Capítulo XXVI - Parte II

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"... Borrifo algumas gotas de perfume em meu torso, depois analiso meu reflexo na penteadeira.

Belisco as bochechas para trazer mais cor a elas, embora a maquiagem já tenha feito seu trabalho. Annabeth se empenhou muito em fazê-la. Pintou meus olhos com cores claras, depois os delineou, e em minha boca pôs um vermelho tão escarlate, que me pergunto se não é mesmo sangue.

Prendeu meus cabelos em um coque frouxe, mas elegante. E por último fez-me entrar em um vestido de gala azul escuro com costura simples e requintada. Marcado na cintura e solto até alguns centímetros em uma calda que se estende atrás de mim. O busto, por outro lado, é tão apertado quanto um espartilho, fazendo meus seios se destacarem consideravelmente. Russel disse que essa vestimenta só pode ser usada por alguém digno da perfeição...

Eu me sinto ridícula.

Eu odeio quando ele insiste que eu use algo que lhe agrade. Quando faz toda a alcateia saber que eu lhe pertenço e por causa disto tenho de usar o que ele me impõe. Ele acha que sou seu fantoche; apenas move as cordas para o próximo ato.

Annabeth quem deveria estar em meu lugar. Ela é perfeita para ser a boneca de luxo pessoal de Russel. Ela é mimada e egocêntrica; não enxerga nada além do próprio umbigo. Ela gosta de vestidos caros e luxuosos, sapatos pomposos, perfumes ostensivos e joias intimidantes. Ela gosta de ser o alvo das atenções, gosta de agradá-lo - quase obcessivamente. Mas esse sentimento não é mútuo.

Russel a trata como nada além de nada. Ele não a vê como ela o vê. Ele não a quer. Não se importa com Annabeth, e muito menos liga para o que quer que ela faça que possa ou não agradá-lo. E ela é muito superficial para se conformar com isto. Se não fosse por ela ser a mais velha, e por isso, ter de dar continuidade a alcateia de Russel, tenho certeza de que já teria sido descartada, como todos os ouros. É um meio, para chegar a fim.

Eu ouço o som de passos no corredor.

Levanto-me de um instante e aliso o vestido com as mãos.

Consigo esconder o colar de Thomas em uma fresta de meu decote. Não tenho ido a lugar algum sem ele. É como ter um pedaço dele sempre perto de mim. Permite-me imaginar que esteja bem, já que não o vejo há cinco dias.

Eleonor não me deu notícias e não pude ir procurar por elas também. Os últimos dias têm sido somente um bocado de ordens dadas aqui e ali em função do grande sarau de Russel. Ele vai recrutar alguém hoje. Um motivo bom o suficiente para fazer um banquete dos Deuses - na visão dele.

Eu sento a janela desde a noite que o deixei naquela casa. Eu me sento por horas e olho a neve caindo em flocos delicados como naquele dia. Assim posso lembrar-me de seu pelo tão branco quanto ela. Embora manchado pelo sangue das balas...

Sua imagem está cravada em todos os meus sentidos. Mente, corpo e alma. É como se o pequeno espaço de tempo em que ficamos juntos, fosse convertido a uma eternidade. Por que foi o que me pareceu. E eu não sei por que sinto tanta falta de ouvir os ruídos de seus pensamentos novamente, ou de ver seus olhos tão azuis quanto o céu de verão. Não sei por que me importo tanto com ele, a ponto de querer incondicionalmente vê-lo. É como ficar dependente da pior droga que já existiu; a paixão.

Há tantas sensações que não sei descrever preenchendo meu peito.

Como posso estar apaixonada?

Isso, sim, é ridículo.

Eu não posso amá-lo. E por motivos óbvios; por mais que a ligação entre nós pareça mais inquebrável que nunca, não nos conhecemos. Thomas é um ômega agora; deveria estar morto. Eu deveria tê-lo denunciado a Russel. Eu não posso misturar o sangue puro de sua alcateia com o de um mero lobo fugido. Somos de mundos tão diferentes, e embora muito próximos.

Entre Lobos & Flores - Livro 1Where stories live. Discover now