Devagar também se chega

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Não sei é assim em todas as escolas, mas aqui, para não quebrar a cara, a gente tem que aprender algumas manhas. Uma delas, por exemplo, é muito importante na hora de escolher colegas para formar a sua esquipe de pesquisa para determinada matéria.

Tem umas bastantes óbvias, claro!, como querer os melhores alunos da classe na sua equipe. Eles são sempre os primeiros escolhidos. Depois vêm os reservas do time, também disputados porque são bons no serviço duro de pesquisas, e, por último, os que dão o "toque final" no trabalho.

Essa disputa pelos candidatos às vezes causa alguns constrangimentos, porque os colegas mais fracos na matéria vão ficando para o fim, desprezados mesmo.

O pior caso é o da Mariana, que ninguém escolhe até o final. Aí vem um professor e fala que não pode ficar de fora de nenhuma equipe. Democraticamente todos os alunos têm que participar.

Então os chefes das equipes tiram no palitinho quem vai ficar com a Mariana, e nem se dão ao trabalho de disfarçar. Ela fica ali, esperando saber qual grupo vai "aceitá-la".

Acontece que a Marina não é devagar porque quer. Tem um problema chamado dislexia; isso causa muita dificuldade no aprendizado, principalmente na escrita: ela escreve de um jeito diferente, tudo ao contrário.

Outro dia, li numa matéria muito interessante sobre dislexia, mostrando pessoas famosas que tiveram ou têm isso. O Leonardo do da Vinci, um artista italiana muito respeitado e famoso - autor daquele quadro famoso, a Mona Lisa ou Gioconda, exposto lá no Museu do Louvre, em Paris -, era disléxio; seus escritos parecem vistos através de um espelho, iguaizinhos aos cadernos da Marina.

Outro disléxio famoso é o ator Tom Cruise - ele disse numa entrevista que não consegue ler direito os roteiros dos filmes, o que não impediu que ele tivesse sucesso e fosse indicado três vezes para o Oscar.

As pessoas disléxias costumam ter dificuldades para seguir um curso numa escola. Na hora das provas, por exemplo, talvez fosse melhor que elas fizessem a prova oralmente, para evitar que o professor tivesse dificuldade de entender o que ela escreveram.

Mas o pessoal não sabe disso ou não quer saber e vai logo tirando sarro. O apelido da Marina é Tartaruga - a devagar. Se soubessem como ela se esforça para aprender!

Outro dia fui escolhida para ser chefe de uma equipe e fiz o contrário escolhi a Marina em primeiro lugar. A turma chiou mas eu nem aí. Se ela tem de fazer parte da equipe de qualquer maneira, para que humilhá-la? Ela ficou tão feliz que valeu a pena.

Outro que também passa por esses apuros é o Raul. Nas aulas de educação física, ele sempre fica de fora das equipes da basquete, vôlei etc... ou é escolhido por último, assim só se o professor obrigar.

O Raul é inteligente, superligado em filme de arte e poesia, é músico e toca violino desde garoto. Mas não se liga em esporte. Por conta desse detalhe, botaram o apelido de Perna-de-pau. Ele não dá muita bola pra isso, ou finge que não dá. O mundo dele é outro.

Cada vez mais me convenço de que essa mania de discriminar e botar apelido nos colegas não leva a nada. Cada pessoa tem um tipo de beleza, um talento oculto. Veja  o caso da Roseana, que não liga mais para os comentários sobre ser gordinha e está apostando tudo nos seu futuro de jornalista investigativa.

Ela dirige o jornal do colégio, que é muito bem-feito e já ganhou prêmios. O último, a Roseana é que foi receber, junto com a equipe toda, que inclui a Carol, a Bela. Por sinal a Carol diz que está cheia de passar por miss do colégio - afinal, ela é uma pessoa com cérebro e os outros só elogiam o seu exterior, sem se preocupar com o que ela pensa. Ainda mais que é loira natural, e existe aquele estereótipo idiota da "loira burra".

A Roseana, quando foi receber o tal prêmio, ficou conhecendo o Gilberto, que dirige o jornal que ficou com o segundo lugar. Veio contando maravilhas do "colega", que também quer ser jornalista investigativo. Eles trocaram as maiores  figurinhas e agora vivem se falando.

Quanto à minha paixão sobre o Pedro, o que posso dizer é que a coisa está indo muito bem - o mais divertido é que  ele nem desconfia que seja eu a autora do "feitiço". Outro dia encontrei novamente com ele no corredor e agradeci a dica do Radamés. Ele foi gentil, mas não passou disso.

Ele deve estar com a cabeça na outra, que ele ainda não descobriu quem é. Mais dia, menos dia, ele vai querer conhecê-la e aí, dona Layla, é que a senhora vai ter de se revelar uma estrategista de primeira.

Não posso mais contar coma minha "espiã",  a irmã da Tatiana, porque ela brigou  com o amigo do  Pedro. Briga de namorado é fichinha perto da separação de casais. A maioria dos meus colegas tem pais que estão no segundo ou mesmo no terceiro casamento. O mais interessante é que eu, a Tatiana e mais uns dois ou três colegas temos pais que ainda estão no primeiro casamento. Outro dia, o Renato me disse uma coisa curiosa, que eu nunca tinha pensado.

- Olhe, Layla, eu tenho dois meios-irmãos por parte de mãe e dois por parte de pai. Levo vantagem porque, além de ser filho dos dois, ainda tenho um monte de avô e de avó, ou mesmo dos meus meios-irmãos entendeu?

- Como, assim? - perguntei  sem entender muito bem o que ele queria dizer. Falta de prática, né?

- Veja bem - o Renato explicou: - Quando chega o Natal, por exemplo, os avós dos meus meios-irmãos dão presente pra eles certo? Agora, como a gente vive tudo junto, os cindo na mesma casa, fica chato não dar presente pra mim também. Sem falar que, em vez de ter duas casas de avós, os pais do meu pai e da minha mãe, eu também tenho a casa dos avós dos meu meios-irmãos. É só fazer a conta.

- Mas que felizardo! Isso nunca me passou pela cabeça.

- Se os seus pais se divorciarem, casarem novamente e tiveram outros filhos, isso pode acontecer com você também.

- Bata na madeira, cara, pra mim está bom do jeito que está, os dois juntos.

- Nunca se sabe. Eu nasci  por último, mas os meus irmão dizem que não foi fácil para eles quando os pais se separaram. Hoje eles estão acostumados, não se chateiam tanto com o assunto, e acho que o que ajudou é que a gente convive  numa boa lá em casa. Pai, mãe, padrasto, madrasta, enteados, meios-irmãos... Mas tem muita gente aí que nem se dá bem com os pais biológicos, não é mesmo?

- Eu que o diga, Renato, eu que o diga! A Viviane é minha mãe biológica e me  tira do sério na maioria das vezes.

Como é duro ser diferenteWhere stories live. Discover now