Capítulo I

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Um ano depois...

Todo mundo inveja uma família perfeita; uma mãe que conte histórias antes de dormir. Um pai que te leve a jogos de futebol. Um irmão para brigar quando não tiver o que fazer. E uma típica foto de família para por em um porta-retrato medíocre. Mas, nem tudo é do jeito que queremos.

Minha mãe morreu há alguns anos atrás, quando ela deu a luz a Scarlett. Minha irmã mais nova. Ela tem oito anos. Quando mamãe se foi, levou uma parte de todos nós com ela. E antes que pudéssemos achar que nada poderia ficar pior, meu pai e eu sofremos um acidente no ano passado. Estávamos voltando da casa de uns amigos, quando um idiota veio na contra mão e fez com que perdêssemos o controle do carro.

Quando acordei no hospital uma semana depois, parecia uma múmia; enfaixada da cabeça aos pés e com hematomas em cada centímetro do corpo. Uma perna engessada, quatro costelas quebradas, algumas contusões e muita perda de sangue. Mas nada que com o tempo, não pudesse sarar. Eles disseram que eu tive muita sorte de sair viva. O mesmo não pôde ser dito para o meu pai.

Tudo que me lembro, são flashes do acidente. E diariamente pesadelos com ele. Mas eu nunca esqueceria aquele dia. O último dia que eu passei ao lado dele. A assistente social, Srta. Margo, disse que ele já havia chegado morto ao hospital. Tinha perdido muito sangue, e algo como um traumatismo em alguma parte do cérebro. Ela também disse que tudo ficaria bem.

Mentira.

Essa é uma mentira que todos contam quando sentem pena de você. Acham que podem confortá-lo com apenas um conjunto banal de palavras. Eu perdi meus dois pais e não tenho mais nenhum parente vivo. Exceto por uma tia que eu não conhecia até pouco tempo atrás, e que também nunca fez questão de saber quem eu sou. Fora isso, é só eu e minha irmã. É isso o que está por de trás do "vai ficar tudo bem". Uma baita sorte.

Acabei de fazer dezessete. E como não sou maior de idade, preciso de um responsável legal por mim. Por isso, a minha guarda e a de Scarlett foram passadas para essa mulher. A tia Célia. Ela morou na nossa antiga casa, depois que nos mudamos para a Flórida, um pouco depois de Sky nascer. Mais tarde ela abandou o lugar e foi morar com o namorado em alguma quitinete, mas prometeu para a justiça que ficaria de olho em mim e minha irmã. O que eu duvido que seja verdade; da última vez que nos vimos, ela pouco fez questão de dirigir a palavra a mim. Trata-nos com a mesma facilidade com que joga o lixo para fora de casa.

O lado bom disso; eu tenho total liberdade para fazer o que eu quiser. O lado ruim; tenho uma lista duplamente maior de contras. Papai deixou uma boa quantia de dinheiro para mim e Scarlett, mas nada muito alto que pudesse pagar todas as contas. Por isso, eu vendi nossa casa atual em Jacksonville  para arrecadar mais alguma coisa. O que rendeu um bom cofrinho, se não fosse por Célia exigir metade.

Agora, estamos voltando à antiga casa. Nossa mais nova e velha morada. Na minha cidade natal, Cape Girardeau, no Missouri. Nós nascemos lá. Não é um lugar ruim - se você for algum velho rabugento procurando paz em um lugar sossegado. Em comparação com a Florida - um dos estados mais populosos e agitados dos Estados Unidos -, é um pesadelo para uma adolescente de dezessete anos, que deviria estar se preocupando em entrar para alguma faculdade famosa, ao invés de estar interpretando o papel de mãe e pai.

Margo disse para que encarrássemos isso com um novo começo. Ela é muito prestativa; ajudou-me nos momentos mais... Turbulentos. Para Sky, acredito que tudo deva ser um pouco confuso. Ela nem chegou a conhecer mamãe e logo depois perdeu o pai. Isso rendeu algumas consultas de uma psicóloga da escola. O mesmo para mim também.

**********

São quase sete da noite quando chegamos a Cape Girardeau. O ar é típico de cidade pequena, e a mais próxima fica há pelo menos cinco quilômetros. Eu gostava daqui quando era mais nova, apesar de não me lembrar de quase nada da infância. Mas a palavra chave é gostava. Mamãe morreu aqui. E desde então eu passei a evitar o lugar ao máximo. O que deu certo por um tempo. Até agora.

Entre Lobos & Flores - Livro 1Onde histórias criam vida. Descubra agora