O Sol de Noctigar

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"Alegrem-se, ó céus, exulte, ó terra, e vocês, montes, cantem de alegria, porque o Senhor consolou o seu povo e se compadece dos seus aflitos."
Isaías 49:13


A noite é eterna em Noctigar, onde as estrelas são a única luz, após a lua crepuscular, sobre o monte Tauz.


Os artesãos nos bazares, vendem odres, pratos e colares. O ferreiro da Rua Vermelha, ao lado do oleiro da telha.

Todos se curvam quando ela passa, a carruagem negra e dourada. Imaginam onde ela estava, Além da Floresta Encrespada.


A princesa acena com uma mão pálida, e os cavaleiros marcham atentos. A tocha fulgura cálida, e cornos sopram alentos.


O sol nunca nasce em Noctigar, a bruxa o escondeu na Encrespada, quem o quiser libertar, matará a princesa encantada.


Ela é quente como o verão, a luz do sol nos cachos. Olhos como o cisne Zilião que nada nos riachos.


Quando a lua cai o povo dorme, mas a princesa acorda escondida. Pela Estrada do Galo ela foge, no monte Tauz não é seguida.


No Vale Assombrado ela chora, sobre flores ela se derrama, por seu povo Noctigar à fora, onde a angústia se esparrama.

Sempre com o negro da noite nos adornados vestidos de cetim, para dançar mascarada na corte: vinho escasso e música no festim, nobres de Hoan, Adrados e Ninn.


A fome cresce sem a luz de Noctigar. Se caísse sobre as rochas de Tauz, talvez o reino iria brilhar, e o dia renascer em luz.


Sem a ilusão de um festejar, sem nunca saciar, sem o riso da criança cuja mãe perdeu a esperança. Sem o Zilião ser caçado pelo órfão desesperado.


Árvores morriam taciturnas e o frio beijava as flores. As aves se tornaram mudas e as noites perderam os calores.


Muito belas mas cruéis, eram as noites da cidade, onde cantando, os menestréis resgatam os sonhos da mocidade.


Ninguém pedia o que só ela daria. O dever da princesa é sagrado. Todos esperavam o que ela faria, no próximo dia de feriado.


Quando as tochas se ascenderam, e o rei desceu as escadas, grande jantar todos comeram, ainda que as ceifas fossem escassas.


Subiu na mesa perante o rei e convidados, e pisoteou os bolos que pareciam de limões. Beijou aquele príncipe de Adrados e correu como os foliões.


Os cavaleiros a seguiram em seus cavalos, mas a luz negra é mais rápida que o trotar. Ela nunca teria nenhum dos poucos amados, mas o sol voltaria a Noctigar.


Suas lágrimas banharam a terra quando ela subiu em Tauz e, contemplando a noite tão bela, seus olhos encontraram a luz


O rei traíra um antigo acordo, brincou com um coração. Em sua viagem para o porto ele trouxe a desolação


Pois a bruxa era a dona do lugar. Ainda que nunca se revelasse, Era sua a Noctigar, ainda que seu nome ninguém desvelasse.


Da floresta Encrespada lançou sua maldição, engolindo as lágrimas do traído coração.


Pois a mágoa é escura e sombria, e o sol por ali jamais nasceria. E em paixão absorto, o rei partiu do porto


Uma mulher para seu conforto trouxe uma luz pior que um aborto, pois o sol estava naquela criança, o sol de Noctigar. Ainda havia esperança para os filhos sob o luar?


"De suas lágrimas me compadeci, quando tocaram o meu chão. Pobre alma por quem sofri, de virtude mais pura que a flor do verão."


A lágrima de uma bruxa, mais poderosa que sete mares. Por ela tudo murcha ou volta aos seus lugares


A bruxa viu aquelas flores no Vale Assombrado


Onde todos viam terrores, a princesa semeou por seu amado reino de antigos louvores, quando o feriado retornou


Não era mais um dia de morte, mas daquela que voltou trazendo muita sorte: o sol que apaziguou! Todo o toque da morte. 


Naquele dia o sol descia como donzela em escada de fogo, e todo o reino a recebia: o ferreiro, o oleiro do povo, a corte que na praça se reunia, farta em alegria

Alva como porcelana de Ninn, o rosto em glória e luz, as faixas brancas do cetim, fitando a distância o jardim em Tauz.

A noite é eterna em Noctigar, mesmo que o astro cintile e clareie. A pálida virgem é o verdadeiro astro a reinar, na única noite que vem visitar os melancólicos filhos de Noctigar.

Fragmentos de Ecos EsquecidosWhere stories live. Discover now