Uma história e tanto

112 5 0
                                    

A biblioteca do colégio é dirigida pela dona Cacilda. Quando ela completou trinta anos de trabalho, teve a maior festa: a dona Cacilda recebeu uma medalha por ter se tornado a decana, quer dizer, a mais antiga funcionária da escola.

Dona Cacilda aposentou-se mas continuou trabalhando. Ela não vive sem a biblioteca, ela respira livros. De certa forma, é a avó querida de todos os alunos. Todo mundo mesmo que não gosta muito de ler, respeita e admira a dona Cacilda.

Ela trabalha sozinha, porque é muito exigente: a biblioteca é o reino dela. Ás vezes, ela aceita algum aluno como estagiário; mas ai de quem estragar um livro. Isso também vale para quem empresta livros da biblioteca circulante como eu. Eu sou meio relaxada e um dia devolvi um livro manchado, porque deixei cair refrigerante nele. Levei a maior bronca! Depois dessa chamada, aprendi a ser mais cuidadosa.

Como eu tinha deixado o tal bilhetinho para o Pedro em cima da mesa, resolvo voltar à  biblioteca para sondar a dona Cacilda. Quem sabe ela não me diz se o meu gato apanhou o torpedo...

Pego o livro que me interessa e, na saída, puxo conversa:

- Tudo bem, dona Cacilda? Como vão os netos? 

- Maravilhosos como sempre - ela sorri. Dona Cacilda está sempre com o cabelo arrumado, de saia e blusa, como se fosse um uniforme. Se alguém precisa de ajuda em qualquer matéria, é só falar com ela: tem sempre um livro especial para indicar e dar reforço. E no caso de precisar se abrir e desabafar, ela escuta com paciência. Dona Cacilda é mesmo a nossa avozona.

- Outro dia esqueci um papel em cima de uma dessas mesas, será que a senhora por acaso achou? - jogo verde pra colher maduro.

A resposta me surpreende:

- Achei, sim, Layla, está aqui guardado na minha gaveta. Eu até vi quando você... o esqueceu sobre a mesa.

Na seqüência, abre a gaveta, me entrega o bendito bilhete e completa:

- Por respeitar a sua privacidade, eu não abri, fique sossegada.

Pego o bendito torpedo, abro e leio a frase fatal:

Você é lindo!

Coloco no bolso, com cara de idiota. Deu zebra: o Pedro nem pegou o bilhete. Sorte que a dona Cacilda também não leu. Ela é muito correta, se falou que não leu é porque não leu mesmo. Ainda bem; eu ia morrer de vergonha.

- Você tem um tempinho, Layla? - pergunta ela, assim como não quer nada.

- Tenho sim.

- Você sabe, querida, que eu estou há mais de trinta anos aqui no colégio. Conheço todos os alunos e tenho um carinho especial por vocês.

- A gente sabe disso - Respondo e fico pensando o que será que a dona Cacilda está querendo com essa conversinha.

- Se você me permite, eu já disse que a vi esquecendo o bilhete sobre a mesa...

- É, eu sou muito distraída, mesmo.

- Olhe pra mi, Layla, eu também já fui jovem, eu sei muito bem como são essas coisas...

- Que coisas, dona Cacilda? - Ainda tento ficar na defensiva. Pensando bem, ela está passando dos limites.

- Paixão querida, estou falando de paixão. Você está apaixonada pelo Pedro, não está? Tem bom gosto; ele é uma gracinha de garoto.

Sinto meu rosto pegar fogo, de tanta vergonha. Quem a dona Cacilda pensa que é para me cobrar explicações? Nem a Viviane ou o Rogério fazem isso...

Como é duro ser diferenteWhere stories live. Discover now