba que isso não vai acontecer.
Sem esperar por resposta, o Duque sai da Sala de Reunião com o Conde acompanhando-o porta afora.
- Filha - diz Agnes aproximando-se de Beatrice -, volte atrás e desfaça esse casamento para o seu próprio bem.
- Eu não vou voltar atrás, mãe. Nem poderia mesmo que quisesse, o casamento já foi consumado como eu disse. - Ela volta a repetir aquela mentira para convencer a mãe de que era verdade.
- Por que fez isso, Bea? - indaga Cateline aflita.
- Eu já disse o porquê.
- Mas veja o que essa sua atitude estúpida lhe causou - prossegue a Rainha.
- Eu não me importo, Cat.
- Você me decepcionou Beatrice - lamenta-se Agnes com os olhos marejados.
- Sinto muito, mãe - diz Beatrice inabalável.
Agnes, desolada, sai da sala acompanhada pela filha mais velha, que a segurava pelo braço.
Beatrice apenas fica observando ambas se afastarem.
- Beatrice - chama Oliver, após os dois ficarem sozinhos na sala. Ela vira-se para ele. - Você devia repensar sua decisão. - O bruxo posta-se a frente dela.
- Por que está dizendo isso?
- Nosso casamento não foi consumado, então pode ser anulado sim.
- Você quer que seja anulado?
- Eu não posso deixar que você seja deserdada.
- Não se preocupe com isso, a não ser que você esteja arrependido de ter se casado comigo.
- Claro que não, Beatrice - diz ele olhando-a nos olhos. - É que eu não tenho nada para te oferecer, sou um camponês caçado pela Igreja e que não tem nem casa para morar.
- Você me ofereceu a minha liberdade, quanto ao resto, eu não me importo. - Ela aproxima seu rosto do de Oliver e encosta levemente seus lábios em uma das bochechas dele. - Agora vou procurar o meu irmão.
- Eu vou atrás de Freya e Diana.
Eles saem da Sala de Reunião e deparam-se com Cassius no Grande Salão esperando-os.
- Nos vemos depois - despede-se Beatrice saindo da fortaleza.
- Ela vai falar com o irmão dela - explica Oliver ao notar a expressão de "ponto de interrogação" no rosto do pai. - Vem comigo.
Ambos seguem para o primeiro andar e vão para o quarto de Diana. Enquanto Oliver bate à porta, Cassius fica atrás da parede, fora de vista.
- Oliver! - surpreende-se Diana ao abrir a porta. - Não acredito. - Ela o abraça e ele corresponde ao abraço - Você está bem? - indaga a bruxa largando-o.
- Sim.
- Você voltou - diz Freya atirando-se nos braços do amigo enlaçando-o pelo pescoço, que a agarra encaixando os braços ao redor da cintura dela e erguendo-a no ar.
- Eu disse que nos veríamos de novo - diz ele colocando-a de volta no chão.
- Achei que iriam sentir minha falta - brinca Cassius entrando no quarto.
- Cassius, você também veio - alegra-se Diana indo abraçá-lo -, é claro que sentimos sua falta.
- Eu também senti a de vocês - ele corresponde ao abraço. - Receberam a minha mensagem?
- Recebemos sim - responde Diana desvencilhando-se do abraço. - Por que vieram para o Castelo Real?
- Teve alguns detalhes que deixamos de mencionar na mensagem - torna Oliver.
- O que? - pergunta Freya.
- Eu e Beatrice nos casamos.
Freya abre e fecha a boca estupefata e Diana encara Oliver com os olhos arregalados.
- Por que fizeram isso? - indaga a bruxa mais velha.
- Beatrice queria fugir de um casamento arranjado. Ela me contou que seu plano com a fuga era casar-se com o Patrick, pois se um dia o pai a encontrasse iria obrigá-la a casar-se com o Conde de qualquer jeito, então eu sugeri que nos casássemos.
- Isso foi loucura - comenta Freya.
- Não me arrependo dessa decisão.
- Isso ainda não explica porque decidiram voltar - diz Diana.
- Beatrice quis voltar, pois achou melhor contar aos pais, pessoalmente, sobre o casamento.
- Vocês se casaram onde? - indaga Freya.
- No nosso vilarejo, passamos por lá antes de seguir para o mosteiro. Inclusive na floresta ao redor ainda possuem alguns caçadores rondando. Alguns deles chegaram a me pegar, mas consegui escapar com a ajuda de Beatrice.
- Eles te machucaram?
- Nada que eu não pudesse curar, mas as correntes que eles usaram deixaram essas marcas, que não saíram nem com magia. - Oliver tira a luva da sua mão esquerda mostrando as manchas escuras de queimadura em sua pele.
- Quando eles me prenderam eu não fiquei marcada - estranha Freya olhando para a mão do amigo.
- Acredito que as armas deles estão mais fortes agora.
- Isso não é bom. - Freya pega na mão de Oliver para ver as marcas mais de perto.
- Precisamos tomar cuidado quando passamos pela floresta - diz Cassius.
- Não é só você, Oliver, que tem novidade - diz Freya soltando a mão do amigo. - Eu descobri que o Rei é o meu pai.
- O que?! - espanta-se Oliver franzindo a testa.
Dessa vez, foi Cassius quem olhou boquiaberto para Diana, que o encara de volta.
- Agora ela já sabe da verdade.
- Como? - indaga Oliver colocando sua luva de volta na mão.
- Eu vi a marca de nascença do Rei, que é exatamente igual a minha. Depois disso minha tia não teve como negar e me contou o resto.
- Isso que é novidade - assobia o bruxo mais novo.
- Nem imagina como eu me senti.
- Então você é uma princesa.
- Eu não sou princesa.
- Mas é filha do Rei.
- Eu sou uma bastarda.
- Mesmo assim.
- Vamos ver as crianças - sugere Freya mudando de assunto. - Elas estão no jardim e devem estar com saudades de você.
Freya pega Oliver pela mão e juntos saem do quarto rumo ao jardim.
- Você contou toda a verdade para ela? - questiona Cassius abismado ao se ver sozinho com Diana.
- Toda não. Apesar de ter prometido a Freya que não mentiria mais, não tive coragem de contar tudo, então omiti a parte da magia negra e do sacrifício.
- Henrique mostrou a marca de propósito para ela?
- Não, isso aconteceu sem querer - esclarece Diana -, mas depois de descobrir sobre Henrique, a própria Freya deseja ir embora daqui, estávamos nos preparando para voltar ao Mosteiro da Graça.
- Jura?
- Sim, mas agora que vocês contaram que ainda há caçadores rondando a floresta, não sei se voltar é uma boa ideia, já foi perigoso terem saído do mosteiro para virem até aqui.
- Eu sei, mas vamos voltar todos juntos e vai dar tudo certo.
Diana assente com a cabeça mesmo sentindo uma aflição que palpitava em seu coração.
○○○
Beatrice depois de sair da fortaleza seguira para a Torre da Cavalaria atrás do irmão. Na entrada, os cavaleiros de guarda fazem menção de impedi-la de adentrar o local, mas ela atravessa entre eles como um furacão fazendo-os desistir de interpelá-la por se tratar da sobrinha do Comandante.
Ela entra na Torre sob os olhares curiosos e reprovativos dos outros cavaleiros, mas nenhum deles se atrevem a dizer uma palavra sequer. Beatrice dirige-se diretamente para o piso superior indo até o aposento de Dimitri, ao qual bate à porta e entra sem esperar resposta encontrando o irmão vestindo uma túnica, de costas para ela.
- Dim - chama ela suavemente.
O cavaleiro vira-se para a irmã e fica de queixo caído ao vê-la.
- Bea. - Ele vai até ela e a abraça forte. - O que está fazendo aqui?
- Eu precisava voltar - responde Beatrice enlaçando o irmão pela cintura.
- Por que? - pergunta Dimitri soltando-a do abraço. - Depois de todo o sufoco para você fugir, aliás se nosso pai a ver aqui...
- Eu já falei com nosso pai - interrompe ela.
- Já? - Ele arqueia as sobrancelhas douradas.
- Sim, eu precisei voltar por que eu e o Oliver nos casamos e vim contar isso para nossa família.
- O que?! - Ele arqueia ainda mais as sobrancelhas enrugando a testa.
- Isso mesmo que você escutou.
- E como nossos pais receberam essa notícia?
- Não ficaram felizes. Nosso pai, inclusive, me deserdou.
- O que?
- Eu não me importo com isso, só queria minha liberdade e consegui.
- Mas você ainda acabou se casando com quem não tinha pretensão do mesmo jeito.
- De certa forma sim. No entanto, Oliver era a minha melhor opção, por isso não me arrependo dessa decisão.
- Então fico feliz por você.
- Agora é você que está sendo obrigado a casar-se com Charlotte.
- A ideia do noivado foi minha, então, na verdade, é a Charlotte que está sendo obrigada a se casar comigo.
- Mas você só deu essa ideia por minha causa, para que assim o nosso pai pudesse manter de qualquer forma o acordo dele com o Conde.
- Em algum momento nosso pai também me forçaria a desposar uma donzela - desabafa Dimitri. - Se ele me obrigasse a casar com alguém que eu não quisesse, não poderia me recusar como você fez, pois se fosse deserdado perderia meu posto na Guarda Real.
- E deixaria de ser cavaleiro - completa ela -, que é o que você sempre quis ser.
- Exato. Então me casar com Charlotte é uma boa opção.
- Você a ama?
- Como é? - surpreende-se ele com a pergunta de supetão.
- Você me ouviu.
- Posso aprender a amar.
- Ela não é a mulher com quem você realmente gostaria de se casar.
- E você ama o Oliver?
- Eu gosto muito dele sim, mas nós mulheres não temos escolha quando se trata de casamento, já vocês homens possuem opções.
- Não para o nosso pai e nem diante dessa situação.
- Tem razão, mas eu sei de quem você gosta.
- Ela não gosta de mim, não do mesmo jeito, então não importa.
- Aposto que nem deu a chance de ela saber o que você sente.
- Não iria adiantar nada, até por que vou me casar com Charlotte e devo meu respeito a ela.
- Tem razão - conforma-se Beatrice. - Agora vou embora antes que o Comandante me expulse daqui, por mais que seja o nosso tio, ainda assim mulheres não são permitidas na Torre da Cavalaria.
Eles se despedem e Beatrice sai apressadamente da Torre retornando para o castelo.