quarta-feira...quinta-feira...
jogada nas minhas mais doidas loucuras projetadas pelos meus neurônios mágicos, 3:46PM
"TRRRRRRRIIIIMMMM"
- Sai sai, deixa que eu atendo - saltei do sofá rumo ao telefone sem fio preto acomodado num criado-mudo de canto na sala.
- Jullie falando - saudei - aham... Tudo bem, pode ser hoje? Ta, não não, perfeito. Obrigado você, até.
Desliguei e voltei o telefone a sua base.
- Larissaaaa!
- Tu não sabe não gritar? - Larissa retruca.
- Me leva?
- Clínica? Agora?
- É né!! - rolo os olhos - a moça não pareceu muito feliz não.
- Jullie - tocou meus ombros - recepcionistas não são felizes, elas tão lá só porque precisam estar!
Arqueou sua sobrancelha, de um jeito superior.
Suspirei e caminhei pelo corredor de casa
- Vou só pegar meu casaco. - com o casaco quis dizer me olhar no espelho, pegar meu celular e olhar ele vazio, com zero notificações novas.... Af.
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- Boa tarde, Martinez... O doutor já irá chamá-la.
Agradeci e me sentei. Larissa havia só me deixado ali, e acelerou seu Dodge Caravan 2000 2.2 V6, (ou para os mais íntimos o vermelhinho) para buscar Lucy. É claro, Larissa mal cuida dela, quem dirá ser responsável por mim numa consulta.
Há coisas que não mudam, como essa ansiedade maluca de aguardar o chamado do médico, mas sem que eu esteja sozinha. Lucy, chega logo.
Já se passaram longos 28 minutos e nada de Lucy e nada do doutor. Meus pés por alguma fissura não param de batucar o chão e eu não aguento mais assistir ao noticiário do consultório.
- Cheguei querida - Lucy me dá um selo em minha testa - demorei?
- Não - sorri amigável e aliviada - Cadê a Larissa?
- Foi no mercado. - Lucy cruza suas pernas e observa o local - Já te chamaram?
- Não... disseram pra esperar somente.
Mais alguns minutos ali e enfim o doutor abre a porta do consultório e com a ficha em mãos, abaixa levemente os óculos para ler de perto...
- Jullie!
Me levanto, ajeitando minhas roupas e sigo junto a Lucy até sua sala.
Entro e me sento novamente, o doutor passa para o outro lado da mesa e se senta. Ajeita seu jaleco e seus óculos e pigarreia lendo os papéis em suas mãos.
- Bem Jullie, foram meses corridos não?
Sorri levemente e eu também assentindo em concordância.
- Você deve estar doida pra voltar com sua vida na universidade, não é?
SIM CACETE!! Óbvio que não respondi assim né, só balancei minha cabeça novamente. Quanta enrolação...
- E você... - olha em direção a Lucy, que estava observando o doutor assim como eu.
- Sou tutora dela. - Sorri sem jeito - boas notícias, doutor?
Mais uma vez, o doutor mexe em seus papéis, os troca de ordem e balbuceia um simples "uhum...".
Continua a ler a folha infinita e logo me olha novamente.
- Está perfeito! Você está indo muito bem, Jullie! - Sorri sincero.
- Então...
- Então que você está liberada para aula, para a vida!
Nossa, eu posso pular e gritar? Não não, se contenha.
- Obrigada doutor!!! - abro um enorme sorriso para demonstrar minha satisfação com as boas novas.
- Uma coisa Jullie... Nos veremos uma vez por ano, tudo bem? Não quero perder o contato!
Dessa vez, o senhor sorri, e desvia teu olhar a Lucy. Perai, ele ta tentando flertar com a Lucy? Eu não acredito, é melhor eu segurar esse sorriso que quer sair.
Lucy concorda e olha para mim
- Voltaremos em um ano, doutor. Mais algo?
É, ela ficou nitidamente desconfortável.
- Não deixe de usar as medicações, garota. Isso vai te manter bem e estável!
- Obrigado, doutor! - Me levanto e assim como eu, Lucy também.
Ao sair do consultório, fomos caminhando pela calçada em direção ao mercado próximo que havia ali, o qual, Larissa estivera fazendo compras.
- Aquilo foi um flerte? - a cutuco provocando divertida.
- Esse doutor... olha, eu só venho porque é com você, muito sem noção - fala indignada, esboçando insatisfação - da fruta que ele gosta eu chupo até o caroço.
Eu ri, Lucy e essas expressões explícitas.
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~ dia seguinte ~
Sexta-feira! Ahhh, que belo está esse dia, e sabe pra quem está mais belo? Para mim, afinal voltarei a dinâmica da minha vida, eu nasci pro drama de ser maluca numa universidade, tenho certeza!
Abro a janela, e me sento na escrivaninha do quarto para verificar caderno, estojo e afins...
"Toc Toc"
- Entra! - exclamo.
Lucy entra com um sorriso curto
- Tem visita, mocinha. - fecha a porta.
Visita? Mas que horas de visita em.... Já estava trocada adequadamente para meu retorno triunfal.
Fui caminhando pelo corredor da casa e ouvindo os murmúrios vindo da cozinha. Deus queira que eu esteja errada...
- Oi - quando apareci pela porta da cozinha, soou um cumprimento tímido e sem jeito do outro lado da mesa.
Eu to acordada mesmo? Não consegui responder porque talvez eu não saberia como responder a essa "oi" em específico.
Me sentei na mesa, junto de um pão e uma faca para eu rechear meu café com patê.
Lucy deixa a cozinha tocando em meus ombros e os palpando levemente. Eu entendi o recado...
Tinhamos que ficar a sós. Mas foi os 30 segundos mais agoniantes de minha vida. Sem assunto ou sem disposição para discutir?
- É sério que não vai me responder? - A voz ecoou um pouco mais alta do outro lado da mesa.
- É sério que está aqui? Acho que... não temos nada pra falar mais.
- Temos sim! Você sabe que temos...
- Porque? O que você veio fazer aqui?
- Bem... eu soube que seria seu primeiro dia de volta, eu queria ir com você, somos amigas... éramos, não sei... - abaixa sua cabeça meio confusa.
- Acho que não somos não. Agradeço por ter vindo, mas ainda me lembro o caminho de lá.
- Não precisa ser assim, Jullie. Você sabe que tenho sentimentos fortes por você...
- Não ouse... - dou um gole em meu suco - é melhor você ir.
- Fugir de mim vai adiantar alguma coisa? Vamos nos ver todos os dias. Precisamos conversar.
- Precisamos? Olha, eu prefiro evitar essa conversa, pelo menos por enquanto. Não sei o que você define quando fala sobre sentimentos, mas o que me mostrou é muito diferente disso.
Dou a última golada, deixo o copo na mesa e dou as costas.
- Jullie... por favor - me segura levemente pelo braço.
Me viro, olho em seus olhos que já estavam marejados. Não dá.
- Por favor, Aisha. Não.
Me solto e vou saindo do cômodo, pego minha mochila e saio de casa sem me despedir das meninas. Desço as escadas correndo, meio sem rumo. É um bom começo, turbulento como tudo na minha vida. Porque seria diferente agora?