𝗔𝗩𝗘𝗥𝗬.
Por incrível que pareça, acordo sem sentir um pingo de dor de cabeça ou qualquer sintoma da ressaca. A única coisa que me impede um pouco de levantar imediatamente é a bambeza nas minhas pernas. Não era de se esperar menos. Não lembro quantas vezes eu repeti a dose com o jogador de hóquei ontem, apenas me recordo de adormecer após vê-lo praticamente surrado ao meu lado na cama. Ao contrário de ontem, amanheço sem ele do meu lado. Não estou mais com meu vestido curto e ajustado no corpo, e sim uma camisa extremamente larga de John B. Coço meus olhos, me arrependendo no mesmo instante que eu noto o resquício de rímel e sombra escura nos meus dedos. O suor não foi o suficiente pra remover toda a minha maquiagem. Acabo bufando, esforçando-me pra ficar de pé e amarrando meus cabelos num coque desajeitado.
Levo meus olhos à pequena cômoda ao lado de sua cama larga. Ali, havia um copo d'água e uma cartela com dois comprimidos pequenos. John B. provavelmente havia se preocupado com o meu bem estar na manhã seguinte a nossa. Não nego que acho uma graça, porém, apenas o conteúdo fresco do copo e deixo os remédios de lado. Caminho até seu banheiro, tirando o resquício de maquiagem borrada que havia em meu rosto e lavo minha pele com um sabonete facial que se encontrava perdido no canto de sua bancada. Ele nem deveria usar essas coisas. Deve deixar reservado para as meninas que passam a noite por aqui, penso. É, acho que minha suposição está mesmo certa. Não conheço muitos homens vaidosos.
Quando saio do banheiro, procuro minha roupa pelos cantos do quarto. Durante essa missão, meu celular vibra com a chegada de uma nova mensagem. Era John B, dizendo que teve de sair cedo pra treinar e que havia posto meu vestido na lavanderia. Mais tarde, me devolveria, se eu quisesse vê-lo de novo. Não evito de sorrir, mais uma vez. Confesso que quebrou minhas expectativas sobre ser um babaca que não olharia na minha cara no dia pós sexo.
A casa está em silêncio. Apenas os jogadores da liga da faculdade moravam aqui, então, sugiro que todos foram treinar junto de John B. Abro a porta de seu quarto e me retiro, não me preocupando com a possibilidade de alguém me ver. Além disso, a blusa que eu trajava batia nos meus joelhos. Não era perceptível que só trajava sutiã e calcinha por baixo.
Digito de volta pra John B, dizendo que logo iria embora pois tinha aula. Sua mensagem de resposta é um pedido pra tomar café em sua casa, pois tinha deixado um pouco de café preto pra mim e algumas frutas. Suspiro. Cacete, quando que eu parei de conhecer homens desse tipo? JJ não tinha o costume de fazer café pra mim. Sim, não tínhamos nada sério, mas era o mínimo, não? Toda mulher gosta de agrados. Nesse momento me toco de como tudo que ele fazia pra mim estava na linha do mínimo. Maybank nunca foi de me surpreender. Nossa relação foi monótona e resumida à comigo extremamente surpreendida por nunca ter sido tratada antes da forma que ele me tratava. Contanto com o fato de que minhas paixonites da adolescência foram rasas, ele realmente foi um príncipe encantado, por um certo tempo.
⏤ Maldito. ⏤ rosno, sozinha.
Falar sozinha é uma especialidade minha de tempos.
Ao chegar na cozinha, me deparo com um pouco de café pronto perto do fogão e algumas frutas numa bandeja. Sorrio de lado, e quando lembro do meu bendito ex, meu sorriso murcha novamente.
⏤ Por que homens são tão bipolares? Merda. Sou bonita pra cacete e, modéstia parte, transo muito bem. Como aceitei tão pouco por tanto tempo? ⏤ vou até a bandeja de frutas e coloco um pedaço de Kiwi na boca. ⏤ malditos jogadores de hóquei do caralho.
⏤ Prefere jogadores de futebol americano? ⏤ o comentário me fez pular. Literalmente. Afasto as mãos da bandeja sobre a bancada e me viro bruscamente, notando que eu não estava cem por cento sozinha. ⏤ sério, me dizem sempre que esquiar no gelo é mais atraente do que ficar jogando uma porra de uma bola pra um lado e pro outro.
O mesmo cara que eu troquei olhares na festa ontem. Com certeza carregando dois metros de altura no corpo forte e musculoso, Rafe adentra a cozinha visivelmente suado, apesar de não aparentar um pingo de cansaço. A respiração um pouco ofegante e os cabelos molhados. Certo, ele escutou eu dizendo como odeio jogadores de hóquei, sendo que estou na casa onde ele mora com seu time. É, seu time, pois ele é a merda do capitão. Beleza, tudo sob controle.
⏤ Eu não... ⏤ digo embolada.
Por um segundo, esqueci completamente que estava com a boca empanzinada de Kiwi. Engulo tudo imediatamente.
⏤ Eu escutei, gata. Não precisa me enganar. ⏤ se direcionou até a geladeira e pegou uma garrafa d'água, tomando todo o líquido da mesma tão rápido que me assustava.
Reviro os olhos, despejando um pouco do café preto em uma caneca que avisto por ali e me encosto na bancada, ainda um pouco envergonhada com aquela situação.
⏤ Vocês não treinam hoje? ⏤ uma pergunta idiota devido à tensão.
⏤ Pode ter certeza que eu não estava correndo uma maratona à essa hora da manhã. ⏤ ele dá um sorrisinho irônico.
Patético. Vendo minha expressão de tédio, ele tira o semblante brincalhão do rosto.
⏤ Vim buscar o celular do JJ. Ele passou mal no treino. ⏤ respondeu, fechando a geladeira.
Deixo a caneca de lado no mesmo instante. Meu rosto preocupado é nítido, pois vejo Rafe arquear a sobrancelha com os olhos fixos em mim.
⏤ O que aconteceu com ele? ⏤ temo a resposta.
⏤ Não morreu, relaxa. ⏤ Rafe vira as costas, pronto à sair da cozinha. Porém, eu o sigo.
⏤ É sério, o que houve? ⏤ a bendita preocupação dominava meu peito. Odiava me sentir assim, ainda mais por ele.
⏤ Cacete, você é intrometida, hein? ⏤ não havia irritação em sua voz, pelo contrário. Parecia estar se divertindo.
⏤ Ao invés de jogar piadinhas, pode simplesmente me dizer o quê aconteceu. ⏤ retruco, irritada.
Consigo ver Rafe respirando fundo, cansado da conversa antes mesmo dela começar.
⏤ Teve uma queda de pressão, só isso. Não tomou café antes de treinar. ⏤ responde, tateando as gavetas da cômoda da sala para procurar o celular do colega de time.
Reviro os olhos. JJ sempre teve a mania de ficar sem comer e se achar o último homem do mundo por isso. Dizia que era de ferro, que nada lhe derrubava. Imbecil.
⏤ E por que nenhum de vocês lhe alertou sobre isso? Ótimos amigos que são. ⏤ ironizo.
Rafe, ao achar o celular de JJ, fechou a gaveta e se virou pra mim, com um sorrisinho no rosto enquanto batia o telemóvel levemente contra a palma de sua outra mão.
⏤ Abaixa a bola, gata. Não é ninguém pra me cobrar nada. ⏤ direcionou seus passos pra porta do apartamento. Com o cenho franzido, o encaro incrédula pela resposta.
Antes de abrir a maçaneta pra voltar pro ginásio, Rafe me olha por cima do ombro largo. Seus olhos azuis me fitam de cima à baixo devagar. Se não estivesse tão irritada com sua audácia e falta de educação, minhas pernas vacilariam instantaneamente.
⏤ Tira minha blusa e bota pra lavar, por favor. Perfume de mulher é um saco pra sair.
A porta se bate quando ele deixa o apartamento e fico parada no mesmo lugar. Os braços cruzados e a cabeça confusa, me dou conta de como sou estúpida. John B. não era alto ao ponto de sua blusa bater nos meus joelhos, nem mesmo tão forte pra isso. Talvez eu ainda esteja meio lenta por ter acordado há pouco tempo e não percebo as coisas rápido demais.
Eu odeio jogadores de hóquei.