Ela levou a mão livre ao rosto, limpando a lágrima que escorria na lateral do olho. Newt apertou sua mão, como um pedido para que ela não chorasse. Ele se levantou, a puxando junto dele.
- Tenho que pegar uma coisa. Ajude o pessoal, eu já volto. Só preciso de alguns minutos.
Scarllet não insistiu em dizer para que ele voltasse com ela. Não adiantaria de nada, e naquele momento, Newt já estava longe, de volta a sala da recepção. Ela virou-se, entrando na sala de armas e se encontrando com o resto do grupo, pronto para uma batalha.
- Onde ele está? - perguntou Thomas.
- Foi a sala de recepção. Disse que precisava fazer algo.
- Quem sabe o que esse cara vai aprontar... - disse Minho. - Ele nunca agiu assim antes. O Fulgor já começou a devorar o cérebro dele.
- Ele disse que voltaria logo. - repetiu Nick em um tom mais alto que o de costume. - E preste atenção no que diz a ele. A última coisa que precisamos é você o tirando do sério.
- Lembra que eu falei que o aumento de atividade celular acelera o ritmo de destruição? - Brenda chamou a atenção do grupo, os olhos fixos em Thomas. - Esse processo se chama destruição cognitiva. Por isso essa droga, a Benção, é tão popular entre aas pessoas que se podem dar ao luxo de compra-las.
- Benção? - perguntou Minho.
- É a droga que os contaminados usam para retrair os efeitos do Fulgor. A Benção retarda as funções cerebrais e aumenta o tempo até se chegar à Insanidade. Pena que é muito cara.
- As pessoas continuam ativas, vivendo a vida, saindo para trabalhar, ou seja lá o que for que se faça no mundo hoje, quando estão drogadas? - perguntou Nick.
- Fazem o que precisam fazer, mas ficam muito mais... relaxadas, digamos assim, por causa da droga. Você pode ser um bombeiro que resgata crianças em um incêndio, mas não vai se estressar se deixar uma delas caírem nas chamas durante o resgate.
- Isso é tão...doentio. - murmurou Thomas
- Como faço pra ter isso? Meus sintomas não estão tão avançados como os de Newt, mas eu posso sentir esse vírus. Não sei por quanto mais tempo consigo controlar minha raiva.
- Você e Newt tem sido estimulados demais, bem mais que a média das pessoa que vivem apenas seu dia a dia. Não espanta que o Fulgor esteja agindo depressa nele. E você, a melhor coisa a se fazer é ficar longe de decisões importantes. Não tem como conseguirmos uma Benção para vocês dois.
Nick assentiu, se distanciando. Scarllet levou a mão as suas costas, dando um sorriso para o garoto.
- Bem, não há nada que possamos fazer a respeito até chegarmos a um lugar mais seguro.
- Fazer a respeito do quê?
Newt entrou na sala.
- Nada. Não importa. Aonde você foi?
- Preciso falar com vocês dois. - ele intercalou o olhar entre Thomas e Scarllet. - Só com vocês. Vai demorar apenas um segundo.
- O que está acontecendo? - perguntou Minho.
- Por favor, me dê um tempo, Minho. Preciso dar uma coisa para eles. Para eles, e mais ninguém.
- Tudo bem, então vá. - Minho ajustou as correias dos Lança Granadas nos ombros. - Mas precisamos nos apressar.
Thomas e Scarllet seguiram pelo corredor, a garota ansiosa pelo que o amigo queria dizer, enquanto Thomas morria de medo do quanto o que ele falasse pudesse revelar sua Insanidade.
Afastaram-se da porta poucos metros, até que Newt parasse e encarasse Thommy, entregando-lhe depois um pequeno envelope fechado.
- Enfie isto no bolso.
- O que é? - Thomas pegou e o virou, estava em brando do lado de fora.
- Apenas coloque o maldito envelope no bolso.
Thomas fez o que ele lhe pediu. Scarllet os observou em silêncio, curiosa com o que tinha dentro do envelope. Se perguntou se Newt entregaria um desses a ela, e preferiu esperar por seu momento em vez de atrapalhar a conversa dos dois.
- Agora olhe dentro dos meus olhos.
- O que tem no envelope?
- Você não precisa saber exatamente agora. Alias, não pode saber. Mas tem de me fazer uma promessa, e não estou brincando.
- O que é?
- Quero que jure que não vai ler o que está dentro desse maldito envelope até chegar a hora certa.
Thomas não respondeu. Parecia pensar na proposta e Scarllet tinha a sensação de que ele não queria fazer aquela promessa. Ele era curioso demais pra isso. Thomas fez menção de tirá-lo do bolso, mas Newt agarrou seu braço para detê-lo.
- Quando for a hora certa? - perguntou Thomas. - Como vou saber...
- Você vai saber! Agora jure. Jure!
- Está bem! - Scarllet agradeceu mentalmente por ele ter concordado. Newt estava ficando irritado com aquela situação, e o melhor que podiam fazer pelo amigo era evitar mais emoções. - Juro que não vou ler até ser a hora certa. Juro. Mas por que...
- Combinado, então. - interrompeu Newt. - Quebre a promessa, e jamais o perdoarei.
Thomas continuou imóvel e enquanto Newt se virava pra Scarllet e tirava o cordão em seu pescoço. O loiro estendeu a mão para frente, esperando que Scarllet segurasse o cordão em sua mão. Ela não se moveu. Os braços soltos ao lado do corpo, as sobrancelhas franzidas em uma expressão confusa e desacreditada. Era um cordão simples. O pingente arredondado preso na corda marrom era usado na clareira pra guardar os comprimidos que os Clareanos doentes carregavam com eles. Scarllet se lembra exatamente do dia em que Newt fez aquele cordão.
Sentados na grama, as costas encostadas no tronco de uma árvore velha, uma das maiores da Clareira. Scarllet enrolava uma nova atadura no tornozelo machucado de Newt, que apenas ela e Alby sabiam o verdadeiro motivo de estar assim. Ele gemeu de dor quando ela fez um movimento inesperado.
"Desculpe. Já tomou seu remédio hoje?"
"Não preciso. Estou bem, Scar, é sério."
"Não minta pra mim." - Ela continuou a arrumar a atadura. - "Precisa tomar os remédios, Newt. Não tem motivo para ficar sentindo dor se temos remédio sobrando pra que isso não aconteça."
"Eu mereço isso."
"Cale a boca."
"Estou falando sério. Eu causei isso de propósito, não vou gastar os remédios que temos. Os entalhadores precisam mais do que eu."
Scarllet sentou-se virada para ele, ao lado de sua perna. Encarou os olhos tristes e desesperançosos do garoto, dando um sorriso reconfortante. Segurou a mão de Newt, a colocando sobre seu joelho e em seguida, pegando algo no bolso de sua calça.
"Uso isso para colocar meus remédios de dor de cabeça. Quero que use para colocar seus remédios até que seu tornozelo melhore. Me prometa que vai tomar seus remédios, Newt."
"Não fale como se fosse minha mãe."
"Não haja como se fosse uma criança. Você tem que tomar seus remédios e melhorar para que possa voltar as atividades do dia a dia. Não seja um bunda mole."
"Deveria ter me deixado pular daquele muro." - ele murmurou. Scarllet arregalou os olhos, sentindo o coração se despedaçar ao ouvir aquelas palavras. - "Não deveria ter me salvado, Scarllet. Agora estou te dando trabalho, e todo mundo me olha como se eu fosse um maluco suicida. Deveria ter me deixado morrer."
"Não diga isso. Não diga isso nunca mais, Newt. Eu não teria te deixado morrer, nunca. Faria aquilo de novo se pudesse. Você não está me dando trabalho, estou aqui porque eu quero. Porque amo você, Newt, e não vou deixar você sozinho quando sei que precisa de mim. Ninguém está te olhando como um suicida, estão te olhando como a pessoa corajosa que você é. Estão te olhando como sempre olharam, e eu tenho certeza disso porque ninguém além de mim e Alby sabe do que aconteceu. Não se chame de suicida de novo, entendeu?"
Ela passou o polegar na bochecha do loiro, limpando as linhas molhadas que as lágrimas deixavam ao escorrer.
"Você não é um suicida, você só encontrou um meio de fugir da sua dor, por mais que não tenha sido um bom meio. E agora, eu estou aqui. Vou te ajudar a achar uma âncora. Mas preciso que você tome seus remédios."
Ele pegou o pingente de sua mão. Em seguida, tirou dois pedaços de uma corda marrom que costumava usar para amarrar as coisas e enrolou nas duas extremidades do pingente. Deu um último nó entre as cordas e o colocou no pescoço. Olhou para Scarllet, dando um sorriso.
"Prometo que vou tomar os remédios."
A rápida lembrança chegara ao fim, e Scarllet se viu novamente no momento atual. Onde Newt tentava entregar a ela o cordão que fez. Onde Newt estava infectado com o Fulgor. Onde Newt não se incluía nos planos de fugir junto deles.
- Quero que fique com isso, Scar. - disse Newt, o braço segurando o cordão ainda esticado.
- Por que?
- Apenas fique.
- Não quero. - ele franziu as sobrancelhas. Scarllet se afastou, balançando a cabeça. - Não vou ficar com seu cordão, Newt.
- Por favor, Scar.
- Não. Sei o que está tentando fazer. Pare com isso agora.
- Não temos tempo pra isso, Scarllet. Aceite logo esse maldito cordão. - ele aumentou o tom de voz.
- Já disse que não. Coloque essa droga de volta no seu pescoço. Pode me entregar em outro momento, quando sairmos daqui e estivermos a salvo. Quando encontrarmos uma cura para você e Nick. Eu não vou aceitar esse cordão, não agora. Não sou idiota, sei que está tentando deixar algo como despedida. Não vou aceitar, isso não é uma despedida.
Newt suspirou e voltou a colocar o cordão.
- Terá que ficar com isso uma hora ou outra, Scar. Precisa começar a se preparar para o pior, porque a cura não existe.
Ele passou por ela, deixando a garota para trás e voltando a sala de armas.
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