blue boy, gilbert blythe

נכתב על ידי msattu

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Me perdi em meio as suas palavras, reparando na forma em que seus olhos se comprimiam quando dizia algo. Ador... עוד

.𝐁𝐋𝐔𝐄 𝐁𝐎𝐘
.𝐂𝐇𝐀𝐑𝐀𝐂𝐓𝐄𝐑𝐒
𝟎.𝟎𝟎 'uma viagem de barco
𝟎.𝟎𝟏 'daniel pilpert
𝟎.𝟎𝟐 'uma mulher elegante
𝟎.𝟎𝟑 'joseph e sally templeton
𝟎.𝟎𝟒 'bonito, mas meio triste
𝟎.𝟎𝟓 'torta de maçã
𝟎.𝟎𝟔 'acidente
𝟎.𝟎𝟕 'o que diabos é isso?
𝟎.𝟎𝟖 'garotos
𝟎.𝟎𝟗 'você é um idiota
𝟎.𝟏𝟎 'flutuando
𝟎.𝟏𝟏 'pantomima
𝟎.𝟏𝟐 'mar
𝟎.𝟏𝟑 'janela
𝟎.𝟏𝟒 'violino
𝟎.𝟏𝟓 'a primeira parte da festa
𝟎.𝟏𝟔 'a festa
𝟎.𝟏𝟕 'algo azul...
𝟎.𝟏𝟖 'consegue me ver casando com alguém?
𝟎.𝟏𝟗 'latente
𝟎.𝟐𝟎 'confuso
𝟎.𝟐𝟏 'coisas estranhas
𝟎.𝟐𝟐 'uma parábola sobre um conto de abril
𝟎.𝟐𝟑 'espere por mim
0.24 'deveríamos nos casar
𝟎.𝟐𝟓 'romance ligado ao fracasso
kind witch; ato dois
1.00 'apenas diga
𝟏.𝟎𝟏 'sobre palavras arredias
𝟏.𝟎𝟐 'dizendo
𝟏.𝟎𝟑 'sobre coisas que queimam o âmago
𝟏.𝟎𝟓 'senti saudades de você
𝟏.𝟎𝟔 'mary
𝟏.𝟎𝟕 'cartas & abraço
𝟏.𝟎𝟖 'aula na floresta
𝟏.𝟎𝟗 'dança
𝟏.𝟏𝟎 'beltane
SAUDAÇÕES, AMIGOS (detalhes importantes, casamento e um quase hot)

𝟏.𝟎𝟒 'respostas seguras

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נכתב על ידי msattu

.a única coisa mais cruel que uma gaiola tão pequena que um pássaro não consiga voar é uma gaiola tão grande que um pássaro pense que pode voar. apenas um monstro trancaria um pássaro lá dentro e diria ser amante dos animais

"jt+al"
1

A maior surpresa que tive ao chegar em casa ao fim da tarde foi o humor ácido de Evangeline — o que, apesar de tudo, era totalmente compreensível. Nós havíamos perdido seu aniversário de seis anos, e todos sabem que crianças se importam mais com a presença daqueles que são amados do que com presentes. Ela chorou, bateu os pés birrenta, disse que não voltaria a falar comigo porque estava extremamente decepcionada e bateu a porta do quarto completamente roxo na minha cara antes mesmo que eu pudesse terminar de saudá-la. Foi tão de repente que me fez dar risada e ignorar seu surto.

Não demorou muito para que ela se esquecesse de tudo aquilo; antes do jantar, ela havia aparecido na entrada do meu quarto, enquanto eu e Joseph fofocávamos, e perguntado à mim como era a França, se haviam muitos concertos de ballet e se havíamos trago presentes para ela. Contei sobre o halloween, sobre os fatos esquisitos de Oliver e sobre a culinária maravilhosa de lá.

— Ames, ano que vem nós podemos comemorar o halloween? — ela perguntou em certo momento, se deitando em sua própria cama. Havia se interessado pelo feriado, e quase não lembrava das vezes que pedimos doces quando ainda morávamos na Inglaterra. — Gostaria de poder visitar uma casa assombrada.

— Qual o problema com a nossa casa? — questionei com a voz séria, vendo seus olhinhos escuros se arregalarem.

— O QUE?

— Boa noite, Evangeline — fechei a porta.

Foi a primeira vez em que tive uma conversa longa com a minha irmã sem que tivesse vontade de chamá-la de pirralha ou lhe puxar os cabelos.

Anne fez dezesseis anos no dia seguinte. Diana inventou de fazer uma festa-de-chá-de-aniversário para a melhor amiga — que entrou correndo dentro da casa por achar que Minnie May estava doente de novo ou por alguma baboseira que o menino que trabalhava para os Cuthbert, Jerry, havia dito — durante aquela mesma manhã. Nós comemos bolo, falamos de garotos, sobre a faculdade e rimos como nunca antes.

Na sexta, voltei a escola.

A mesma sensação de invalidez me apossou e por um segundo achei que não seria capaz de abrir a porta. Joseph segurou minha mão, beijou minhas duas bochechas ("você deve estar acostumada com esses negócios de franceses", ele alfinetou) e me arrastou até a casinha.

Não havia praticamente nada de diferente, não fosse o "romance" de Billy Andrews e Josie Pye e o quadro de avisos — ou melhor, mural de interesses. Alguns colavam recados sobre seus paqueras e comentários engraçadinhas sobre coisas que haviam notado durante o dia.

— Eu estou tão confusa — Ruby berrou em certo ponto. — Já temos idade mas o Gilbert ainda não fez nada.

— Pense em todas as possibilidades que haverá na Queen's ano que vem - Josie, que havia obviamente escrito sobre ela e Billy, tentou consolar Ruby.

— Mas eu só vou pra Quenn's pra ficar perto do Gilbert!

Seria mentira se eu dissesse que não estava me divertindo.

As meninas entraram na sala ( Anne dizendo que ajudaria Ruby com o rapaz), enquanto eu e meu melhor amigo continuamos parados em frente ao mural de interesses. Ele segurou minha mão com mais força e sugeriu algo — Joe e eu escrevemos mensagens de amor irônicas um para o outro e pregamos de forma anônima antes de nos juntarmos aos outros.

"Ouvi dizer que Amélia tem uma quedinha por Joseph Templeton", ele escreveu.

"JT+AL = CASAL PERFEITO", anotei em garrafais.

Até o final das aulas, as meninas me fizeram tantas perguntas (além de Anne que sabia que era mentira) sobre nosso "futuro casamento numa tarde de primavera" que tive que sair mais cedo da sala para poder rir em paz.

Gilbert não falou comigo. Ele sorriu e me cumprimentou na entrada. Me olhou enquanto falava com Anne — provavelmente sobre ele ter algum tipo de interesse em Ruby —, mas não conversamos. Nenhuma palavra se quer. Não esperava algo diferente.

A aula teve seu fim com cada um dos alunos falando sobre seus ancestrais. Joe havia me avisado de antemão, mas não me dei ao trabalho de montar algo elaborado porque a história da minha família — por parte de pai, ao menos — não é tão feliz e colorida quanto a vida de contos de fadas que meus colegas e seus antepassados tiveram o prazer de viver. Contei sobre como meu avô existiu em desgraça até os trinta anos, antes de conseguir pagar por sua carta de alforria e se mudar para Londres, onde se casou e viveu como um homem livre.

A história deixou alguns desconfortáveis, mas não recebi perguntas quando me sentei.

trem
2

No sábado, enchi o saco de papai para me deixar ir até Charlottetown visitar Amália e sua neta April na Lotus. Ele dificilmente aceitou — odiava que eu pegasse trens sozinhas porque as pessoas tendem a ser ainda mais racistas quando então em posição de poder —, me ofereceu carona umas setenta vezes, mas depois que contei que Anne estaria indo para lá encontrar com a senhorita Josephine e Cole, meu pai finalmente concordou — ainda sob a condição de que Joe ficasse no meu pé como um segurança branco pronto para me proteger de qualquer coisa.

O que me surpreendeu mesmo foi encontrar com Gilbert por lá.

Anne não havia me contado antes que Blythe agora tinha uma espécie de estágio num consultório local — o mesmo do médico que havia enfaixado meu pé e da menina gentil que flertava com um esqueleto. Ela se divertiu com minha cara de desespero antes de quase xingar o maquinista que rejeitou minha passagem.

— Não fale com estranhos — Marilla advertiu. — Não aceite caronas. E fique perto de Amélia, Gilbert e Joseph. E tem certeza de que tem tudo? As passagens de volta do trem e da balsa? — Anne respondia com "sim, é claro, claro, claro" para todas as perguntas com as bochechas mais rubras que o normal. Joseph tampava minha boca para que eu não começasse a rir, enquanto Gilbert apenas franzia as sobrancelhas para a situação. Meu pai observava em silêncio. — Porque Deus sabe o que vai acontecer se ficar presa em... Meu Deus, Anne! Como se apresenta te representa. Se parecer um moleque, Deus sabe que perigos atrairá. Sabe que tipo de gente anda de trem?

Tomei como ofensa.

— Eu ando de trem — ela respondeu, convicta. — E eu já andei muito sozinha. E lembre-se de que sou uma viajante veterana — ela disse, olhando para nós três.

– Matthew, dê outro centavo para ela comer. Sabe como ela é quando está em uma de suas aventuras. Ela ser esquece de comer. E antes que perceba, ela está fraca e largada em uma vala!

Elas ainda discutiam quando papai me puxou pelo braço e pediu novamente, pela enésima vez, que eu tomasse cuidado.

Ele andava fumando desde a última semana na França. Então seus dedos estavam com marcas de cigarro e os cantos da boca escuros, ainda que continuasse sendo o homem mais carinho que eu já havia visto. Pai me tocou os cabelos com as mãos que cheiravam a tabaco, franziu o cenho e ficou sério antes mesmo que eu respondesse.

— Fica tranquilo, Richard — mandei com o mesmo tom de voz que mamãe costumava usar. Ele sorriu, mas fechou a cara logo em seguida. — Eu só vou numa livraria tomar chá com Amália e April e discutiremos sobre homens literários que deveriam sair de livros e casar conosco, não tem perigo.

Senti que ele queria dizer algo, apesar de continuar me encarando com os olhos escuros em silêncio.

— E eu estou aqui, caso algo aconteça — Joseph disse, me dando uma chave de braço de brincadeira. As palavras eram calmas, mas ele havia feito uma verdadeira cara de durão na tentativa de acalmar e convencer meu pai a nos deixar entrar logo no trem. Richard riu alto antes de zombar da cara do garoto.

— Do jeito que te conheço, você vai sentar e tomar chá também. É mais fácil a Amélia defender você do que o contrário — meu pai disse, puxando os cabelos de Joe. Depois olhou para os pulsos dele e disse: — Olha só esses bracinhos de macarrão, não aguentam nada.

Seus bracinhos de macarrão foram puxados para frente, fazendo com que ele quase caísse e me levasse junto. Nossos quadris se encontraram antes de Joseph largar meu pescoço e encarar meu pai com veracidade.

— Opa, velhote. Tá querendo brigar? — Joey jogou uns soquinhos no ar com uma cara engraçadinha enquanto falava com seu sotaque do sul. Meu pai o encarou, de cima a baixo com um falso desgosto, posicionou uma perna na frente da outra e fingiu se preparar para bater em meu melhor amigo. Os dois ficaram nessa lutinha por menos de dois segundos, antes de papai o puxar para um abraço sem jeito e agressivo.

Joseph pedia para que ele se afastasse jurando que iria derrubar esse velho apesar de rir como um doido. Eu ri por um, talvez dois, momento, mas notei os olhares de uma senhora de rosto esnobe em nossa direção. Ela cochichou algo para uma outra mulher ao seu lado, e foi nesse momento que decidi que seria melhor afastá-los.

— Uau, muito másculos vocês dois — alfinetei com a voz baixa, cutucando ambas as cinturas. — Vamos logo, Big Joe. Te vejo mais tarde, Richard, senhor.

Meu pai gargalhou e arrumou as roupas caras, nos vendo subir as escadas do trem.

— Vou estar aqui às quatro. Bom aparecerem na hora, senão deserdo os dois.

Joseph jogou uma mão sobre a testa e fez drama:

— Viu que fofo? Estou até no testamento dele.

— Logo vai sair se não ficar quietinho — meu pai rebateu.

Quando finalmente entramos, sentamos os quatro no fundo. Gilbert ao meu lado, eu de frente para Joe.

Nosso vagão não estava tão cheio — deveriam haver três ou quatro pessoas além de nós —, o que me fez suspirar em alívio pela calma que o ambiente exalava.

Eu amava trens, amaria ainda mais se não fosse tão difícil para mim entrar em um, e amava como eles eram quentinhos e confortáveis; e o barulho do vapor, das árvores com seus galhos batendo contra as janelas e arranhando os vidros era música para os meus ouvidos.

Observei a paisagem. O cinza sem graça da manhã ficou a vista por quase cinco minutos antes que as janelas fossem consumidas pelo verde. Era início de verão, mas as árvores não estavam tão brilhantes quanto nos últimos meses. Ainda tão bonitas quanto me lembra. O esverdeado das plantas e o azul do céu, as nuvens grandes e branquinhas, me fizeram sentir saudades de pintar. E de tocar violino. Não tocava desde que ganhei um novo arco...

— Ela gosta de você. A Marilla — Gilbert disse para Anne. Ela ainda estava emburrada sem razão.

— É ridículo.

— Se serve de consolo, não me importo em ser seu acompanhante — continuou. Me mexi desconfortável no banco.

— Eu me importo. Eu posso me cuidar sozinha. Ao menos sabe qual é a minha missão? Estou em uma jornada pessoal muito significativa e não preciso de você.

Joe olhou para mim com os olhos arregalados e expressão impressionada. Não podia ler seus pensamentos, mas tive certeza de que ele se perguntava se Anne também estava incomodada com nossa presença.

— Sim. Já percebi isso — Gilbert concordou, uma última vez antes de se afundar no livro que carregava.

Eu o conhecia bem o bastante para saber que ele não estava realmente lendo — ele nunca lia com muitas pessoas em volta, com exceção de quando estávamos na escola, porque não conseguia se concentrar.

— Eita — Joseph disse quando o silêncio se tornou ensurdecedor. Segurei a vontade de rir quando vi seus olhos se arregalarem ainda mais. Ele era inacreditável.

— Cara, você não sabe mesmo quando ficar calado, não é? — Joe riu e me mandou ficar calada de brincadeira.

— Desculpa, eu não quis... — Anne começou, nos ignorando.

— Tudo bem.

respostas seguras
3

Deixamos Anne na porta da casa de Tia Jo antes de seguir nossos próprios caminhos. Ela tentou falar com Gilbert, que apenas a ignorou, antes de me abraçar e pedir desculpas pela explosão. Eu apenas sorri e me despedi com um beijo rápido em sua bochecha antes de alcançar Blythe.

Por ser nossa primeira vez caminhando "sozinhos" — já que Joseph era um idiota e havia feito questão de ficar passos à frente, longe o bastante para observar Cole abrir a porta sem que pudesse ser visto — depois de tanto tempo, eu não me sentia completamente confortável. Como se houvesse algum tipo de clima esquisito, grosso e quase visível, que por pouco não seria cortado com lâmina.

Que vidas paralelas eu poderia ter levado caso não tivesse aceitado ir embora com papai? Se tivesse pedido desculpas por algo que eu nem ao menos sabia o que era e insistido em ter uma segunda chance? Onde estaríamos, neste exato mesmo momento, se nada tivesse acabado? O que eu deveria fazer, queria dizer, com todas aquelas lembranças do inverno passado que me forcei a apagar da cabeça e que agora me tomavam com tanta força que mal cabia no peito e doía o coração?

Ele riu baixo, nervoso — quase como se tivesse escutando minhas lamúrias.

Brinquei com meus próprios dedos, querendo arrancar as peles das bochechas que estavam começando a ficar rubras e a queimar meu rosto. Então larguei as mãos ao lado do tecido do vestido que eu usava e as dele encostaram com a minha por um breve segundo. Travei.

Que droga — haviam tantas coisas que gostaria de dizer a ele e nenhuma palavra pronta para sair da minha boca.

— Então... — ele começou.

— Então... — eu repeti.

Uma verdadeira idiotice era o sentimento, a vontade de poder encostar meus lábios nos seus, que crescia e me consumia por inteiro.

— É engraçado que antigamente quase não existiam momentos de silêncio entre nós dois. Agora, eu mal sei o que dizer pra você — Gilbert disse, me fazendo rir e concordar. — Você é meio apavorante.

— Obrigada?

Ele sorri. E não pude deixar de pensar que foi assim que começou. Com um sorriso.

Ele era tão estranhamente-atraente que ainda me fazia perder o fôlego e a fala toda vez que estava no meu alcance. Sentia falta de seu jeito curioso e observador, sua forma de ter todas as perguntas na ponta da língua. O exato tipo de pessoa que poderia atrair qualquer um. Talvez fosse seu rosto despreocupado ou a beleza não convencional ou o jeito impassível com o qual lidava com as coisas. Talvez fossem suas bochechas coradas ou seus sorrisos ou seu rosto constelado por pintas-que-não-são-sardas que ainda me fazem querer tanto poder lhe amar de novo.

Um pesadelo, queria tanto beijá-lo.

— Não no mal sentido, eu juro — ele garantiu, jogando as mãos para o ar.

— E tem como ser apavorante no bom sentido? — questionei com o rosto franzido e caminhei um pouco mais devagar, quase parando, como se estivesse verdadeiramente ofendida.

Ele se apavorou.

— Não... quer dizer, sim... É só que você... Meu deus, eu não sei falar, perdão — e suas mãos foram direto para seu rosto. Ainda podia ver as sobrancelhas grossas e expressivas se abaixarem.

— Tudo bem, eu estava brincando — disse enquanto ria baixinho, apenas para deixar claro que estava falando a verdade. Ele ainda demorava a entender as coisas, fofo. — Então... — comecei outra vez, já que não sabia o que falar.

— Então... — ele repetiu e adorei isso. Sempre gostei de como Gilbert conhecia o joguinho de palavras. — O que você fez durante, você sabe, sua viagem? Como foi?

Não havia sido a primeira vez que me perguntavam sobre, mas foi a primeira vez que tive vontade de responder.

Desisti de caminhar devagar. Meus pés davam passos longos, tentando acompanhar o garoto — ele havia crescido tanto de lá pra cá que agora tinha que levantar o rosto para olhá-lo nos olhos.

— Foi incrível. Os melhores dias da minha vida — observei ele olhar para o lado e coçar a garganta. Tratei de me corrigir: — Na verdade, alguns dos melhores dias da minha vida; há outros que superam. Mas foi tão diferente... Você sabe, é difícil encontrar lugares que... que eu possa ficar... então foi uma experiência única.

Quando vi que ele havia entendido o que quis dizer, prossegui:

— Chris, o dono da pensão que ficamos durante esse tempo, é o senhor de idade mais gentil que já conheci. Ele é negro, assim como eu e papai, e nos mostrou lugares e ruas que poderíamos visitar sem medo algum. E fomos a todos. Conheci as melhores cafeterias da cidade, galerias de arte e assisti à orquestras no Florilège. — Minhas mãos balançavam frenéticas, tentando explicar a ele em sinais que nem faziam sentido. Tentando evitar pensar muito e planejar o que iria dizer, porque quis que ele se sentisse tão confortável quanto eu e que aquela situação parecesse com como as coisas eram antigamente. — Mas passei a maior parte do tempo com Oliver, numa biblioteca no centro. Tinha, tipo, a maior janela que eu já vi na vida, e a vista era surpreendente. A gente sentava perto do vidro, lia alguns livros, tomávamos chá ou café e víamos a construção da torre.

— Isso parece surreal — ele disse, animado por mim, com um sorriso no rosto. Sorri junto. — Mas quem é Oliver?

Paralisei. Não me parecia o tipo de coisa que deveríamos comentar um com o outro.

Eu me senti péssima por um instante,

então,

olhei para Gilbert, que me encarava de volta com aqueles olhos brilhantes de cores indefinidas, e decidi que se seriamos amigos e nada mais, não havia mal nenhum conversar sobre isso com ele — principalmente porque mal tive tempo de começar algo com Oli.

— Oliver foi meu vizinho de quarto e, não conte ao Joe, meu melhor amigo durante aquele tempo. Ele é italiano, e estava, ainda está, na verdade, fazendo intercâmbio na França. Deve ficar até o fim do ano. Ele foi a primeira pessoa a falar comigo naquele lugar. O primeiro a me olhar nos olhos e me cumprimentar. Nós saíamos juntos todos os dias, e quando não saíamos, ficávamos na cozinha, ou debaixo dos pessegueiros do jardim da pensão.

Deveria ser a décima vez que ele me encarava assim, quando levantou uma sobrancelha e sorriu rapidamente em minha direção. Pude sentir minhas bochechas corarem assim que vi; virei meu rosto, mordendo o canto do dedo indicador, para que ele não pudesse perceber que ainda me afetava.

— Você gostava dele?

Isso havia me pegado de surpresa. Por que ele gostaria de saber?

— Você quer a resposta verdadeira ou a segura?

Gilbert ponderou por um ou dois segundos.

— Resposta segura.

Ótimo, eu poderia me fazer de desentendida e dizer "claro que gosto, ele é meu amigo". Ou ser sincera e responder de forma prática.

Optei pela verdade.

— Não sei. Sinto que não tive tempo pra me apaixonar por outra pessoa — então me corrigi: — Não tive tempo pra me apaixonar por alguém.

Ele parou de andar por um segundo.

— E vocês se beijaram? Resposta verdadeira, por favor.

— Sim. No nosso último dia juntos. Eu acho que...

Não quis continuar. Deixei a frase acabar por ali mesmo, e voltei a me calar. E sei que, a princípio, não deveria ter falado nada.

Gilbert me olhou confuso, com aquelas íris ínfimas e os lábios rosados franzidos, e voltou a ficar sério. Não parecia preocupado, com raiva; ele só me encarou daquele mesmo jeito que sempre fazia quando não tinha as respostas que queria. E agora, eu estava perdida. Ele nunca foi um livro aberto, na verdade. E isso me deixava transtornada.

— Você gostou?

— Por que você se importa? — perguntei, e minha voz saiu mais afetada e raivosa do que eu gostaria.

— Porque eu... — seu tom de voz soou agudo como nas vezes em que ele me chamava pelo nome, surpreso. — Não. Tem razão, eu não tinha que te perguntar isso.

— Você é meu amigo, pode me perguntar o que quiser. Você só... Desculpa, você só me pegou de surpresa.

Continuamos a caminhar em silêncio.

Joseph estava alguns bons passos a frente, quase como se ele estivesse alheio a qualquer outra coisa. Quieto como nunca, ele dava algumas olhadas para trás, quiçá para garantir que ainda nos tinha em vista. Olhando por esse ângulo, ele parecia tão comum quanto deveria, tão bonito quanto qualquer outra pessoa. Alheio ao mundo, ele ignorou meus olhares de socorro.

— Posso te fazer uma pergunta? — questionei, apesar da redundância, quando não pude mais aguentar o silêncio.

— Qualquer uma — ele sorriu. Despreocupado.

— Por que você terminou comigo?

Silêncio. Novamente.

— Resposta verdadeira, que pode ou não te deixar sem dormir, ou a resposta segura? — ele repetiu o que eu havia perguntado minutos antes, não pude deixar de me sentir mole.

Pensei e talvez não estivesse pronta.

— Resposta segura.

Ele suspirou. Não havia nada mais sincero do que a expressão em seu rosto.

— Sabia que diria isso — ele riu, e balançou a cabeça. — Você é muito previsível, Amélia.

Gosto quando ele diz meu nome, pensei mas não falei nada a respeito. Nem devia.

— Não, você não sabia. E, por favor, menino Blythe, não mude de assunto — meu tom era brincalhão, mas a pergunta estava me corroendo por dentro. Eu precisava, desesperadamente, de uma resposta.

— Acho que não estávamos prontos, você sabe? Pessoa certa na hora errada. Mas gosto... — ele coçou a garganta — gostei tanto de você que mal cabia no peito. Acredite, nada do que eu disse e demonstrei e senti foi falso. Foi verdadeiro e ensurdecedor, todos os momentos foram e ainda são meus favoritos.

Então por que terminamos? Por que terminou comigo?, queria gritar.

Escutei calada e guardei isso por tempo demais. E não havia nada além do som de minha vulnerabilidade se fazendo presente. E quando finalmente entendi meus pensamentos, só consegui me preocupar em entender o que eu estava sentindo.

— Pessoa certa na hora errada... — repeti e não faz sentido. Então repeti outra vez, mentalmente, e quis desaparecer. — Posso ter a resposta verdadeira? Não me importo se vai me tirar o sono ou não. Só quero saber... Quero saber por que você disse que se sentiu traído. Por que as coisas não...

Não consegui terminar de falar.

— Você escolheu a resposta segura, Amélia — ele disse, rindo baixo.

Sorri para ele. Apesar de estar braba. Tão braba que poderia xingar.

Não demonstrei.

Apenas sorri. Porque estávamos voltando a ser amigos.

— Você é um idiota — soquei seu ombro de brincadeira, apesar de querer estapeá-lo pra valer.

— Eu sei — ele riu. Me pergunto se estava sendo tão sincero quanto eu. Então ele parou de andar e apontou para o consultório. — Eu fico aqui.

Quis falar mais, porém não haviam mais frases, parágrafos, orações, verbos. Ele havia me tirado todas as palavras, a droga do alfabeto inteiro. E o que me restava?

— Tudo bem, vou alcançar Joe. — Comecei a andar, sem me despedir apropriadamente porque naquele instante eu não sabia o que diabos era apropriado praquela situação. Vi que ele ainda estava no mesmo lugar, me encarando: — Foi bom falar com você novamente! Te vejo mais tarde.

só não vou dizer que voltei porque sempre sumo
#faleitoleve

esse tá bem grandinho porque eu tava inspirada 😰

*a parte de respostas seguras é uma referência a fanfic quick musical doodles and sex (que está no spirit. muito boa, recomendo)

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