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O segundo dia no Deserto fora exatamente como o primeiro. Retomaram a caminhada durante a madrugada, aproveitando o sumiço do Sol para avançar o máximo possível. Não estavam mais tão longe da cidade, e por mais que Minho estivesse certo sobre a distância, por causa do calor ela parecia estar três vezes mais longe e tudo ficava muito mais demorado. Na Clareira, Scarllet corria esses cinquenta quilômetros todos os dias quando entrava no Labirinto, mas em uma situação como essa era impossível fazer o mesmo esforço sem que a água acabasse ou morressem de cansaço, quem sabe de insolação. Mesmo se fosse possível, o resto dos garotos não conseguiriam seguir o mesmo ritmo.
Cansaço.
Calor.
Sede.
Fome.
Era só isso que pensava desde que a última gota de água que tinha fora bebida por Wiston. Wiston, ele estava péssimo, pelo menos quando se tratava do seu rosto. Felizmente, ele conseguia andar sem a ajuda de Jack, mas mesmo assim ele ficava sempre por perto do garoto, o vigiando.
A cidade estava cada vez mais próxima. Do lugar onde estavam conseguiam enxergar algumas partes dela, como os prédios, cada vez maiores, espalhados por toda a cidade. Janelas quebradas e construções destruídas. Scarllet não sabia se aquela destruição tivesse sido culpa dos clarões solares, do fulgor ou qualquer outra coisa que pudesse ter acontecido antes de retirarem suas memórias. Ela estava tão ocupada pensando no que pudera ter acontecido que não ouvira a conversa de Minho e Newt ao seu lado, que provavelmente decidiram algo sem ela, já que a garota não respondia.
— Intervalo para o penico. – anunciou Minho e um murmúrio de agradecimento iniciou. – Enterrem os plong longe daqui, vamos andar mais um pouco e dormir o suficiente para retornarmos a caminhada durante a noite, longe desse Sol.
Scarllet sentou-se na areia, agradecendo pelos lençóis e a calça impedirem a sua bunda de ser queimada. Não teve vontade de ir ao banheiro e mesmo se estivesse se recusava a ir na frente de todos os meninos, seguraria tempo o suficiente até chegar na cidade. Pensou sobre o momento com Minho na noite de ontem, desde então nenhuma das palavras que trocaram foram relacionadas a esse assunto. Era como se nunca tivesse acontecido, mas toda vez que seus olhos se encontravam eles tinham certeza de que pensavam as mesmas coisas. Queriam falar sobre, mas não tiveram tempo pra isso.
Caminharam por mais quinze minutos como Minho combinara com o resto do grupo. Ninguém disse nada, estavam totalmente exaustos. Scarllet esticou o lençol que a cobria no chão e se enrolou nele, tampando o rosto por completo para fazer um casulo. Dormiu cerca de duas horas até que o calor ficasse tão insuportável que não conseguiu aguentar por muito mais tempo. Levantou-se e se espreguiçou, os meninos também já estavam acordados, se preparando para voltar a infinita caminhada. O Sol já estava se pondo e a Lua trazia junto dela nuvens cinzas e escuras, indicando uma chuva.
- Pelo visto também precisa chover no deserto de vez em quando. - Minho comentou, dando um sorriso alegre.
- Pelo menos não vamos mais morrer de sede. - Murmurou Newt, colocando as mãos na cintura.
Aos poucos as nuvens cinzas tomavam conta do céu. O Sol acabara de ser consumido por elas, desaparecendo por completo e tornando tudo escuro, dando lugar a noite silenciosa e fria do Deserto. Eles voltaram a andar, com passos ainda mais lentos do que antes. Não estavam mais tão longe da cidade, no ritmo que seguiam, chegariam em menos de uma hora. A mão de Scarllet estava melhor do que quando chegaram ao Deserto. O curativo feito por Newt ajudou muito, impedindo uma possível infecção e por conta da areia suja. Não aconteceu o mesmo com Wiston, era impossível conseguirem fazer um curativo em todos os seus machucados. Ele passava grande parte do tempo com a cabeça coberta pelos lençóis, impedindo que os ferimentos ficassem a vista e piorassem mais.
De qualquer forma, agora a garota conseguia carregar pelo menos a própria sacola de comida, ainda assim, Minho insistia em leva-la todas as vezes que acreditava que a mão dela estivesse doendo novamente. Andaram por mais alguns minutos até que Scarllet sentiu a barriga roncar. Olhou para os garotos, todos tinham uma cara de cansados, mais destruídos do que nunca.
- Tudo bem, descanso para o lanche.
Os últimos garotos da fila se jogaram no chão ao ouvir a palavra mágica "descanso". Scarllet era a que mais tinha comida sobrando, a maioria deles acabaram com as suas na última parada de ontem. Ela pegou um saquinho de amendoim feito por Caçarola e distribuiu todo o resto dos alimentos que tinha entre os garotos, entregando a última maçã para Newt e sentando-se ao seu lado.
- O que aconteceu ontem a noite? - Ele deu uma mordida na fruta.
- Hã?
- Entre você e Minho. - Disse com a boca cheia. - Vocês estão estranhos.
- Só estamos cansados.
- Corta essa. Vai mesmo ficar mentindo pra mim?
- Nós nos beijamos.
Newt se engasgou, tossindo algumas vezes e sendo ajudado por Scarllet. A frase saiu tão natural que mal parecia ser algo realmente importante, mas era. A questão é que agora Scarllet não tinha cabeça para pensar no assunto, estava preocupada com os meninos. Um sorriso se formou no rosto de Newt.
- Está brincando. Não acredito que escondeu isso de mim o dia todo.
- Não escondi nada. Tinha outras coisas com que nos preocupar.
- O que é mais importante que isso? - Ele perguntou, incrédulo.
- A comida acabou. A água acabou. Precisamos de suprimentos ou esses garotos vão morrer em menos de três dias, olha só pra eles.
- Eles sobrevivem. Me diga, como foi?
- Como foi o que?
- O que seria? - Ele ergueu as sobrancelhas - Da primeira vez que se beijaram foi Minho que veio me contar e quando eu perguntei a você ficou mudando de assunto. Já é a segunda vez que acontece, fale logo como você se sente.
- Na verdade, é a terceira vez.
- O que!?
- Por que está gritando?
Thomas deu um susto nos dois. Ele se sentou ao lado de livre de Scar, rindo dos seus amigos. Minho veio logo atrás dele, ficando de pé e cruzando os braços. Scarllet percebeu o olhar perverso de Newt para ele, intercalando para Thomas como se quisesse dizer algo a ele. Ela lhe deu um cotovelada, o fazendo fechar a cara e ficar em silencio, comendo a maçã.
- Por que ficaram quietos de repente?
- Estamos pensando, Thomas.
Ela mentiu e Thomas pareceu um pouco magoado por ela não o chamar por seu apelido. Ele estava sentindo uma certa amargura na forma em que a amiga andava a tratando.
- Sobre a comida? - Ela assentiu a pergunta de Minho. - Podemos procurar por algo quando chegarmos na cidade e aproveitar a chuva para encher as garrafas.
Eles concordaram e um silencio constrangedor tomou conta da conversa. Por algum motivo, Scarllet decidiu que aquele fosse um bom momento para fazer a pergunta que pensava desde que acordou do coma.
- Como Alby morreu?
Os olhares surpresos foram direcionados a ela, ninguém esperava por isso.
- Lembra de quando você disse que a Clareira ficava embaixo da terra? - Scarllet assentiu a pergunta do loiro. - Tinha razão. Quando você estava em coma o Sol e o céu sumiram, tudo ficou cinza, literalmente. Naquela noite, os portões não fecharam e os Verdugos começaram a chegar. Alby e Zart morreram nessa noite. Nós achamos que tivesse acontecido o mesmo com Gally quando ele se jogou no Verdugo para te salvar, mas...
- O Gally fez o que?
- Nós estávamos escondidos na enfermaria. Um Verdugo quebrou o teto e tentou levar o Chuck, mas conseguimos impedir. Quando ele voltou, tentou pegar você, mas Gally pulou na frente dele pra te salvar. Achamos que ele tivesse morrido, foi o que falamos pra você. Só que ai ele apareceu vivo e... você sabe o resto da história.
Ela fixou o olhar na areia, a cutucando com a ponta dos dedos.
- Algum de vocês estava com Alby quando ele morreu?
Eles não responderam, mas ela entendeu o que significava.
- Alby morreu sozinho. - Ela sussurrou. - Ele odiava ficar sozinho.
Antes que começasse a chorar, ela se levantou com um pulo.
- Vamos embora, agora.
Ela foi na frente, deixando os meninos para trás.
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