Tribunal do Santo Oficio
Os caçadores na Floresta da Lua ao avistarem os parceiros mortos, sem compreenderem como aquilo acontecera, resolveram recuar a busca pelos bruxos e retornaram para o Tribunal do Santo Oficio.
Alexandre, que estava junto aos outros, ao chegar na fortificação da Santa Inquisição encaminha-se direto para a sala do Bispo Domênico, encontrando-o sentado à mesa.
- Com licença, Reverendo - diz o caçador batendo na porta e abrindo uma pequena fresta, por onde coloca apenas a cabeça para o lado de dentro.
- Entre.
O homem adentra o recinto meio encabulado.
- Conseguiram capturar os bruxos? - indaga o Bispo levantando-se de sua poltrona aveludada atrás da mesa e olhando mal-humorado para o outro, que estava com suas vestes, principalmente, sua capa cinza, toda esfarrapada e seus cabelos pretos amarrados em desalinho devido as buscas infrutíferas pela floresta.
- Não, Bispo.
- Então por que voltaram? - pergunta Domênico tentando conter a irritação.
- Porque encontramos alguns caçadores mortos pela floresta, sem explicação. Então resolvemos voltar para o Tribunal.
- Como assim? - O Bispo levanta um pouco o tom de voz franzindo o cenho.
- Acho que aqueles bruxos enfeitiçaram a floresta provocando a morte dos nossos; parecem estar mais fortes e nós precisamos de armas mais poderosas contra eles.
- Vocês se acovardaram? - esbraveja o Sacerdote descontente.
- Não queríamos perder mais homens sem saber com o que estávamos lidando naquela floresta - argumenta Alexandre sentindo seus dedos formigarem de raiva e sua pele acastanhada coçar devido a poeira da viagem empregnada em seu suor que escorria por suas têmporas e costas.
O caçador respira fundo tentando manter a calma.
- Cadê o Adrian? Quero falar com ele.
- Nós não o encontramos. Ele deve estar entre os mortos para não ter voltado.
O Bispo bate com força o punho fechado na mesa fazendo o outro estremecer pela atitude inesperada.
- Maldição - vocifera Domênico. - Saia daqui.
Após o caçador se retirar, o Padre Bartolomeu, que aguardava do lado de fora, entra no gabinete.
- Bispo, os condenados já estão prontos para as execuções de hoje e a população já espera na Praça da Fé para assistir ao Auto-da-Fé.
- Pode levar os condenados até a Praça e amarrá-los nas estacas que eu já vou, antes só preciso escrever uma mensagem urgente.
- Está certo - diz o Padre. - Eu vi que os caçadores retornaram, mas sem capturados.
- A caçada foi um fracasso, precisamos nos fortalecer, causar temor na população em relação aos bruxos para incentivá-las a denunciar.
- Não vi o seu protegido entre os caçadores.
- Pelo visto ele está morto.
O Padre em silêncio retira-se do gabinete, enquanto o Bispo senta-se em sua poltrona novamente, pega um pergaminho e uma pena mergulhando-a na tinta preta e começando a escrever sua mensagem endereçada ao Rei.
○○○
Castelo Forte dos Espinhos
Adrian acorda no meio do caminho rumo ao Castelo Real. Ele estava deitado a um canto do vagão com Dimitri ao seu lado e uns quatro cavaleiros mais afastados.
- Onde estou? - pergunta ele confuso, olhando ao redor.
- Encontrei você na floresta - responde Dimitri.
Adrian olha para o outro ao seu lado.
- Dimitri?! - indaga ele semicerrando os olhos.
- Que bom que me reconheceu - brinca o cavaleiro sorrindo. - Fui eu que o tirei da floresta para salvar sua vida.
- Achei que morreria - confessa o caçador colocando a mão em seu ombro no lugar onde foi ferido e percebendo que estava curado. - Estava pronto para morrer.
- Pelo visto ainda não era a sua hora.
- O que houve? - pergunta Adrian sentando-se, vagarosamente, pois ainda sentia-se atordoado.
- Encontrei você muito ferido na floresta e, ao te reconhecer, o levei para o Mosteiro da Graça - e abaixando o tom de voz -, lá pedi para uma bruxa te curar.
O caçador olha espantado para Dimitri.
- E ela fez isso? - O rosto de Freya vem em sua mente.
- Sim, tanto ela quanto eu queríamos saber a razão de você ter matado seus próprios parceiros.
- Como sabe disso?
- Você mesmo me disse isso na floresta, não se lembra?
- Não, minha mente está confusa.
- Então você devia estar delirando pela febre.
- Você sabe quem é a bruxa que me curou?
- O nome dela é Diana, é só o que sei.
- Gostaria de ter tido a oportunidade de agradecê-la.
- Você vai ter: ela assim como nós, está indo para o castelo.
- Que castelo? - questiona Adrian arqueando uma das sobrancelhas.
- Estamos indo para o Castelo Real.
- Eu não posso ir para lá. - Adrian tenta se levantar, mas Dimitri o faz sentar novamente. - Pelo o que fiz, me tornei um traidor da Igreja.
- Então você realmente matou aqueles caçadores?
- Sim. - A confissão sai em um sopro quase inaudível.
- Por que?
- Para proteger a localização dos bruxos.
- Mas você, como caçador, não estava ali exatamente para capturá-los?
- Não era o que eu queria fazer.
- Bom, somente eu e você, e claro a bruxa que te salvou, sabemos o que fez - diz Dimitri com a mão no ombro do outro. - Vamos pedir que o Rei te abrigue, sem dizer o verdadeiro motivo pelo qual precisa disso.
- Sua Majestade me conhece, ele sabe o que sou; qual seria a desculpa para que o Rei me abrigasse?
- Não sei, pensaremos nisso quando chegarmos no castelo.
Adrian, ainda cansado, volta a deitar-se e acaba adormecendo novamente.
Em algumas horas, a comitiva Real chega ao Castelo Forte dos Espinhos
Enquanto o Rei junto aos bruxos que serão abrigados, descem, do vagão que os acomodava, em frente a escadaria da entrada principal, os cavaleiros seguem em seus vagões para a Torre da Cavalaria.
Dimitri com ajuda de dois cavaleiros levam Adrian para o seu aposento e o deitam em um dos colchões vagos.
- Quem é ele? - indaga Patrick, que dividia o aposento com Dimitri e estava sentado em sua cama.
- Um amigo.
- O que aconteceu com ele?
- A história é longa, te conto depois - informa Dimitri. - Agora vamos a Sala de Jogos nos divertir um pouco enquanto ele descansa, assim você aproveita e me conta como foi as negociações com meu pai.
Patrick levanta-se e os dois saem do quarto, deixando Adrian dormindo.
Henrique acompanhado dos bruxos são recebidos no Grande Salão da fortaleza pela Rainha; Hector; Agnes e Beatrice, que se surpreendem ao avistar as crianças com Freya, Diana e Oliver adentrarem o ambiente.
- Seja bem-vindo de volta, meu Rei - o recepciona Cateline olhando curiosa para os visitantes, que estavam vestidos de maneira simplória.
Freya e Aimée olhavam boquiabertas para a imensidão e requinte do recinto, enquanto Diana ficava de olho nas outras crianças com a ajuda de Oliver.
- Quem são estes? - indaga Beatrice sem rodeios, apontando com o queixo na direção dos bruxos, que estavam parados mais atrás do Rei.
- Estas pessoas estavam no Mosteiro da Graça e precisavam de abrigo, já que perderam suas casas - explica Henrique. - Eu ofereci abrigo as crianças até que o restante deles, que ficaram na abadia, consigam encontrar outro lugar seguro para morarem.
- Vou pedir aos servos que os levem aos aposentos de hóspedes e providenciem tinas com água para se banharem - diz a Rainha com seus cabelos loiros soltos e caindo em cascata por suas costas.
- Nós agradecemos, Vossa Graça - diz Diana fazendo uma reverência e sendo imitada pelos demais.
Os servos conduzem os bruxos para o primeiro piso, pelos longos corredores até os quartos de hóspedes. Freya e Diana ficam em um quarto junto com as meninas e Oliver fica em outro com os meninos.
- É aqui que vamos morar agora? - indaga Aimée entusiasmada, já dentro do quarto.
- Será temporário, mas por enquanto sim - responde Diana olhando ao seu redor, para a mesa de leitura que estava a um canto perto da janela; a penteadeira posta em outra parede e a cama grande colocada no meio do cômodo.
- Não acredito que vou morar em um castelo - diz a menina saltitante.
- Será por pouco tempo - rebate Freya com expressão séria -, não se anime muito.
- Eu sempre quis conhecer um castelo por dentro - diz a criança ignorando o comentário azedo da outra -, nem estou acreditando que isto está mesmo acontecendo.
- Nem eu - suspira Freya, fazendo biquinho, desabando sentada no colchão de penas.
- Se não está feliz por você - repreende Diana -, pelo menos finja por Aimée - completa olhando na direção da garota que estava admirando tudo no quarto junto as outras meninas.
Freya também olha para Aimée e dá um meio sorriso para a tia antes de jogar o tronco para trás na cama macia.
O Rei ainda estava reunido com os outros no Grande Salão.
- Como meus hóspedes já estão acomodados e serão, devidamente, atendidos, vou descansar da viagem - diz o Rei fazendo menção de subir as escadas.
- Perdoe-me, Vossa Majestade - diz o Duque -, se não for um momento muito inoportuno, gostaria de conversar com Vossa Graça a respeito do noivado de Beatrice.
- Nesse caso, vamos até a Sala de Reunião, mas gostaria de pedir que fosse breve, Duque de Espirais.
Todos acompanham ambos até a Sala de Reunião do Conselho Real.
- Vossa Majestade, só queria lhe informar que o noivo de Beatrice já foi escolhido - diz Hector após adentrarem o cômodo, sem olhar para a filha, que o fitava em expectativa.
- Muito bem, Duque. Qual foi o seu escolhido?
- Escolhi o Conde de Salinas, Ricardo do Castelo Colinas de Sal.
- Aquele velho viúvo? - indaga Beatrice incrédula.
- Beatrice, tenha modos - repreende Agnes.
- O Conde foi o pretendente que ofereceu um melhor negócio - justifica o Duque.
- Eu não vou me casar com aquele velho - nega-se Beatrice fazendo menção de sair da sala.
- Beatrice - brada Hector fazendo a caçula estacar o passo perto da porta. - Eu sei que você queria que eu escolhesse o escudeiro de seu irmão. - Ela vira-se para o pai. - Como agora vai se tornar noiva do Conde, não quero que se encontre, novamente, com aquele rapaz. Se não me obedecer, terei que mandá-lo para longe para ser escudeiro de outro cavaleiro.
Beatrice apenas encara o pai com seus olhos castanhos faiscando de fúria e retira-se da sala batendo os pés pelo chão conforme andava de volta ao Grande Salão, então sobe os degraus rumo ao seu aposento no primeiro andar.
- O Conde já foi avisado sobre sua decisão? - indaga o Rei após a saída tempestuosa da garota.
- Sim e já marcamos a festa de noivado para daqui algumas semanas, que será realizada aqui na fortaleza se assim, Vossa Majestade, permitir.
- Tem minha permissão, Duque.
Sem mais delongas, Henrique sai da sala e encaminha-se até o seu aposento no segundo piso para, enfim, descansar da viagem.
- Você devia ir falar com sua filha - diz o Duque para Agnes assim que o Rei se retira.
- Sim, meu Senhor. - Agnes sai do cômodo acompanhada por Cateline.
Elas chegam ao quarto de Beatrice e batem na porta, como não obtiveram resposta, resolvem entrar sem permissão. A Rainha e a Duquesa adentram o aposento da outra no momento em que ela pegava um vaso de flores em cima da mesa de leitura e o arremessava contra a parede de pedra fazendo-o quebrar em pedaços pelo chão.
- O que está fazendo, Bea? - questiona Cateline assustada com a cena.
- Descontando a minha raiva - responde a outra olhando para o vaso espatifado no assoalho de madeira.
- Você foi muito malcriada com o seu pai na Sala de Reunião - adverte Agnes.
- Repito: eu não vou me casar com aquele velho. - Beatrice andava de um lado para o outro do quarto. - Ele não pode me obrigar a fazer isso.
- É assim que funciona, Bea.
- Eu não aceito - protesta ela parando na frente da irmã. - Entre os pretendentes, por que nosso pai foi escolher justo aquele velho?
- Por negócios, Bea. - Cateline pega Beatrice pelos ombros e a faz sentar-se na beirada da cama. - O Rei também é mais velho que eu. - Cateline tenta amenizar.
- Cat, não compare sua diferença de idade em relação ao Rei com a minha e aquele Conde.
- Filha - diz Agnes com firmeza -, você deve se desculpar com o seu pai pelo seu comportamento. O noivado será selado daqui há algumas semanas você querendo ou não.
Os olhos de Beatrice ficam marejados enquanto Cateline acariciava os cabelos dourados da irmã caçula.
- Por favor só me deixem sozinha - pede ela baixinho.
A Rainha e a Duquesa se entreolham, mas sem falar mais nada, decidem sair do quarto. Beatrice, ao se ver sozinha, se afunda na cama em meio aos travesseiros de pena chorando de raiva.