De repente a vida muda

81 4 0
                                    

Durante o dia todo tenho sensações conflitantes: a de ter recebido aquela notícia terrível, de que o Rogério agora desfila com uma garota, e a de ter sido acudida pelo Pedro. Até alguns dias, tudo isso que está me acontecendo seria inimaginável.

Eu podia acordar mal-humorada, cheia de grilos, me achar diferente dos outros o tempo todo, mas, no fundo, no fundo, só o fato de saber que o Rogério chegaria de viagem me trazia tanta segurança - era como se eu fosse um barco e ele meu porto seguro.

De repente quebraram-se as amarras: meu barco ficou à deriva, perdido no meio do oceano - uma sensação de fragilidade, de total insegurança, apossou-se de mim.

E o fato de o Rogério estar namorando uma garota pouco mais velha que eu torna as coisas ainda piores. Meu amor profundo por ele agora se transforma em quase aversão. Eu nunca experimentara tanto sofrimento; era como se a minha alma tivesse se partido em duas.

A Viviane me levou algumas roupas e objetos de higienes e eu fiquei mais alguns dias ainda na casa da minha avó. E o Rogério desistiu de ligar. Só mesmo quando ele e seu avião decolaram do aeroporto é que concordei em voltar para casa.

Quando cheguei lá, encontrei os armários vazios - depois de resolver com a Viviane a separação, o Rogério não perdeu tempo: levou quase todas as coisas dele. O resto apanharia depois.

A Viviane explicou que eles combinaram que a separação seria consensual: então um único advogado poderia resolver a questão em poucos dias. Depois de um ano de separação legal, porém, ainda precisaria entrar com o pedido de homologação do divórcio. Coisas da burocracia brasileira. Em outros países, pede-se o divórcio direto. Eu, sendo ainda menor de idade, ficaria sob a guarda materna.

- Você tem alguma pergunta a fazer? - a Viviane concluiu, de um jeito tão racional que até me deu nos nervos.

- Esses detalhes todos da separação não me interessam - respondi, tentando parecer calma também. - O que eu gostaria de saber é como é que você nunca percebeu que o Rogério estava para ir embora. Vocês pareciam tão felizes... Nem brigar brigavam.

A Viviane sorriu tristemente

- Você sabe que eu também tenho pensado nisso? Há casai que brigam como cães e gatos e permanecem juntos a vida inteira. Talvez a briga ainda demonstre um certo interesse. Pra falar a verdade, Layla, eu já vinha notando mudanças no comportamento do Rogério. Você já é capaz de entender o que eu vou dizer: uma mulher percebe quando um homem deixa de amá-la e desejá-la.

- Você sabe que ele arranjou uma namorada de uns vinte e poucos anos, no máximo? - cravei, certeira, ciente da minha crueldade.

- Como você sabe disso? - havia um ar de incredulidade no rosto da Viviane, como se ela fosse uma criança descobrindo que Papai Noel não existe.

- Foi uma colega do colégio que viu o Rogério acompanhado de uma garota muito bonita. Até pensou que ela fosse a minha irmã mais velha...

- Patético! - A Viviane jogou os cabelos para trás. Ela sempre faz esse gesto quando fica desconcertada. - Deve ser a crise da meia-idade; os homens, quando começam a envelhecer, precisam provar que ainda podem conquistar alguém.

- De preferência uma garota para exibir para os outros, né? - arrematei. - Só falta ele ter filhos com ela. Ia ser realmente um barato ganhar meios-irmãos.

- Você parece estar se divertindo com isso - criticou a Viviane.

- Eu, me divertindo? Corte essa, Viviane. Eu to mais  é ardendo de raiva. Ele que pegue a namoradinha dele e se mande pra qualquer lugar do planeta, que eu não quero ver a cara dele nunca mais...

- Pois essa raiva não levará você a lugar nenhum - devolveu a Viviane. - Confesso que, mesmo tendo percebido mudanças no Rogério, fiquei completamente abalada quando ele me pediu a separação. Mas tento me controlar, afinal agora sou a chefe desta família. Mas não está sendo fácil, Layla!

Olhei para a Viviane e senti pena. O rosto dela estava pálido, com olheiras. Ela não devia estar dormindo bem ultimamente. Parecia também que tinha emagrecido. Talvez se controlasse mesmo por minha causa. E eu não estava ajudando em nada.

- Não precisa se preocupar comigo, Viviane, eu me aguento. Você tem razão, essa raiva acaba passando... Ainda bem que ele não ficava em casa o tempo todo, isso ajuda.

- Quando veio buscar as roupas dele, o Rogério comentou que ficou muito magoado por você não querer falar com ele, nem mesmo pelo telefone...

- Coitadinho. To morrendo de pena dele, sabia? Quando é que ele vem buscar o resto das coisa?

- Na próxima folga.

- Me avise pra eu ficar bem longe de casa.

De certa forma foi legal essa conversa. Afinal, agora seríamos só nós duas, não é? Não é que a Viviane tenha se transformado na minha melhor amiga, de repente, mas já dá para aceitar a situação. Com uma inimiga é que não dá para conviver...

Dias depois, o Rogério voltou de viagem e apareceu para buscar o resto das coisas dele, como ficou combinado. Enquanto isso, eu me mandei para a casa da minha avó. Ia demorar um bom tempo para ter coragem de encará-lo. Tinha perdido a graça.

Agora, quando eu cruzava com o Pedro no corredor do colégio, no pátio, ele me perguntava:

- Como é que vai indo, Layla, já está dando pra enfrentar a barra?

Eu adorava isso, era como se a gente tivesse uma linguagem cifrada que só nós dois entediámos. Respondia toda feliz:

- To indo mais ou menos, mas eu chego lá.

Na vida real era assim; na outra, na virtual, a coisa continuava indo cada vez melhor. E o Pedro, a minha paixão secreta, jamais, em tempo algum, desconfiaria que nós duas éramos a mesma pessoa. Nesse mistério é que residia todo o charme do nosso relacionamento.

A notícia da separação dos meus pais correu o colégio - a Letícia, que flagrara o Rogério, deu com a língua nos dentes. Tive que ouvir comentários do tipo: 'Também, gatão daquele jeito... até que demorou muito".

Mas, como toda novidade, a fofoca causou agito no começo, mas agora ficou velha, passou. Ainda bem.

A Roseana e a Tatiana, minhas amigas do peito, me deram a maior força. Não ficaram comentando o assunto, respeitaram a minha dor, o meu desapontamento e estavam sempre presentes quando eu queria desabafar. Eu desabafei pra valer. Exorcizei o diabo, digo o Rogério, de tudo que foi jeito. Até que eu mesma cansei e resolvi dar um basta. Ele que seguisse a própria vida enquanto eu ficaria na minha.

Depois, era o tempo de provas e eu mergulhei de cabeça nos estudos. Passei com boas notas para o segundo, o que deixou a Viviane contente.

Ela se esforçava ao máximo para estar em casa, passou a chegar mais cedo da revista. Acho que queria me dar mais apoio, sei lá. E a gente começou a conversar mais... Às vezes ela pedia comida pronta e daí emendávamos altos papos.

Até perguntei se ela pretendia se casar novamente, ao que ela respondeu:

- Não estou pensando nisso, por enquanto. Não dá para sair de um relacionamento de tantos anos e encarar outro logo em seguida. Não me sinto preparada

- Mas o Rogério estava preparadinho da silva - disparei.

- Ele se apaixonou, ou pensa que se apaixonou, e isso é diferente. Paixão não escolher hora nem lugar - ela rebateu.

- Mas ela é tão jovem! Será que eles têm interesses comuns, além de sexo? Sei não, isso nem pode durar. Se ele quisesse voltar, você o aceitaria?

- Não acredito muito nessa história de amor requentado. Acho que eu e o Rogério podemos até continuar amigos, afinal temos uma filho juntas, mas voltar a ser o que era antes, acho muito difícil. Não tem mais clima.

Como é duro ser diferenteWhere stories live. Discover now