A Morte de Papai-Noel

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"Graças a Deus por seu presente indescritível!"
2 Coríntios 9:15

Pensinique voava em seu trenó negro entre as nuvens do mundo, na direção oposta à rota seguida por Papai Noel, procurando crianças que se comportaram mal durante o ano para punir com seu chicote de gelo.

Era um artefato muito especial, branco como a neve, pois jamais ferira um inocente. Frio como o polo, pois era certeiro e penetrante. Mesmo quando Pensinique queria devorar alguma criança bondosa que parecia apetitosa, sabia que o chicote jamais a tocaria. Claro, ele tinha garras longas e braços fortes, sem falar nos chifres de bode que aterrorizavam qualquer um, mas neste caso, o chicote atacaria ele.

A noite cantava como um coral no ensaio, e luzes pulsavam no ar como flocos de estrelas com perfume de frutas tropicais acariciando seu nariz. As nuvens eram vultos pálidos convidativos como sorrisos. Será um bom Natal.

Mordeu uma maçã tibetana, mais doce que mel, e jogou outra para seu cavalo cor de corvo. Não precisava de oito renas, já que seu trenó não carregava um saco vermelho com bilhões de presentes. Mas quando a Febre do Pinguim afetara o querido Meianoite de Pensinique, Noel lhe emprestara uma rena, o sapeca Cometa.

Os dois guardiões da madrugada de 25 de Dezembro tinham suas diferenças, mas conquistaram seu direito de dividir a noite na Batalha de Viena em 1240. Um para a bênção, um para a maldição. Não poderia haver justiça sem punição, e Pensenique achava que isso era algo que Noel jamais entenderia, sempre com pena de todas as crianças do mundo. Algumas vezes, até mesmo as levadas ele presenteava! Inaceitável!

Talvez por isso que os inimigos do Natal tentaram apagar o nome de Pensinique do feriado, e cobrí-lo por um "espírito de Natal" onde todos falam de caridade, paz e esperança sem um motivo, e é fácil se esquecer de detalhes como o fato óbvio de que o aniversário tem um aniversariante, e Papai Noel tem um chicote de chifres negros, um que não quer usar, embora precise. 

✯ ✯ ✯

— Aai — Pensinique gemeu, o rosto ardendo. - Aaaai!

— Rhueee — Meianoite relinchou. Mais pedras vinham, vespas furiosas que quase acertaram seu olho. Quem poderia...

Puxou as rédeas, Meianoite fez uma curva no mar de nuvens e flocos de luzes cantantes. Lá embaixo em uma cidade de poucos levados, uma menina com jaqueta vermelha estava ao lado de uma pilha de pedras, no terraço de um sobrado, ao lado de um poste de luz amarela.

—  Te peguei! — ela falou, semicerrando os olhos para o céu e atirando mais pedras.

—  Agora chega! — Pensinique cuspiu, dando a volta na casa e atravessando o véu das dimensões que poucas crianças podem vislumbrar.

Pousou o trenó diante da garota, riscando o chão da laje em faíscas, som de metal raspando.

Letícia estremeceu mas logo se endireitou, uma pedra em uma mão e um cinto de couro rosa na outra pronto para qualquer coisa.

— Garota, estou ocupado. Já é 00:03 e tenho até as 5 da manhã pra chicotear mais crianças que você pode contar com seus dedinhos doces.

— Eu sei, Krampus — a garota tinha a voz de uma leoa. - Mas neste Natal eu vou ir com você!

— O quê? — Krampus arregalou os olhos vermelhos. - Nunca! Isso não é trabalho para você, criança!

— Tenho 15 anos! — Letícia gritou tirando uma mecha cacheada cor de madeira dos olhos. - E tenho nome.

Se eles se vissem como nós os vemos, Pensinique pensou, olhando para Meianoite que relinchou.

Fragmentos de Ecos EsquecidosWhere stories live. Discover now