Capítulo XXII - Parte I

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Eu descarto o que sobrou da foto na lixeira mais próxima. Enxugo as lágrimas que nadam em meus olhos, os fechando por um instante, enquanto tomo uma respiração profunda para me acalmar.

Não consigo controlar a enxurrada de emoções que se concentram em meu peito. Cada vez que repasso o que acabei de ver em minha mente, é como se mais lembranças como essa surgissem, mas eu não consigo acessá-las. Por mais que eu tente, é como se houvesse um nevoeiro dentro da minha cabeça.

Quando meus olhos retornam a se abrir, eu me deparo com um calendário a minha frente, que ainda não havia percebido. Por algum motivo meus olhos recaem exatamente no dia atual; quarta feira.

Puta merda... Eu tenho um sobressalto, cada parte do meu corpo ficando gelada.

Eu apaguei desde domingo?

Eu passei três dias em um sono profundo? Eu passei três dias desligada do mundo?

Ah, merda...

Eu quase caio para trás quando me dou conta de que deixei Scarlett sozinha na casa de Dominic. E eu nem sei o que aconteceu com ele...

Holly deve ter ligado para Célia por não ter me encontrado em casa. Ou a escola fez isso, já que matei três dias de aula. Então, Cape Girardeau está toda atrás de mim...

No segundo seguinte eu já me encontro calçando um tênis qualquer de Benjamin, com mãos trêmulas e um coração a ponto de deixar meu corpo em apenas alguns instantes.

Eu preciso encontrá-la. Eu preciso ver se está bem. Ela é minha responsabilidade. Eu morreria se algo acontecesse com ela, sendo minha culpa.

Um tremor percorre meu corpo quando me lembro do pacote que recebi. Meu suposto perseguidor me mandou fotos da minha irmã na escola. Não basta ter somente eu em sua mira, mas Sky também. Ele sabe que, se a tiver, ele me tem na palma de sua mão. E isso me assusta mais a cada segundo.

Eu tomo alguns goles de ar e voo em direção à porta. Eu a destranco, mas quando estou prestes a sair, meus olhos pairam sobre um espelho ao lado dela, e meu coração mais uma vez dá um salto dentro do meu peito, acompanhado de um grito.

─ Mas que diabos... – Eu checo o reflexo dos meus olhos.

Até aquele momento eu ainda não havia cogitado a ideia de uma possível transformação. Eu ainda não havia parado para pensar no quanto isso é aterrorizante. No quanto parece insano se transformar em um lobo. Uma coisa é ver Hayden, Benjamin, Jesse, ou seja quem for, transmutar da forma humana para a de um lobo. Outra totalmente diferente é ver que isso vai acontecer com você. E parece que logo...

Eu me aproximo mais do espelho, vendo meu reflexo de perto. Não há mais o azul em meus olhos, como havia visto antes. Na verdade não há mais cor alguma. A íris, a pupila e a esclera, ou qualquer outra coisa; tudo deu lugar ao preto. Meus olhos estão tão negros, que parece que há um espaço vazio e oco ali. Eu nunca vi isso em lugar algum. Por mais que minha experiência com lobos seja um pouco limitada, eu nunca vi isso em nenhum deles.

Eu pisco e aperto as pálpebras uma na outra, tentando milagrosamente voltar ao azul costumeiro de sempre, mas nada acontece. Xingo ninguém em especial, e agarro um óculos escuro que encontro na estante de Benjamin, me amaldiçoando por perder tempo com uma coisa que pode ser posta em segundo plano. Puxo o capuz do casaco na minha cabeça, cobrindo meu rosto e olhos, e passo pela porta.

Assim que saio, me deparo com uma longa escadaria que leva até um andar superior, que é justamente a dispensa de alimentos do Burgers Brothers. Agora sei por que não há janelas no pequeno loft de Benjamin: por que é como um abrigo subterrâneo, abaixo de seu restaurante. Um lugar onde ele pode ter sua privacidade, sem que ninguém o perturbe ou ao menos suspeite de que ele esteja ali.

Entre Lobos & Flores - Livro 1Wo Geschichten leben. Entdecke jetzt