Mosteiro da Graça
Freya estava no pátio do mosteiro com Oliver e Aimée e instruía a menina de como manejar o arco e flecha. Aimée puxa a flecha e atira errando o alvo, por pouco, colocado na cerca de madeira.
- Estou melhorando - comenta a garota olhando para Freya e sorrindo.
- Com certeza - concorda a outra, que estava ao lado da garota, devolvendo o sorriso
- Queria aprender a usar outras armas também.
- Talvez eu te ensine, mas só quando estiver dominando o arco e flecha.
- Está bem.
- Acho que seus amigos a estão chamando - diz Freya vendo as outras crianças acenarem para Aimée.
A menina entrega o arco para Freya e se afasta correndo em direção aos amigos.
- Você deve estar feliz por ter conseguido despertar o lado guerreiro dos bruxos - diz Oliver olhando para os bruxos treinando combate corpo a corpo com espada de madeira sendo auxiliados por Cassius.
- Na verdade, eu só dei a ideia, mas quem está fazendo isso de fato é o seu pai - diz ela enganchando uma flecha no arco e atirando no alvo.
- Ele realmente está fazendo um bom trabalho.
- Enquanto estivermos aqui, vamos estar nos sentindo seguros, mas de um momento para o outro isso pode mudar. - A bruxa encaminha-se até a cerca de madeira e retira as flechas fincadas guardando-as em sua aljava.
- E você acha que se nos atacarem...
- ...quando nos atacarem - corrige ela parando ao lado de Oliver.
- ...quando nos atacarem de novo, vamos estar preparados para isso?
- Sim, os caçadores podem até nos capturar, mas não vai ser com tanta facilidade, inclusive, acredito que somos capazes de abater alguns deles.
- Eu não sei não.
- Tem algo que ainda me intriga bastante: como que a Igreja tem acesso a magia negra para bloquear a nossa com as armas que os caçadores usam? Aliás, quero saber quem é o bruxo que está por trás disso e anda ajudando o Tribunal contra sua própria espécie.
- E como você vai descobrir isso?
- Ainda não sei, mas como estamos aprendendo a ler, quem sabe eu consiga alguma informação sobre magia negra nos livros.
- E você acha que nos livros daqui vai ter alguma informação sobre esse assunto?
- Acho meio difícil, mas aqui não é o único lugar que tem uma biblioteca.
- Nisso você tem razão. - Oliver percebe que Freya estava olhando na direção de Aimée, que brincava com as outras crianças. - Essa menina se tornou como uma irmã mais nova para você, não é?
- Eu vejo muito de mim nela, seu jeito obstinado e corajoso, apesar de ela parecer tão frágil - diz Freya ainda olhando para a menina -, nossa história é meio parecida, nossos pais estão mortos, a diferença é que ela conheceu o pai dela.
- Sua mãe nunca te falou nada sobre seu pai?
- Toda vez que eu tocava nesse assunto, minha mãe desconversava e eu percebia que ela ficava com uma expressão triste e, às vezes, de raiva, então parei de perguntar sobre o meu pai. Achei que poderia voltar a esse assunto com ela quando eu fosse adulta, mas não tive essa chance.
- Com sua tia, você já tentou falar sobre esse assunto?
- Não, eu nem sei se ela sabe de alguma coisa.
- Agora que parei para pensar que nós não sabemos como que sua tia e meu pai se conheceram.
- Verdade, nunca tinha parado para pensar nisso, mas minha tia, com certeza, conhecia muito bem seu pai e confiava nele quando o procurou pedindo abrigo. - Ela encara o amigo com expressão pensativa.
- E meu pai as recebeu muito bem.
- Mas nenhum dos dois nunca contou como se conheceram.
- Verdade.
- Eu vou guardar o arco, pois daqui a pouco nós vamos ter nossa aula na biblioteca.
Freya se encaminha para a ala dos dormitórios de hóspedes indo para o aposento que ocupava ali. Ao entrar encontra a tia arrumando alguns pertences sentada no colchão de palha.
- Já treinou o suficiente por hoje? - indaga Diana ao ver a sobrinha encostando o arco na parede e colocando a aljava no chão.
- Sim, daqui a pouco eu e Oliver vamos ter nossa aula de leitura.
- Vocês estão gostando de aprender a ler?
- Muito - e mudando de assunto. - Tia, queria te fazer uma pergunta.
- O que foi?
- Como você e o Cassius se conheceram?
Diana endireita o corpo parando o que estava fazendo e encara Freya.
- Por que está me perguntando isso? - indaga ela entre curiosa e preocupada.
- Hoje, eu e Oliver conversando, nos demos conta de que vocês nunca nos contaram como se tornaram amigos.
Diana, vagarosamente, respira fundo desviando o olhar do rosto da sobrinha parada de pé a sua frente.
- O Cassius era melhor amigo do seu pai - conta ela hesitante -, eles cresceram juntos.
- O que?! - Freya arqueia as sobrancelhas ficando boquiaberta.
- Eles se aventuravam pela floresta e vilarejos juntos quando jovens, mas quando seu pai conheceu sua mãe, Cassius já estava casado com Joana, que esperava por Oliver. Seus pais começaram a se encontrar, até que seu pai levou Isabel e eu para conhecermos aquela que ele considerava sua família.
- Então foi através do meu pai que você conheceu o Cassius? - Freya senta-se no chão com as pernas cruzadas de frente para a tia.
- Sim.
- E o que aconteceu com meu pai?
- Um dia, ele sumiu e nunca mais soubemos dele. Então sua mãe descobriu que esperava uma criança - conta Diana olhando fixamente para as suas mãos remexando-as, nervosamente, em seu colo.
- Ele chegou a saber que minha mãe estava grávida?
- Eu não sei se a Isabel chegou a contar para ele - mente Diana.
- Então ele ainda pode estar vivo.
- Não esquece que ele era bruxo e pode ter sido capturado e levado ao Tribunal.
- Isso é verdade - diz Freya desanimada -, por isso minha mãe sempre me fez acreditar que ele estava morto.
Aimée entra no quarto interrompendo o assunto.
- Agora vou para a minha aula. - Freya levanta-se e dá um beijo na bochecha sardenta de Aimée saindo, em seguida, do quarto encontrando Oliver no corredor.
Os dois seguem juntos para a biblioteca.
Diana, após a saída de Freya, deixa Aimée no quarto, que deitara no colchão de palha para dormir abraçada ao seu urso, e vai para o pátio. Ela aproxima-se de Cassius, que estava sentado em um banco de madeira.
- Você está com uma expressão de preocupada - comenta Cassius enquanto ela sentava-se ao lado dele. - Aconteceu alguma coisa?
- Agora há pouco, Freya veio me perguntar como nos conhecemos.
- E o que você disse?
- Eu omiti sobre alguns fatos e menti sobre outros, me sinto mal por isso. - Ela suspira profundamente. - Contei que você e o pai dela eram amigos de infância e se aventuravam juntos pelos lugares ao redor da floresta, que foi assim que ele conheceu a Isabel e começaram a se encontrar. Até que o pai resolveu levar nos duas para conhecer aquela que considerava ser sua família, que eram você, que já estava casado com Joana e o Oliver, que era apenas um bebê. E que quando Isabel ficou grávida, ele havia desaparecido e nunca mais soubemos do paradeiro dele.
- Você disse meias-verdades.
- Eu não contei que Henrique era irmão da sua esposa e também tomei cuidado para não dizer o nome dele, não quero que Freya tenha qualquer informação que a leve até o pai. E lógico que não falei nada sobre o que ele fez e ainda dei a entender que pode estar morto como ela sempre acreditou.
- Eu também menti a vida toda para o meu filho dizendo que a mãe morreu da peste negra, só para protegê-lo da verdade.
- O que me preocupa agora é que Henrique sabendo sobre Freya queira aparecer e contar tudo para ela.
- Você acha que ele vai querer contar o que fez? Ele não seria tão tolo.
- É claro que ele vai omitir essa parte da história, mas tenho medo que queira contar que é pai dela.
- Eu contei a ele sobre Freya em um momento de desespero, mas me arrependo.
- Só espero que ele esqueça que ela exista.
- Vou voltar para o meu treino - diz Cassius levantando-se. - Quer treinar comigo?
- Quero. - Diana levanta-se também.
Cassius pega uma espada de madeira e entrega outra para Diana. Ele começa a mostrar alguns golpes para ela.