Torpedo na biblioteca

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Desde criança eu adoro ler. A biblioteca do colégio está cheia de livros interessantes, sem falar nas enciclopédias, jornais e revistas, onde a gente pode pesquisar à vontade.

Como volto sozinha para casa, depois das aulas, sempre dou uma passadinha por lá para tirar ou devolver algum livro.

Hoje, parece que é meu dia de sorte: assim que entrei, dei de cara com o Pedro fazendo pesquisa. Só de olhar para ele meu coração acelera e começo a suar. Eis a paixão da minha vida, a pouco passos, na mesa perto da  janela.

Pego o livro que me interessa e me ponho a ler em outra mesa. Mais finjo que leio, enquanto ele, superconcentrado, nem levanta os olhos.

Eu preciso dar um jeito, urgente, de dizer que estou lou-ca-men-te apaixonada por ele! Mas, como? Chegar assim, como quem não quer nada, e puxar conversa? Não vai adiantar, do jeito que ele está interessado no trabalho, não vai sobrar atenção para mim.

Conseguir o telefone dele e ligar pedindo ajuda em alguma matéria? Pega mal, ainda estou no primeiro ano, ele está no terceiro; seria mais normal que eu pedisse para alguém da minha classe.

Nas baladas, ele nunca vai, mesmo quando é convidado; diz que prefere ficar em casa, testando seus experimentos. Parece que é fissurado em robótica. Inventa robôs e coisa do gênero. Qualquer dia ele vai criar uma inteligência artificial, tipo aquele garoto do filme do Spielberg que eu adoro. E, genial como é, eu não duvido que possa conseguir.

Como é que a gente conquista um gênio desses, distraído, enigmático, com a cabeça na lua? Que só pensa em pesquisar e inventar coisas? Mas ele também é humano: tem de haver alguma forma de atingir aquele coração.

De repente, me vem uma idéia: se dizem que a melhor defesa é o ataque, então por que não atacar direito, mostrar que eu existo e estou afim dele pra valer?

Pego um pedaço de papel, rabisco uma frase só, enquanto meu coração dispara no peito: sua louca, sua louco, sua louca!

Levanto de supetão, passo pela mesa onde o Pedro está, ele nem levanta os olhos, entretido com a leitura, e largo o bilhete, todo dobrado, como quem não quer nada.

Ando, tentando não correr , até a saída. A bibliotecária, minha velha conhecida, sorri pra mim:

- Não vai levar nem um livro desta vez?

Puxa, esqueci o livro lá em cima da mesa. Disfarço, enquanto tendo ver se o Pedro já achou o bilhete:

- Estou com um pouco de pressa, amanhã venho buscar.

- Tudo bem. Nossa como você está corada, tomou muito sol?

Saio quase correndo da biblioteca. A qualquer momento o Pedro vai achar o bilhete, não assinei nada, escrevi só aquela frase. Acho que ele nem deu pela minha presença, melhor ainda se ficar desconfiado. Imagine ele fechando o livro, dando com o papel dobrado em cima da mesa; impossível não ter curiosidade de abrir. Ele tem de abrir. Então ele lerá a frase:

Você é lindo!

Na certa, olhará em volta para tentar encontrar quem deixou o bilhete. Talvez, na saída, pergunta para a bibliotecária se entrou alguém ali enquanto ele estava lendo o livro. E talvez ela diga: ''Só a Layla''. E ele responderá, curioso: ''Layla?'' A bibliotecária então completará: ''Aquela garota simpática do primeiro ano que vive na biblioteca, você não a conhece, não?

É o mínimo que ela pode dizer: ''simpática''. Eu sempre fui educada com ela... Só espero que ela não fale: ''Aquela garota feinha, meio sem-sal do primeiro ano... ''Ah, ela nunca diria isso, ela é uma senhora gentil com os alunos: mas, sei lá, nunca se sabe.

E qual será a reação do Pedro? Vai sair perguntado pelo colégio se alguem conhece alguma Layla? Ou simplesmente vai jogar o papel no lixo pensando: ''Vá ser metida assim noutro lugar...'' 

Aí meu Deus, que vergonha! Como eu tive coragem de fazer uma coisa dessas? Atacar o garoto do jeito mais ridículo de todos, deixando um torpedo na mesa dele? Comi você é idiota, Layla!

- Desde quando você fala sozinha?

Olho em volta, dou de cara com a Roseana, que vem saindo da diretoria, os olhos vermelhos, parece que chorou.

- Tô falando sozinha sim, e você aí com esses olhos inchados... - rebato, de mau humor.

- Nem  venha, que hoje eu tô querendo pegar alguém pra socar até...

- Epa, calma aí, o que foi que aconteceu? Vi você saindo da diretoria; eu jamais imaginaria uma coisa dessas...

- Ponha coisa nisso. Tem um tempinho? Preciso desabafar com alguém, senão vou explodir de tanta raiva.

Levo a Roseana para o pátio, deserto àquela hora. Sentamos num banco embaixo de uma árvore. Tudo deserto, privacidade garantida.

-Desembuche, aí, Roseana, que você tá me deixando nervosa.

A Roseana então me diz o que eu já estou careca de saber: ela é a melhor aluna de português do colégio todo, quer ser jornalista investigativa, lê muito e faz as melhores redações do colégio.

Todo ano, a professora de português dá uma lista de livros para a gente ler, escolher um e depois fazer um trabalho sobre ele.

Tem muitos alunos que  leem por obrigação, por causa da nota; outros com a Roseana e eu, leem por prazer. Mas na hora de fazer o trabalho, é que a coisa pega. O pessoal que pega no pé da Roseana por ela ser gorda nessa hora vem atrás dela, é a turma do baba-ovo, que além de bajular os professores, não se acanha em pedir favor, na maior cara dura.

Resumindo  a história: tanto um desses baba-ovo encheu a paciência da Roseana que ela fez uma resumo do texto para ele.

- Hoje, qual não foi meu espanto, quando, no final das aulas, fui chamada à diretoria, para dar uma explicação sobre isso, desabafa a Roseana, furiosa.

- Descobriram que você fez trabalho para tal pessoa...

-... que tirou xerox do trabalho e vendeu, você está ouvindo?, vendeu cópias para um monte de gente também devia ler aquele livro. Claro que a professora descobriu, apertou um deles e, no final das história, sobrou pra quem?

- Não acredito!

- Pois pode acreditar, Layla. A sorte é que também o diretor acreditou em mim quando eu tentei explicar a  razão de ter feito o trabalho. Não sei o vai acontecer com eles, mas quase pego uma suspensão por querer ajudar um colega. Se cruzar com ele, eu nem sei o que sou capaz de fazer.


Como é duro ser diferenteWhere stories live. Discover now