Capítulo XXVI - Parte I

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Eu desperto de um sono pesado, e ao mesmo tempo tão leve quanto uma pluma. Estico as pernas e os braços, alongando os músculos, e fazendo uma sensação gostosa se espalhar por todos eles. É a melhor sensação do mundo. Parece que estive nas nuvens durante um bom tempo. Solto alguns gemidos de deleite.

Abro os olhos e percebo que estou deitada no sofá da sala. Uma manta me mantém aquecida, enquanto eu ouço o barulho da chuva caindo lá fora. Se respirar bem fundo, posso sentir o perfume revigorante da terra molhada.

Solto um bocejo e não me dou ao trabalho de me levantar dali. Não faço ideia de que horas sejam, mas sei que não passa das cinco. O sol ainda não inunda as frestas das persianas, e o ambiente ainda está sob a penumbra.

Quando fecho os olhos por mais alguns segundos, as imagens da noite passada transbordam diante de mim. Poderia tentar me convencer de que não foi real. De que não passou de um sonho muito bom, ao qual eu desejaria ficar presa para sempre a ele. Poderia acreditar que minha mente esteve me pregando peças, ou que apenas não passou de um simples delírio ou devaneio. Mas, não. Foi tudo tão tangível quanta nossa própria existência.

Benjamin e eu passamos a noite no sofá.

Seu corpo se moldava ao meu de uma forma que era impossível haver outro encaixe tão perfeito quanto esse. Era como se fossemos duas massas, que ao se fundirem, nem a força mais viça poderia separar. Queríamos fazer desse pequeno espaço de tempo uma eternidade. Queríamos ficar envoltos em nossa própria bolha de fascínio e atração. E assim, fazer com que nossos corações estrassem em um só ritmo, nos levando a uma mesma frequência.

Por isso não cogitamos a possibilidade de nos movermos até a cama no andar de cima; não queríamos quebrar essa corrente tão maciça. Queríamos deixá-la intacta o máximo possível.

Seus lábios percorreram com saudade cada centímetro do meu rosto. Suas mãos peritas investigaram cada canto do meu corpo. Seu cheiro embebeu meu sistema. E seus olhos translúcidos... Deus, seus olhos... Imergiram tão profundamente nos meus que pareciam conhecer todos os pequenos espaços do meu âmago.

Ele sussurrou orações ao pé do meu ouvido. Segregou palavras somente a mim. Fez-me perceber o quanto é um garoto tão frágil e doce, dentro de uma casca tão espeça, e ao mesmo tempo tão vulnerável. Eu pude ver isso em cada ato, palavra e olhar lançados a mim. Pude ver as tantas contradições e segredos e mistérios por detrás desse muro. E isso me impulsiona cada vez mais a conhecê-lo como ele o faz comigo.

Em um determinado momento da noite, quando já estava prestes a ser arrastada para um mundo de sonhos inacreditáveis, a voz de Benjamin preencheu meus ouvidos com a cantiga mais suave de todas elas. A única que é capaz de fazer cada centímetro do meu corpo relaxar e trazer as sensações mais familiares para mim: a música de Anna. Isso traz um sorriso idiota aos meus lábios, embora eu não tenha tido a chance de perguntar sobre isso.

E agora eu me encontro em um estado muito entorpecido pelas últimas horas, mas não tão pleno e completamente satisfeito, pois Benjamin se foi, ainda enquanto eu dormia.

Ponho-me de pé, enrolando a coberta a minha volta, e me obrigo a voltar à realidade.

Sigo até meu quarto, me arrastando escada acima. Vejo que a porta de Scarlett está aberta, e caminho a passos silenciosos até seu quarto. Não deixo de me permitir ouvir suas batidas constantes e calmas, que agora me passam a mensagem de que está bem. Mas não há só o som de seu coração. Também há outro, mais forte e alto. E isso é explicado quando atinjo a soleira da porta.

Sky dorme tranquilamente em sua cama, seu peito subindo e descendo constantemente. E ao seu lado, cochilando encolhido em uma poltrona perto da cabeceira, está Kane.

Entre Lobos & Flores - Livro 1Onde histórias criam vida. Descubra agora