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Ergueu os olhos, semicerrando-os para enxergar melhor. A pessoa que os vigiava estava no escuro e havia voltado a ficar em silencio.
— Quem está aí? – Minho gritou.
Em meio aos destroços remanescentes do terceiro andar, com traços jovens e olhos ligeiramente amendoados, um rosto masculino surgiu na escuridão, abrindo um sorriso para eles. Então, sem aviso prévio, ele pulou. Saltou pela fenda existente em meio aos pavimentos e caiu na frente deles. No último segundo, agachou-se em forma de bola humana e rolou três vezes, com um salto, pôs-se de pé em frente a Scarllet, os braços erguidos nas laterais do corpo, como se esperasse por aplausos. Desistiu e os cruzou, começando a falar.
— Meu nome é Jorge. Sou o Crank que toma conta desse lugar.
Ninguém respondeu. Aquela cena dele caindo, rolando e levantando-se com um salto pareceu impossível e por alguns segundos Scarllet se imaginou fazendo o mesmo, no fim, parecia ter sido muito divertido. Balançou a cabeça, ignorando os pensamentos de fazer uma acrobacia e voltando a olhar o homem. Ele não parecia um Crank, por mais que fosse pura loucura pular do terceiro andar como ele havia feito, mesmo que tivesse sido um movimento muito legal.
— Por acaso esqueceram de como se fala? Ou estão com medo dos Cranks? A propósito, estava mesmo com fome. Seria ótimo comer um olho de sobremesa. Huum, que gostoso.
— Então admite que é um Crank? Admite que é um doido alucinado?
Minho assumiu uma postura de líder, ignorando o máximo a dor que sentia. Foi como se ele quisesse atrair a atenção do Crank para ele, e parece ter funcionado, tempo o suficiente para Newt se pôr na frente de Scarllet, tampando a garota.
— Ele acabou de dizer que comeria um olho. – Indagou Caçarola, com a voz tremula. – É o suficiente para se qualificar como louco.
O homem deu uma risada, em um tom ameaçador.
— Venham, venham, meus novos amigos. Só comeria os olhos de vocês se já estivessem mortos. Eu poderia dar uma ajudinha nisso se precisasse. Entendem? – Os olhos deles pareceram procurar por Scar e mais uma vez, Newt fez o possível para tampa-la.
— Em quantos vocês são?
— Somos todos Cranks por aqui, hermano.
— Não foi isso que eu quis dizer, e você sabe muito bem.
Jorge se afastou, andando pelo salão. Ele observava cada Clareano atentamente e todos eles tinham o medo escancarado em seus rostos. Scarllet olhou para cima novamente, tentando encontrar mais alguém por meio daquelas fendas, mas não viu nada.
— Olha, eu contaria tudo pra vocês. Sobre os Cranks, o CRUEL, o governo. Sobre os níveis do fulgor e tudo mais. Tudo que vou dizer é que é tarde demais para vocês, a doença vai pega-los, se já não pegou.
Ele se aproximou de Newt, olhando para Scarllet por cima do ombro. Minho e Thomas chegaram perto, os três pareciam extremamente preocupados com o que o Crank faria com a garota. Jorge deu um sorriso e continuou a falar.
— Entendi... entendi, entendi.
— Entendeu o que? – Perguntou Thomas.
— Enfim, não é assim que vai funcionar, sabe? – Ele o ignorou por completo. – Os que estão em desvantagens são os que falam primeiro. Quero saber tudo sobre vocês. De onde vieram, por que estão aqui, e é claro, o propósito de vocês. Desembuchem.
Minho soltou uma risada baixa e ameaçadora. Scarllet fechou os olhos, levando a mão ao rosto, sabendo o que iria acontecer.
— Nós é que estamos em desvantagem? A menos que a tempestade tenha fritado o meu cérebro, diria que somos onze, e você, apenas um. Acho que é você que precisa começar a desembuchar.
Scarllet sentiu vontade de esmurrar Minho por sua arrogância. Era óbvio que Jorge não estava sozinho, deveriam ter dezenas dele nos outros andares. Antes que pudesse entrar na conversa e salvar a pele do amigo, o Crank voltou a falar.
— Você não acabou de soltar essas palavras, não é? Por favor, diga-me que não acabou de dirigir-se a mim como se eu fosse um cachorro! Tem dez segundos para se desculpar.
Minho trocou um olhar com Thomas. Scarllet segurou sua mão, o puxando para perto.
— Um. Dois. Três. Quatro.
Ela apertou sua mão, lhe lançando um olhar de advertência. Minho balançou a cabeça em negação. De vez em quando, a teimosia dele conseguia a deixar muito irritada.
— Cinco. Seis.
— Peça. – Thomas sussurrou.
— Sete. Oito.
No andar de cima, sombras e movimentos rápidos chamaram a atenção. Minho pareceu ter percebido.
— Nove.
— Desculpe.
— Não acho que tenha sido sincero. – Retrucou Jorge. Em seguida, deu um chute na perna de Minho.
Scarllet serrou os punhos quando ouviu o grito de dor de Minho. O Crank acertara exatamente no machucado em sua perna. Ele recolheu a perna e chutou novamente, no mesmo lugar. Ele deu outro grito e Scarllet ameaçou partir para cima de Jorge. Antes que pudesse fazer algo, Newt a segurou.
— Diga com sinceridade, hermano.
— Me... desculpe.
Jorge sorriu e relaxou, satisfeito. Assim que Minho o viu desatento, arremessou um dos braços a frente, acertando com força o queixo do Crank. Ele tombou, espatifando-se no chão com um granido misturado de dor e surpresa. Minho lançou-se sobre ele, desferindo socos no homem caído e o xingando de todas as maneiras possíveis, coisa que Scarllet só o ouvira dizer uma única vez, no Banimento de Charllie.
— Minho! – Thomas gritou – Pare!
Scarllet correu até o garoto, dando um puxão em sua blusa e o fazendo cair para trás, finalmente soltando Jorge.
— Já chega! – Ela gritou, se colocando a frente dele, na visão de seus olhos. – Tem mais deles, Minho. Vai acabar nos matando desse jeito! Você precisa se controlar!
O Crank se levantou, limpando lentamente o fio de sangue que escorria na boca. A expressão em seu rosto era medonha, Scarllet ajudou Minho a se levantar, o empurrando para trás e enrijecendo o corpo em sua frente. Não era preciso ser um gênio para adivinhar o que Jorge faria. Thomas se colocou ao seu lado, serrando os punhos e se preparando para um ataque. De repente, outros Cranks desceram, a primeira dekes uma garota que se pôs a postos logo atrás de Jorge, encarandi Scarllet com um olhar frio e irritado. Outros pularam como Jorge ou escorregaram por cordas, pousando no chão. Todos eles, sem exceção, seguravam armas afiadas nas mãos. Eles se amonturaram atrás do líder, ao todo eram quinze, entre homens, mulheres e alguns adolescentes. Todos sujos e com roupas esfarrapadas. Antes que a situação piorasse, Scarllet teve uma ideia.
— Espera, espera. Olha, será que podemos conversar como pessoas civilizadas?
— Perderam a oportunidade de conversar. Vamos ensinar uma lição a esse seu amigo e depois mataremos todos vocês.
Ele deu um passo a frente e Scarllet fez o mesmo, ficando cara a cara com Jorge. Ele franziu as sobrancelhas, a olhando de cima a baixo. Ela sussurrou.
— Tenho certeza que vai desistir dessa ideia depois que ouvir o que tenho pra contar. Não somos trolhos qualquer.
— O que é um trolho? – Ela balançou a cabeça, segurando para não dar uma risada.
— Dez minutos. Eu e você. Só preciso disso.
Ele pensou por alguns segundos.
— Dez minutos.
— Ela não vai ficar sozinha com você. – Indagou Minho, recebendo um olhar de advertência de Scarllet.
— Eu vou com ela. – Thomas se ofereceu. – Não vamos fazer nada. Pode levar as armas que precisar.
Jorge deu de ombros, enjoado com o desânimo da conversa. Assentiu, em seguida virou-se e saiu andando, entrando em um corredor escuro até uma sala sem iluminação. Ele puxou uma grande lona presa na parede, revelando uma janela intacta. A luz do Sol adentrou na sala, a iluminando. As únicas mobílias nela eram uma mesa e duas cadeiras, uma de cada lado.
— Sente-se. – Ele disse para Scarllet. Ela não hesitou. Puxou Thomas pelo resto do caminho, o deixando de pé perto da parede, atrás da cadeira onde ela se sentou. – Estou avisando, se tentarem alguma coisa só preciso dar um sinal para o meu pessoal acabar com os amigos de vocês.
— Pare de dar uma de durão, não somos idiotas.
— Thomas, cale a boca. Só deixei você vir pro Minho não arranjar mais confusão. Não atrapalhe a conversa, entendeu? Não diga absolutamente nada.
Ela lançou um olhar para ele, impedindo que Jorge conseguisse ver seu rosto. Deu um sorriso reconfortante e Thomas pareceu ter entendido o recado. Ele assentiu, se afastando. Jorge riu e se sentou na cadeira vazia. Inclinou-se, colocando os cotovelos sobre a mesa e entrelaçando as mãos uma na outra.
— Fale.
— Não vou prolongar muito a conversa, a não ser que queira ouvir os detalhes, mesmo que não sejam muito bons. Você falou sobre o CRUEL lá atrás, acredito que saiba o que eles fazem. No inicio éramos cinquenta garotos e eu, além da outra garota que chegou depois, não importa. Ah cara, sério, não estou a fim de contar toda a história, então vou resumi-la o máximo possível e se quiser, tire as dúvidas depois. – Jorge se remexeu na cadeira, intrigado, mas com o rosto inexpressivo. – O CRUEL nos colocou em um Labirinto, nós chamávamos de Clareira. Fugimos de lá, sobraram apenas vinte, depois os vinte se transformaram em dezoito, e agora somos só onze.
— E o que fazem aqui no Deserto?
— Temos que chegar no Refúgio Seguro, depois das montanhas. Disseram que se isso acontecer, vão nos dar a cura para o Fulgor. Se nos ajudar a chegar lá, você, e talvez seus amigos, consigam obtê-la também.
A proposta parecia ter chamado a atenção do Crank. Ele se levantou, cruzando os braços. Os minutos se passaram e ele não disse nada, andava de um lado para o outro, pensativo. Ele parou, virando para a garota.
— Qual o seu nome?
— Scarllet. – Por algum motivo, Scarllet sentiu a sensação que ele escondia algo dela, mas preferiu não insistir no assunto.
— Certo, Scarllet. Vou te chamar de Scar. Você tem alguma ideia do que o Fulgor faz com as pessoas?
— Não. Não completamente.
— O Fulgor ataca em etapas, muchacha. Todos nessa cidade têm a doença, é por isso que nos mandam pra cá. Eu ainda estou na primeira etapa, contrai a doença apenas a algumas semanas. Lutei para conquistar esse prédio com um punhado de calouros. Dê uma caminhada pela cidade e conhecerá as outras etapas, verá o que é passar da Insanidade.
— Talvez eu não precise descobrir, muito menos você. Tudo que precisa e nos levar para o Refúgio Seguro e assim você terá alguma chance de sobreviver ao Fulgor.
Ele ficou em silencio por alguns segundos.
— Acho que temos um acordo, hermana. Por muitas razões.
Esticou a mão, como se esperasse que ela apertasse. Foi o que fez, dando um leve sorriso. Olhou para Thomas, estava nitidamente aliviado.
— Só tenho uma condição. – Ela virou-se para ele, erguendo as sobrancelhas. Tinha o pressentimento de que algo ruim estava por vir. – O diabo do garoto que me atirou no chão? Minho, não é?
— Sim.
Seu coração apertou, batendo forte. Em nenhum momento demonstrou a angustia e o nervosismo, queria que o Crank a sua frente tivesse certeza absoluta de que em nenhum momento ela sentiu medo dele.
— Ele tem que morrer.
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