Uma Promessa

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"Há pessoas capazes de nos tornar monstros ou heróis"

Caio Hermínio

Um machado obsidiana brilhante como a pele de um bebê príncipe, desceu sobre o elfo Nelfrik, fazendo o vento gemer como a mãe de um natimorto ao fatiar o ar, mas afundou no chão de blocos hexagonais desgastados e tingidos pelo sangue. O guerreiro do machado, um guarda de armadura nas cores de um corvo sangrando, rangeu enquanto suas veias dilatavam nos corados braços nus que puxavam o machado.


- Necromante maldito! - o guerreiro rugiu, arrancando os dois metros de machado largo do chão do palácio escuro e vindo para Nelfrik com o rosto ensanguentado e deformado pela raiva, contra as luzes intensas de tochas cor de escarlate - Filho de Hork! - ele amaldiçoou. 


As mãos de Nelfrik estremeceram, e um pouco de cor deixou sua pele nanquim.


Eu tenho pai. 


Uma lembrança o agarrou como um urso: uma cela escura como uma caverna, com grades de gelo imitando lâminas, e um homem encapuzado sentado em seu interior sem luz, rezando na língua musical dos elfos. Sangue martelava nas orelhas de Nelfrik ao ver aquilo, e uma montanha esmagava seu coração. Mãos grandes, de unhas longas, calejadas e gordurosas pousaram em seu ombro com força, em uma paródia profana de afeto que transformou as pernas de Nelfrik em palitos de dente.

Ele voltou para o presente, espanando as lembranças, olhos por trás das vendas azeviche firmes, lábios contraídos, mãos negras de caçador elfo firmes na familiar superfície levemente arenosa dos dardos no cinto. Retirou um dardo de ossos de pica-pau, um frio dançando em seu estômago, e atirou a arma aos pés do guarda que trotava em sua direção como um rinoceronte de chifre negro da Baía Afiada. 


O som do dardo acertando o chão foi como uma palavra proferida por uma língua inumana, e tentáculos de raízes mortas e escuras, povoadas por fungos e salpicadas de espinhos, se ergueram do chão em torno do dardo como um gêiser fétido aos pés do guarda, que explodiu aos berros enquanto tentava se debater com o machado lustroso, mas tinha seus membros restringidos pelas mordidas das agressivas raízes serpenteantes que cresciam mais a cada gota escarlate que bebiam do seu prisioneiro incansável. 


Nelfrik se afastou dos gritos do homem, conferindo quantos dardos restavam em seu cinto. 4. E rumou para fora da sala, deixando oito corpos de guardas para trás: um mumificado em teias de aranha se debatendo como um peixe no chão, outros dois com blocos de gelo a envolver suas cabeças sem sangue de olhos arregalados, os últimos cinco, guerreiros mais jovens, gemiam no canto da sala, ao lado de uma poltrona de veludo cor de morango, torturados por visões de terrores. Cada uma das vítimas tinha um dardo de ossos fincado no chão ou na parede como um pequeno estandarte mortal. Um dos jovens amedrontados segurava o dardo nas mãos em busca inútil de conforto, olhos dilatados, lacrimejantes, revendo seu pior medo em sua mente vez após vez até seu coração parar. Conheço esta sensação tão bem quanto minha respiração.


Nelfrik rumou por um corredor iluminado por tochas de chamas cor de sangue. As paredes do caminho estreito eram decoradas por lanças de madeira tomadas pelo tempo, escudos de ébano em forma de sementes pontudas, alguns crânios humanoides de opala obscura com dentes de vampiro e chifres se erguendo das cavidades nasais. 


Havia máscaras sorridentes como crianças, tristes como velhos, solenes como reis e rabugentas como elfos, todas de ébano, com entalhes em ornamentos cor de cereja. Seus olhos vazios e expressões congeladas pareceram desaprovar a presença de Nelfrik, que sentiu sua nuca arrepiar, como se tocada por magia nethérica.

Fragmentos de Ecos EsquecidosWhere stories live. Discover now