𝗔𝗩𝗘𝗥𝗬.
O sábado pós aniversário de Sarah Cameron é digno de uma cena de comédia que passaria na Nickelodeon. Sarah, Kiara e eu estávamos todas sentadas numa mesa na cafeteria do campus, cada uma com seus cafés da manhã e com roupas frescas pelo calor que amanheceu o dia de hoje. Sarah e eu usávamos óculos escuros para tapar as olheiras e Kiara parecia que havia saído direto de uma maratona sobre quem conseguia passar mais tempo sem dormir. Quer dizer, ela dormiu apenas três horas. Suas pálpebras ameaçavam fechar a todo momento, mas eu também estava cansada demais pra fazer qualquer piadinha sobre isso.
⏤ Nunca mais eu bebo na minha vida. ⏤ Sarah diz com a voz rouca.
⏤ Se eu anotasse todas as vezes que você falou isso, gastaria todas as árvores do mundo pra fabricar folha. ⏤ Kie dá um gole no seu café, recebendo uma revirada de olhos vinda de Sarah.
⏤ Cara, mas eu extrapolei ontem. Não me lembro de uma vez que bebi tanto.
A loira parecia estar verdadeiramente arrependida das ações que se lembrava da noite anterior.
⏤ Mas foi bom pra caralho, não foi? ⏤ Kiara levantou seus olhos pra Sarah.
Nós três trocamos olhares e começamos a rir. Porra, foi bom pra cacete. Dançamos, bebemos e curtimos como nunca. Apesar das consequências físicas no dia seguinte, esse era o ponto que menos estávamos nos importando. O dia da minha melhor amiga foi incrível não só pra ela, como pra todas nós. Lembro-me que assim que acordei, meu celular estava bombando de notificações com marcações em fotos e mensagens, onde as pessoas me diziam que nós havíamos arrasado dessa vez. Obviamente eu não discordei. Fizemos mesmo um bom trabalho na decoração e em todo o resto.
Realmente, a noite toda foi surreal de boa. Ainda estou com o corpo doendo pela pressão que Rafe fez o favor de colocar em mim ontem. Quando cheguei, meu cabelo estava embolado igual um ninho de passarinho. Ah, esqueci do detalhe que tive de acordar mais cedo, para fazer uma maquiagem que disfarçasse as marcas de chupões que o filho da puta havia me deixado. As vezes desconfio que Rafe guarde algum tipo de fetiche envolvendo espancamento e dor. Tava pra nascer um homem que gostasse tanto de arranhões e um sexo selvagem.
Não posso mentir. Adorava isso tanto quanto ele.
⏤ Então, já sabem o que vão fazer no resto do fim de semana? ⏤ Sarah deu uma mordida na maçã que estava na sua bandeja.
⏤ Allison está atolada de trabalho. Não iremos nos ver hoje nem domingo. ⏤ minha melhor amiga cacheada parece triste. ⏤ Mas, acho que vou assistir ao jogo dos caras do futebol americano. Cleo me mandou mensagem.
⏤ E não chamou a gente? Que vaca! ⏤ rio com a revolta na voz da Cameron.
⏤ A gente anda com o pessoal do hóquei, ué. Pra ela, devemos ter um plano de assassinato para cada jogador de futebol do país.
⏤ E podemos ter ⏤ falo pela primeira vez. ⏤ Quem a garante que não?
⏤ Bom ponto ⏤ Sarah apontou pra mim. ⏤ Acho que eu também não nos chamaria.
⏤ Exatamente. Sem contar que sou mais legal que vocês. ⏤ Kie balançou seus ombros.
Sarah e eu nos encaramos com expressões ofendidas. Sob o semblante superior que Kiara faz, erguemos os dedos do meio para nossa melhor amiga.
Depois de rimos um pouco, voltamos ao assunto dos planos para o final de semana.
⏤ Vou visitar meus pais. ⏤ o sorriso que se abre em meu rosto é capaz de rasgar as minhas bochechas.
⏤ Sério? Porra, que bom, amiga ⏤ Kiara se mostra feliz por mim, assim como Sarah. ⏤ Vai quando?
⏤ Hoje à noite. O ônibus sai as sete e meia.
Enquanto falo, meus olhos estão focados nas minhas unhas. Minhas amigas na mesma hora percebem minha falta de atenção e empolgação nas palavras.
⏤ E por que estou sentindo que você não tá animada? ⏤ Kiara é a primeira.
Levanto minha cabeça e olho pro rosto das meninas. Acabo dando um sorriso fechado.
⏤ Definitivamente não gosto de viajar sozinha.
Minhas amigas se entreolham com expressões de dó. No mesmo instante, nego com a cabeça.
⏤ Ah não, por favor, nada disso. Não estou à beira da morte ou coisa assim. ⏤ resmungo.
⏤ Mas não está cem por cento feliz. Isso é grave, ok? ⏤ Sarah cruza os braços. ⏤ Cara, eu tenho alguns trabalhos com a internet pra fazer hoje e amanhã. Se não, ia agora até o alojamento pegar minhas malas pra ir com você.
⏤ Trabalho com a internet? ⏤ Kie e eu perguntamos em uníssono.
Sarah assentiu, agora sorrindo.
⏤ Uma agência digital famosa quer conversar comigo. Talvez eu feche algum contrato super importante.
Kiara abre a boca para dar um grito, mas aperto seu pulso para lembra-la de que estamos numa cafeteria pública. Então, ela apenas emite um som fino de animação entredentes, provocando a mesma reação em mim e em Sarah. Agora somos três garotas comemorando silenciosamente a nova conquista da loira como adolescentes.
⏤ Puta merda, isso é bom demais! ⏤ digo, chocada.
⏤ Eu sempre falei que você tinha jeito para as câmeras. ⏤ Kie mastiga sua barrinha de cereal.
⏤ É, mas enfim... Não é nada confirmado ainda. Iremos ter uma reunião sobre isso. ⏤ Sarah suspirou, realizada.
⏤ Certo ⏤ a cacheada alisa a mão da loira. ⏤ Tenho esse jogo dos caras pra ir e mais alguns trabalhos que preciso entregar. Se não, iria com você sem pensar duas vezes.
Minhas amigas me olham com olhos pidões. Respiro fundo e ponho um sorriso seguro de mim no rosto, mesmo que naquele momento, eu não esteja tão segura assim.
⏤ Tá tudo bem. Já sou adulta, posso ir viajar sozinha.
Nós três trocamos olhares empáticos e unimos nossas mãos, passando conforto uma pra outra. Sempre elas, sendo meu porto seguro.
O dia passou rápido. Sete e quinze, eu já estava subindo no ônibus e garantindo que ninguém roubasse meu lugar. Guardei minhas bagagens, sentei-me no assento reservado e coloquei meus AirPods nos ouvidos. Já dou início à minha playlist de viagem que ia de Taylor Swift até Avril Lavigne na época Sk8er Boi. Aos poucos, o veículo ia se enchendo e eu ficava cada vez mais angustiada. Não que eu não soubesse me virar sozinha, pelo contrário. Eu só não gostava da sensação de estar sozinha até demais. Se acontecesse algo, eu seria uma mulher beirando os vinte sozinha num ônibus noturno e sendo o alvo mais fácil de qualquer crime bárbaro. Afinal, se eu morresse, ninguém daria a minha falta, pois eu estaria na cidade vizinha visitando os meus pais.
O lugar onde meus pais moram não é tão longe daqui. Afinal, no dia que todo aquele filme de terror aconteceu envolvendo Rafe, não demorei uma hora para chegar até o parque central de Honolulu. O problema sempre seria o trânsito, pois todos os finais de semana, parece que as pessoas resolvem visitar seus parentes distantes. Não julgo. Era o que eu estava indo fazer nesse exato momento.
Estranho quando sete e meia bate e o motorista não está fechando o ônibus para partirmos. Sete e trinta e cinco, sete e quarenta, sete e cinquenta. Quando oito horas marca no relógio, eu tiro um dos fones do meu ouvido e toco na moça que passava servindo alguns snacks pra viagem. Ela se vira, me olhando com um sorriso.
⏤ Boa noite, posso te ajudar? ⏤ perguntou.
⏤ Boa noite. Por que o ônibus ainda não saiu? ⏤ questionei-a.
⏤ Há um passageiro atrasado. Só falta ele, eu acho.
Levanto as sobrancelhas. Malditas pessoas que não tem compromisso com horários e gostam de empatas outras que são responsáveis. Acabo bufando e assentindo, também pegando um dos snacks que ela servia.
E então, quando abro o pacote e coloco o primeiro snack de churrasco na boca, escuto a voz do motorista dizendo algo como "até que enfim" e outra voz mais grossa pedindo desculpa pelo atraso excessivo.
Uma voz que eu me assusto por ser conhecida até demais.
Os passos no corredor só param quando chegam na cadeira vazia ao meu lado. A pessoa se aconchega no assento, solta o ar dos pulmões e se larga sobre o acolchoado confortável, como um verdadeiro folgado.
⏤ Porra, por que tá todo mundo me olhando como se fosse arrancar o meu pescoço?
Rafe me perguntou. É, o Rafe acabou de sentar ao meu lado no ônibus e eu não estou sonhando. Acabo engasgando com o snack.
⏤ Mas que merda você tá fazendo aqui? ⏤ pergunto, incrédula.
Ele então me olha com os olhos azuis e me dá um sorrisinho.
⏤ Boa noite pra você também ⏤ roubou um snack do pacote em minhas mãos. ⏤ Sarah me contou que tem medo de viajar sozinha. Coincidentemente, meu treinador nos deu dois dias do fim de semana pra folga. Você sabe, minha vida é um pouco entediante agora que não posso beber nem fumar pra espairecer as ideias. Ah, nem ir à festas também.
Tento decifrar tudo que ele acabou de falar, mas só conseguia focar numa coisa chocante de tão específica.
Ele comprou uma passagem pra outra cidade só porque eu tinha medo de viajar sozinha?
Acho que encaro seu rosto por tempo demais. Hoje, ele está sem seu boné e seus cabelos dourados parecem estar molhados por um recente banho. Eu não duvidaria nada de ele ter se atrasado porque estava se enfeitando demais. Nunca conheci alguém tão vaidoso.
⏤ Você... Eu tô indo visitar os meus pais, Rafe. ⏤ ele levanta as sobrancelhas.
⏤ Ah, que bom. Eles me adoram mesmo.
O abusado estendeu a mão pra tirar um AirPod do meu ouvido e colocar no dele.
⏤ Coloca uma música calma aí, preciso relaxar. Eu sempre passo mal em viagem na estrada.
Folgado, abusado, estupidamente gostoso. Tudo de ruim.
E eu ainda tentava processar a informação de que estava indo pra casa dos meus pais com ele, agora, sem o mesmo drama daquele dia.