Entre Lobos & Flores - Livro 1

Bônus - Grimório de Anna

"Hoje fui até a casa de Eleonor. Russel não sabe que saí. Mas tenho certeza que sentirá minha falta pela manhã. Ou talvez até antes, se resolver acordar pela madrugada como sempre faz, e fazer com que eu apague todas as lembranças de seus sonhos ruins. Ele acredita que pode se livrar deles. Sinto pena. Sua alma será marcada para sempre por essas lembranças. Não importa o quanto tente se esquecer. Ele sempre vai ser condenado.

Então, naquela noite, saí floresta adentro em direção à casa de minha velha amiga, tentando disfarçar o meu cheiro da melhor maneira possível. Hayden me ensinou alguns truques; flor de Viburno. Se queimá-las, exalam um aroma tão forte que é capaz de confundir o olfato do melhor rastreador.

À noite, a floresta estava quieta até mesmo para os insetos. As folhas das árvores não balançavam e os animais não faziam o menor dos ruídos. Sempre tive a impressão de que os galhos parecem braços prontos para me agarrarem a qualquer instante. Dali a três dias seria o meu décimo oitavo aniversário. Eu teria de fazer uma escolha; ou a imortalidade dos lobos, ou a humanidade dos conservadores. Mas não acho que Russel está disposto a sacrificar a única ligação que tem com o passado, e também o único meio que tem de fugir dele. Ele vai fazer com que Annabeth assuma seu posto, e eu permaneça como sua 'gaveta de memórias'. Acredito que vai ser uma boa alfa. Exceto que eu duvide que concorde em ser prometida a alguém que não ama.

Não demorou muito para que eu o ouvisse. A floresta podia estar escura, mas eu poderia sentir mesmo a quilômetros de distância; o emaranhado de pensamentos conflituosos em sua cabeça. Nenhum deles era claro, mas havia algo diferente. Algo sutil e... Tentador. As vantagens de ser uma conservadora; ser atraída como um imã a qualquer lugar que possa abrir uma nova dimensão. É como uma força invisível, que faz com seu corpo assuma o lugar de sua mente. Você não tem mais controle sobre si. As memórias são como um combustível. É a droga mais viciante; quanto mais você consome, mais você precisa. Mas, é como sobrevivemos.

Subi até o topo da primeira árvore que consegui escalar, e de lá, esperei em silêncio pelo intruso que percorria o território. Não conseguia dizer se estava na forma humana, ou se estava sobre as quatro patas. Mas, sabia que a cada segundo se aproximava mais um pouco; o grande ruído de sua mente martelava cada vez mais alto dentro da minha cabeça. Eram como vozes que sussurravam segredos confusos ao pé dos ouvidos. Não tinha aprendido como desligar isso ainda.

E então eu o vi. O pelo em sua maioria era tão branco quanto à própria neve, enquanto o restante variava em tons de marfim e bege. Imaginei-me tentando reproduzir aquelas cores e tonalidades na aquarela. As orelhas estavam aguçadas ao menor dos ruídos e se movia com uma fluidez tão silenciosa, que poderia passar despercebido pela melhor audição. Não era um alfa, mas era tão grande e forte quanto um. Talvez fosse um ômega. Mas, a energia que emanava parecia tão pura e serena, quanto sua própria alma.

Até aquele momento, ele ainda não havia percebido minha presença. Parecia perdido e sem rumo. Quase como uma alma que vaga pela Terra sem um destino traçado. Ele parou quando viu um pequeno abrigo improvisado sob o tronco de uma sequoia. Aquele havia sido um dos esconderijos feitos por mim, Annabeth e Allan, quando brincávamos de pique esconde pela floresta. Eu conhecia cada centímetro daquele lugar quanto à palma de minha mão.

Farejou o pequeno espaço por alguns instantes, deu mais uma olhada pela área, para se certificar de que estava mesmo sozinho e então, se escondeu ali. Não consegui mais vê-lo. Mas ouvi quando um uivo de dor escapou para fora da toca seguido por um grito humano. Eu sabia que ele havia acabado de se transmutar para a forma humana, pois eu conseguia ouvir seus gemidos abafados de sofrimento. Eu não sabia porque, mas podia sentir em mim mesma a sua dor a cada novo ruído. Calafrios percorriam a minha pele e meus olhos ficaram úmidos. Isso nunca havia acontecido antes. Era como se sua alma compartilhasse comigo o que estava sentindo.