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Scarllet ouviu sussurros de uma voz rouca e tremula, não muito difícil de reconhecer. Era Thomas, mas ela não conseguia abrir os olhos para ter certeza. Ele transmitia uma certa tristeza e preocupação e demorou alguns segundos para Scarllet entender completamente suas frases. Não estava totalmente inconsciente, sentia o corpo, mas era como se uma força maior impedisse que ela o mexesse. De repente, ouviu outra voz, não uma voz presente, parecia estar na sua cabeça.
Onde você está?
Estrela, estamos indo para o Refúgio, os Clareanos não estão logo atrás de nós.
Onde vocês estão? Não consigo te ver.
Estrela, por favor, dê algum sinal de que está viva.
Ela abriu os olhos, assustada. Estava em um quarto branco com luzes fortes. Sentiu o corpo ser abraçado e direcionou os olhos a Thomas.
- Achei que não fosse acordar.
- Onde estamos?
- Não sei. Um gás nos fez dormir, eu acordei a pouco tempo e fiquei te chamando.
- Nick falou comigo.
- Como assim?
- O Nick falou comigo, Thomas. Agora, na minha cabeça.
Ele a olhou confuso, mas antes que Scarllet começasse a explicar, ele perguntou.
- Vocês conversam telepaticamente?
- Ele consegue falar comigo, não sei como.
- Espera, eu faço isso. Eu e Teresa. Bom, pelo menos eu conseguia. É como se tivessem desativado essa opção. Tente falar com ele.
- O que?
- Se concentre e tente. Mande uma mensagem, ou alguma coisa. Você só precisa se concentrar no que quer.
Ela fechou os olhos, formulando uma frase. Imaginou estar de frente para Nick, como se as palavras estivessem mesmo saindo da sua boca. "Estou viva". Esperou por uma resposta, mas não recebeu nada. Olhou para Thomas desanimada e balançou a cabeça.
- Acho que não funcionou.
- Tente de novo. Tente até sentir uma dor de cabeça.
- Não temos tempo pra isso, Thomas. Temos que sair daqui.
- Não tem como sair. Eu já tentei. Não tem nem porta. Tente de novo, Scarllet.
Ela esfregou as mãos no rosto e fechou os olhos, concentrando todos os pensamentos, ideias e vontade em uma única coisa, falar com Nick. Precisava entrar em contato com ele de alguma forma, dizer que estavam bem, dizer que estavam vivos pelo menos até agora. Mas não tinha certeza se ele conseguia ouvi-la. Decidiu falar uma palavra de cada vez, imaginando que talvez fosse mais fácil.
Nick... estou... viva.
Droga, isso é inútil.
Me sinto uma idiota.
Nick, está me ouvindo?
Como é que você faz isso?
- Já chega, Thomas. Não funciona! Agora estou com dor de cabeça.
Thomas se levantou, abrindo um sorriso.
- Então funcionou.
- Hãm?
- A dor de cabeça indica que ele recebeu a mensagem. Ele te ouviu, Scar.
- Então por que ele não me responde?
- Quando tentei pela primeira vez, Teresa não conseguiu entender nada do que eu disse direito. Tente de novo.
Ela revirou os olhos.
Estamos em uma sala branca, eu e Thomas.
Aris está do lado de Teresa.
Nick, está todo mundo bem?
Você e os garotos...
Perdeu a concentração quando uma porta, que pelo visto só existia uma maçaneta do lado de fora, se abriu lentamente.
Thomas ajudou Scar a se levantar, ficando a sua frente e a protegendo com o corpo. Quando a porta se abriu por completo, revelou Teresa. O rosto inchado e vermelho, como se chorasse por horas. Ela correu até Thomas, o abraçando. Scarllet fechou os punhos e cerrou os dentes. A raiva começou a crescer e ela teve que contar até dez para não começar uma briga com Teresa, algo que só não fez porque pensou em Thomas, no fundo, ele ainda gostava dela.
- Sinto muito, Tom. Sinto tanto, tanto, tanto! Disseram que o matariam se não fizessem tudo exatamente como pediram. Por mais horrível que fosse. Sinto muito, Tom!
Thomas não respondeu, parecia estar pensando seriamente no assunto. Ele estava em dúvida, não sabia se deveria perdoa-la ou odiá-la pelo resto da vida.
Enfim se afastou, lançando um olhar indecifrável para Scarllet. Ele tinha um pé atrás em relação a Teresa, era óbvio, mas o foco maior do garoto estava sobre a amiga, que ainda não estava cem porcento bem. Segurou a mão de Scarllet e ela viu Teresa a olhar irritada, o que a fez querer rir.
- Bem... é melhor explicar direito, Teresa.
Ela assentiu, voltando a atenção para Thomas.
- Eu disse para confiar em mim. Falei que coisas muito terríveis aconteceriam com você. Mas foi tudo encenação.
Scarllet queria contesta-la, mas preferiu ficar quieta. Era a hora de deixar Thomas e Teresa se resolverem e no fundo, torcia para que ele nunca a perdoasse.
- Você rachou a cabeça de Scarllet com uma lança.
- Lamento.
- Lamento. - Scarllet repetiu em sussurro, imitando a voz fina de Teresa. Thomas foi o único que a ouviu, a repreendendo com um aperto leve em sua mão. - Desculpe.
- Por que não me disse que nos conhecíamos antes? - ele olhou para Aris, mas foi Teresa quem respondeu.
- Era tudo encenação, Tom. Você precisa acreditar em nós. Prometeram desde o princípio que você não morreria. Que a câmara tinha uma finalidade específica e que depois tudo estaria acabado.
- E o Nick? - Scarllet se colocou de frente para ela, estavam cara a cara. - O que o Nick tem a ver com toda essa história, Teresa? Por que disse que ele estava do seu lado?
- O CRUEL me mandou dizer. Eles falaram, na minha cabeça. Disseram para te convencer de que também tivesse sido traída, mas no fim, Nick também fez parte de tudo isso.
- Do que está falando?
- O CRUEL disse que precisávamos trazer um de vocês dois, no mínimo. Se pelo menos um viesse, o outro também ficaria vivo. Nick concordou em ajudar a trazer Thomas, ele nos ajudou com isso o tempo todo, até mesmo na hora em que convenceu as meninas a soltarem ele. Era um plano, ficaria mais fácil de trazer Thomas pra cá se o Grupo B não estivesse junto. Nick concordou em ajudar desde que você não se ferisse, quero dizer, desde que ele não tivesse que te trair como eu tive que fazer com Thomas. Acho que a Variável de vocês dois eram diferentes. Acho que eles queriam ver o que você faria se tivesse o melhor amigo de volta e a de Thomas, o que ele faria depois de ser traído por mim.
- Que tal vocês esclarecerem tudo enquanto andamos? - indagou Aris. - Quer dizer, corremos. Só faltam algumas horas. Hoje é o dia.
Eles saíram da caverna, passando novamente pelo bosque de árvores mortas e galhos secos. Assim que chegaram no final, começaram a correr. Os outros dois grupos estavam muito mais avançados.
Scarllet conseguiu ver os garotos não muito longe do Grupo B, a qualquer momento eles certamente se encontrariam. O céu não iluminou muito ao amanhecer, nuvens escuras tampavam o Sol, indiciando que mais tarde naquele dia outra chuva de raios cairia sobre eles. Se tivessem sorte, talvez eles chegassem no Refúgio Seguro antes que um raio caísse em suas cabeças.
Continuaram correndo, o vento batendo no rosto trazendo toda areia possível. Scarllet não aguentava mais esfregar os olhos para enxergar o que havia a frente.
- Scar! - ela parou, se virando para Thomas. Entre os três, ele era o mais próximo dela. - Cara, você corre muito. Eles não conseguem nos acompanhar.
- Estou pouco me lixando pra eles, Thomas. Por mim podem ficar para trás, o mais longe de mim possível.
- Você podia me esperar, pelo menos.
- Já esperei, agora vamos. Os outros dois grupos já chegaram, não estamos muito longe.
Eles voltaram a correr.
- Acha que eles estão nos vendo? - ele perguntou.
- Não. Acho que Nick está falando com Minho, tenho quase certeza de que são eles.
A cada segundo eles estavam mais próximos e tudo se tronava mais visível. Foi então que viram uma briga começar.
Nick e Minho, jogados no chão, batendo um no outro. Minho com toda certeza era o mais irritado, desferia socos no garoto que tentava defender o rosto a todo custo, como se não quisesse brigar. Aquilo era bem a cara de Nick, ele odiava brigas.
Scarllet acelerou, sendo acompanhada pelos outros três. Tentou ser o mais rápida possível e quanto mais próxima ficava podia enxergar melhor o que estava acontecendo.
Newt não fez questão de separar Minho, muito pelo contrário, ele parecia estar doido para que Minho terminasse e ele enfim pudesse começar uma briga também. Minho deu outro soco e o rosto de Nick virou-se com brutalidade para o lado, deixando uma reta de gotas de sangue pela areia.
- Eu vou te matar, seu mértila!
- Minho, já chega! - Caçarola o gritou. - Me ajude aqui, Newt!
- Não se meta, Caçarola!
- Qual o seu problema? Vai acabar matando ele, Minho!
- É isso que eu quero.
- Para com isso, por favor! Ele não matou sua amiga, não fizemos nada com eles. - gritou Harriet.
Quando estava perto o bastante, Scarllet se jogou sobre o corpo de Minho e com o impulso que pegou conseguiu joga-lo no chão. Eles rolaram juntos para longe, mas não demorou muito para Minho se levantar e partir para cima de Nick de novo. Scarllet segurou sua mão, o puxando para trás de novo.
- Minho!
Ele parou. A respiração rápida e ofegante, os músculos finalmente relaxaram, mas em nenhum momento ele olhou para trás. Era como se não quisesse olha-la, mesmo sabendo que ela estava ali.
Scarllet sentiu o coração apertar, Minho estava bravo. Ele abaixou a cabeça e depois de alguns segundos finalmente se virou. Fitou o chão por algum tempo, como se estivesse tomando coragem para olha-la nos olhos. Então, levantou a cabeça.
O rosto triste e ensanguentado, um sangue que nem mesmo era dele. Scarllet deu um sorriso fraco, torcendo para que Minho retribuísse com um abraço, mas não aconteceu. Minho nem mesmo teve a coragem de dizer algo. Ela suspirou, e a atenção pulou para Nick, que estava sentado no chão segurando um pano contra o rosto, estancando o sangue que saia do corte na sobrancelha. Nick tinha os olhos fixos nela, aliviado em vê-la. Scarllet lançou um último olhar para Minho antes de passar por ele, ignorando o sussurro do garoto que tentou chama-la, mas era tarde demais para isso.
Ela agachou em frente a Nick.
- Você está horrível. - ela brincou.
Nick não disse nada, deu um abraço em Scarllet, escondendo o rosto em seu ombro e o sujando com sangue. Por um segundo, achou que Nick estava chorando, um choro calmo e silencioso, como se estivesse feliz. Scarllet se levantou, ajudando Nick a fazer o mesmo. Andou até os Clareanos, que continuavam a olha-la surpresa, sem acreditar no que viam, como se ela fosse um fantasma.
- Precisamos conversar.
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