Emanuel e Tobias

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Tobias tinha medo de monstros.

Ele os escutava conversando sobre como iriam cozinhá-lo, e eram espertos o bastante para fugir quando seus pais iam acudi-lo.

"Seja corajoso como Emanuel", seu pai aconselhava. O irmão de Tobias dormia tranquilo toda noite, embora dava risadas durante a noite, como se estivesse desenhando suas invenções assustadoras ainda dormindo.

"Monstros não dão medo, é só assustar eles", Emanuel explicava para Tobias, enquanto lhe mostrava mais uma obra em lápis de cor, uma máquina fazer sorvete infinito.

"O sorvete dela nunca acaba?" Tobias quis saber, encarando impressionado o desenho.

"Não" o irmão confirmou com um sorriso, "ela suga e filtra a água do mar, então nunca acaba". Tobias não sabia como um sorvete era feito, mas era parecido com gelo então fazia sentido.

"E onde está o sorvete? Precisa ter de maracujá!" Tobias sorriu.

"A máquina precisa de uma chave para ligar, mas eu perdi ela no meu sonho", Emanuel explicou, com um beicinho. Era uma pena que fosse tão impossível entrar em um sonho por vontade própria.

"Quando encontrar a chave, você vai fazer sorvete de maracujá?!"Tobias pediu.

"Não! Vou fazer de morango. É o melhor." Emanuel decretou. Tobias agitou rápido a cabeça.

"Mentira, maracujá é melhor. Faz de maracujá!" Tobias exigiu.

"Não vou!" Emanuel falou, se virando de costas na cadeira e voltando aos seus desenhos assustadores e eventualmente irritantes.

***

Durante o dia, os carrinhos atropelavam os monstros.

Mas durante a noite, o beijo da hora de dormir foi uma vela que se ascendeu e apagou. Então eles vieram.

"Vamos fritar você em óleo e cebolas!" disse um dos monstros, parecia um peixe.

"Não, vamos cozinhá-los no molho com alecrim!" o outro falou, parecia uma galinha de duas cabeças.

A garganta de Tobias congelou. Emanuel na outra cama ainda dormia como um anjo, e Tobias tentou se esconder atrás do escudo macio das cobertas azuis.

"Não adianta se esconder!", disse o peixe com um sorriso afiado, puxando as cobertas de Tobias. Seu coração não conseguia gritar. A coberta foi parar em cima de Emanuel que acordou lentamente, bocejando e coçando os olhos remelados.

"Ã?" ele perguntou, olhando para o peixe amarrando Tobias em uma corda enquanto a galinha de duas cabeças acendia o fogo de um caldeirão perto da estante de livros, uma cabeça franzindo o cenho para o peixe.

"Mais comida!" o peixe saltitou, e o prendeu Emanuel sem dificuldade, o deixando encostado no guarda-roupa com Tobias, como dois pacotes de salgadinho.

"Eu disse que havia monstros" Tobias, sussurrou, pálido.

"Não são monstros..." Emanuel gemeu com uma voz quebradiça, encarando o peixe ajudar a galinha a derramar os ingredientes do molho no caldeirão. "São príncipes" Emanuel revelou.

"Não, príncipes não são peixes, podem ser sapos" Tobias rebateu "E todos tem uma cabeça só!"

"O pai disse para pensar fora da caixa" Emanuel teria dado de ombros se não estivesse preso "Não acha que o filho do rei dos peixes seria um príncipe?"

Tobias cozinhou o pensamento, enquanto alecrim era jogado no molho na panela, fumaça dançando no ar como uma cobra, uma cabeça de galinha apreciando o perfume enquanto a outra encarava um grosso livro de receitas.

Fragmentos de Ecos EsquecidosWhere stories live. Discover now