Capítulo XXVIII - Parte II

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O que sabe fazer? – Ela indaga, verdadeiramente interessada.

─ Eu não sei. – Respondo, sincera. – Tudo o que consegui até o momento foi ver lembranças, ou que quer que seja, quando toco pinturas ou fotos.

Ela sorri em reconhecimento de algo.

─ Exatamente como sua mãe. – Fala. – Anna era muito boa em esconder memórias por aí. Em qualquer objeto que tivesse em mãos. Seu preferido eram as pinturas. Porque acha que vivia trancada naquele sótão? Ela passava horas pintando lembranças nas telas. Às vezes parecia até... Uma obsessão.

Uma obsessão. Era justamente assim que Anna agia. Não é a palavra mais agradável para descrevê-la, mas é a verdade. E eu entendo porque nunca me deixou tocar em uma das telas ou em um dos quadros. Eu poderia ver o que andava guardando neles.

─ Você também sabe fazer isso?

─ Digamos que sim. – Diz. – Mas é diferente. Embora possamos fazer um pouco de tudo, cada conservador tem mais afinidade com um tipo de dom. Alguns com lembranças, outros com curas, alguns com ilusões e auras, e outros com dimensões e sonhos. Há uma grande variedade de dons, Madeline.

─ Qual é o seu dom?

─ Não há um nome específico. – Conta. Sua voz se torna um pouco mais fria. Talvez até magoada. – E não vejo isso como um dom. Me parece mais uma maldição.

─ Como assim?

─ Quando eu era pequena, – Começa, depois de alguns instantes em silêncio, seu olhar preso em uma direção a esmo. – eu costumava ver aquilo que as pessoas escondem umas das outras. Uma mentira, por exemplo. Eu saberia dizer o que estava sendo escondido e quando a verdade seria revelada apenas com um toque. Eu poderia dizer o que daria errado e em que momento isso aconteceria. Costumava ver os detalhes que geralmente as pessoas não percebem. Eu poderia lhes dizer como agir, para que tomassem sempre as decisões certas.

─ Isso não me parece tão ruim. – Comento. – É como ver o futuro.

─ Mas quantas vezes você tomou o caminho errado apenas por teimosia ou orgulho? – Ela me ignora, e continua. Está presa em seu próprio mundo. – Por mais que eu tentasse avisar às pessoas que suas decisões a levariam a viver seus piores pesadelos, elas nunca me ouviam. Sabe o que é ver tudo a sua volta dar errado, e a vida das pessoas que mais ama afundar cada vez mais no poço? Esse é o meu dom; uma coisa inútil. Ver o futuro, como você disse, é uma coisa inútil. Porque as pessoas não foram programadas para tomarem as decisões certas. Só as erradas. Só aquelas que satisfazem seus desejos momentâneos. É deplorável.

─ Foi por isso que me mandou ficar longe de Hayden? – A pergunta flui pelos meus lábios.

─ Eu sabia desde o momento em que você pisou nessa cidade de novo, que seria um caminho de volta para a verdade. – Célia está atormentada. Parece que guarda esse fardo por tanto tempo, que já perdeu a capacidade de ainda ter a esperança de se livrar dele. Ou que as pessoas comecem a tomar as decisões certas, como disse. – Eu sabia que seria um caminho direto para o inferno pelo qual passamos anos a fio. Eu avisei Thomas. Eu avisei a ele.

─ Como assim? – Indago. Meu coração começa a dar pequenos pulinhos em meu peito. – Avisou a ele sobre que decisões?

Seus olhos se voltam diretamente para os meus. Sua expressão está impassível, e a linha da mandíbula tensa, assim como os ombros. Ela está hesitando. Não sabe se prossegue ou não com isso. Deve pensar que o caminho a qual está me submetendo, não é dos mais seguros. E não preciso ser uma conservadora para dizer que isso é óbvio.

Entre Lobos & Flores - Livro 1Onde histórias criam vida. Descubra agora