Minha esposa e eu sempre quisemos ter filhos. Sete anos atrás descobrimos que ela estava grávida, infelizmente nem todas as histórias tem um final feliz, Bob morreu logo após seu nascimento, devido a complicações decorrentes da gravidez. Isso nos deixou completamente esmagados, mas com o passar do tempo decidimos tentar novamente, depois de inúmeras tentativas finalmente recebemos a notícia que Melissa estava grávida novamente, nós finalmente conseguimos, mas novamente nem tudo é da forma que queremos, houve complicações com a gravidez e Ana nasceu cega e surda, mas isso não mudaria nosso amor por ela, Ana era a nossa anjinha, fomos informados sobre dificuldades que surgiriam ao longo de sua vida, ela nunca poderia falar, tão pouco fazer as tarefas mais simples sozinha, ela precisaria de cuidados constantes e enquanto isso parecia ser um fardo para a maioria, para nós era apenas um pequeno preço a pagar para ter o filho que sempre sonhamos, Ana não era uma causa perdida, ela era nossa anjinha.
Às vezes era muito frustrante, mas nunca deixamos de amá-la. Eu tocava guitarra porque sabia que ela conseguia ouvir as vibrações do meu amplificador, ela sempre sorria quando eu tocava "Sweet Dreams", ela nunca conseguiria ver o quão feliz ela fez mamãe e eu, mas independentemente de sua deficiência eu sabia que ela conseguia sentir.
Durante a maior parte do tempo nosso dia era sempre o mesmo, eu iria para o trabalho enquanto Melissa cuidava de Ana ao longo do dia, Ana precisava de alguém ao seu lado em todos os momentos, chegamos a pensar na possibilidade de contratar uma babá, mas achamos que não seria apropriado devido a sua deficiência, felizmente pra mim o meu trabalho me pagava mais do que o suficiente para manter nós três.
Cheguei em casa depois de um longo turno de doze horas de trabalho, para encontrar Melissa e Ana adormecidas no sofá, eu sorri e dei um beijo em suas testas antes de cobri-las e ir para a cozinha, eu raramente tinha tempo para mim, então eu apenas coloquei um pedaço de pizza congelada no microondas, puxei uma cadeira e comecei a folhear um livro, quando eu estava prestes a virar a última página do capítulo eu senti um puxão firme em minha perna, era a Ana parada em minha frente olhando fixamente para o meu rosto.
- Papai?
meu coração disparou, ela nunca havia falado uma palavra antes, isso não era possível, eu estava de boca aberta achando que deveria estar ouvindo coisas.
- Estou com sede, pode me dar água?
Eu engoli o medo em minha garganta.
- Claro querida, eu só preciso de um minuto, volte para perto de sua mãe que eu já levo pra você.
Ela asentiu com a cabeça e voltou para a sala de estar e se enrolou no edredom ao lado de sua mãe, levantei e enchi um copo com água, eu esfreguei os olhos em total descrença e comecei a rir quase histericamente, tudo deveria ser apenas minha imaginação.
Quando eu dei a Ana o copo com água do jeito que eu sempre fazia, ela agarrou o copo e começou a beber como se soubesse como fazer, isso me deixou pasmo.
- Obrigada, papai.
Meu corpo inteiro estava entorpecido. Eu forcei um sorriso e vi quando Ana voltou a dormir, voltei para a cozinha me sentindo fisicamente doente, incapaz de entender o que tinha acabado de acontecer. Eu me sentei novamente na mesa da cozinha e comecei a ler, eu devo ter adormecido em algum momento pois acordei com uma maldita dor no pescoço.
A primeira coisa que eu pensei quando acordei foi em Ana, então eu fui verificá-la, Melissa estava sentada no sofá assistindo TV enquanto Ana dormia profundamente ao lado dela. Pensei em dizer a Melissa o que aconteceu, mas achei que tudo deveria ser apenas um sonho estranho, afinal eu acabei adormecendo na cadeira depois de tudo.
Os próximos dias foram normais sem outros incidentes estranhos para relatar, eu voltei do trabalho uma noite para ver a Ana sentada na mesa da cozinha, enquanto minha esposa fazia o jantar, Ana tinha o mesmo olhar vazio de sempre, então tudo parecia normal.
- Ah, oi querido. minha esposa disse.
- Você poderia me fazer um favor e ir ao quarto de Ana e pegar seu cobertor?
Eu acenei com a cabeça e subi as escadas, sobre a sua cama estava seu cobertor favorito, mas algo mais me chamou a atenção, era um pequeno pedaço de papel e um lápis vermelho, ela desenhou três figuras de palito, a figura menor tinha longos cabelos loiros, assim como ela, a figura feminina mais alta tinha cabelos loiros curtos, e uma figura masculina de cabelos castanhos, acima de cada figura estava escrito os nomes de quem eram, Eu, mamãe e papai, meus olhos estavam regalados, não havia nenhuma maneira que ela soubesse como desenhar, tão pouco soletrar ou escrever nomes, algo extremamente estranho estava acontecendo aqui, eu tirei uma foto do desenho com meu celular e o deixei no mesmo lugar antes de me virar e descer com o cobertor.
Melissa logo notou que algo estava errado comigo e eu disse que contaria tudo assim que Ana for dormir.
Depois do jantar Melissa e eu colocamos Ana na cama, para o meu espanto o desenho não estava mais lá, eu achei que ele havia caído ou se perdido no meio dos lençóis, pelo menos eu esperava que tivesse sido isso que aconteceu. Depois que Ana adormeceu ligamos o monitor de bebê e deixamos o seu quarto.
- Tudo bem, o que está acontecendo? Você tem agido estranho durante toda a noite.
Ela disse como a expressão de preocupação em seu rosto.
- Querida, eu não sei como explicar isso, então eu apenas vou deixar você ver, vamos para a cozinha.
Melissa e eu sentamos na mesa da cozinha, meu corpo inteiro estava entorpecido e minhas mãos tremendo. Eu peguei o meu celular, abri a foto que havia tirado e entreguei a ela.
- O que diabos é isso?
Ela disse com um tom irritado.
- Isso não tem graça, quem fez isso?
- Eu encontrei isso no quarto de Ana quando fui pegar seu cobertor, eu penso que... ela mesma desenhou isso.
Melissa me olhou enojada.
- Não seja estúpido, ela não poderia ter desenhado isso, ela nem mesmo sabe como escrever, se isso for uma brincadeira sua saiba que não tem graça.
- Meu amor, eu nunca iria brincar com algo assim, há mais uma coisa que você precisa saber, na outra noite, quando eu cheguei do trabalho, você e Ana estavam dormindo no sofá, eu estava na cozinha lendo quando ela puxou minha perna e ela falou comigo, ela disse "papai" e manteve uma conversa comigo.
Melissa me olhou balançando a cabeça como se eu estivesse a enchendo de besteiras, depois de alguns minutos ela olhou no fundo dos meus olhos e eu percebi que ela não estava brincando, ela começou a hiperventilar, eu sabia que tudo isso parecia insano, ela chorou no meu peito pelo que pareciam horas, e tudo que eu podia fazer era escovar seus cabelos com as mãos e cantar suavemente sua canção favorita.
Nós achamos melhor discutir isso pela manhã, já que ambos estavam exaustos, olhamos o quarto de Ana uma última vez, ela estava dormindo tão serena, por uma fração de segundos tudo que aconteceu parecia não importar, Melissa e eu fomos para a cama, ficamos com os ouvidos no monitor de bebê, só para ouvir se algo acontecesse enquanto Ana dormia, ás vezes ela acordava e ficava inquieta e um de nós iria acalmá-la.
Acordei com um suor frio por volta das quatro horas da manhã, estava meio grogue, mas eu consegui ouvir um zumbido suave vindo do monitor de bebê, tudo parecia calmo no início até que eu ouvi a voz de Ana, acordei Melissa imediatamente e disse para ela ficar em silêncio e ouvir, depois alguns segundos Ana disse:
- Mamãe e papai não sabem, eles nunca podem saber.
ouvimos com horror, enquanto Ana falava fluentemente e ao ouvir sua voz Melissa agarrou sua boca e começou a chorar, quanto mais ouvíamos, mais percebemos que ela estava falando com alguém, ela não estava falando para si mesma.
O que ouvimos a seguir nos deixou completamente aterrorizados, era uma voz rouca, uma voz que eu nunca tinha ouvido antes.
- Eles estão ouvindo.
um barulho ensurdecedor junto com estática saiu do monitor, nós corremos para o quarto de Ana, mas não havia ninguém lá, Ana estava acorda olhando fixamente para a parede em sua frente, aproximei-me lentamente, um pouco assustado com o que tinha acabado de ouvir, quando toquei no ombro dela ela se virou e olhou diretamente para mim, ela sorriu e disse:
- Eu te amo papai, senti sua falta.
Melissa começou a chorar, enquanto eu forcei um sorriso e respondi:
- Eu... eu também te amo querida.
ela sorriu novamente.
- Eu estou cansada, papai, Boa noite, boa noite mamãe.
Melissa ficou sufocada e sussurrou.
- Boa noite meu anjinho.
Então adormeceu quase que instantaneamente, não conseguimos deixá-la sozinha novamente, e não tínhamos de onde tinha vindo a outra voz, cuidadosamente procuramos em seu quarto para ver se havia alguém escondido lá, mas sem sucesso, como se falar fluentemente já não fosse estranho o suficiente, talvez ela mesma fizesse a voz estranha, isso estava realmente acontecendo?
Melissa e eu ficamos em seu quarto e acabamos adormecendo no chão, quando acordei Ana ainda estava dormindo, mas ao seu lado estava um pedaço de papel amassado, eu olhei para ele e fiquei completamente aterrorizado com o que eu vi. Era outro desenho, havia duas figuras, um homem e uma mulher, o homem tinha cabelos muito escuros e não tinha rosto, enquanto a mulher tinha longos cabelos loiros e um sorriso largo, eles estavam de mãos dadas, acima da mulher estava escrito "Eu" e acima do homem era um nome que fez meu corpo inteiro congelar, estava escrito "Bob"...