O mapa da mina

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Aquela conversa com a dona Cacilda me fez pensar. Concordo que o Alex e a Mildred foram rápidos demais no relacionamento e ainda por cima vacilaram: bastava usar camisinha e estariam aumentando as chances de prevenir a gravidez. Muitos professores e muitos pais não cansam de falar, de alertar. O bebê é uma gracinha, mas a gente tem a vida toda para ter filhos... Ser pai e mãe na adolescência é marcar a maior bobeira.

Agora, que a dona Cacilda que me perdoe, mas não vou desistir do Pedro. Eu sou mais eu. Apesar de me sentir meio diferente dos outros, ou por isso mesmo, sei muito bem o que desejo da vida. Claro que quero ficar com o Pedro, mas ir além?... Ah, só quando me sentir preparada, para não me arrepender depois.

Aliás, mais preparada do que eu a respeito a sexo, impossível. A Viviane, desde que eu tive a primeira menstruação, me explica tudo. Acho que como o meu pai está sempre longe, ela se sente super-responsável por mim.

Ela não perde uma oportunidade para vir com suas conversinhas sobre sexo. O discurso parece lição de biologia. No começo eu  até achei engraçado:

- Olhe, Layla, espero que, a partir de hoje, você seja esperta e não faça nenhuma besteira. Você sabe que já pode ser mãe. A natureza não brinca em serviço, minha filha, ela quer mais é que a espécie se reproduza.

- Qual espécie? A do Homo sapiens? - provoco como sempre.

- Haja paciência! Se você quer levar para o lado da brincadeira, tudo bem, estou fazendo a minha parte. Você percebeu que, hoje em dia, as garotas estão engravidando cada vez mais cedo, algumas aos dez anos crianças grávidas de outras crianças! Sem falar no aumento das doenças sexualmente transmissíveis, por falta do uso de preservativo.

- Quer dizer que eu vou ganhar um pacote de camisinhas no meu aniversário? Legal! - continuo provocando. Aliás, provocar a Viviane é o meu esporte favorito. Adoro ver até onde ela consegue manter o controle emocional, testar  o seu limite máximo.

Mas a Viviane não é moleza, não. Desde aquele dia ela não para de falar nisso. Parece até uma sexóloga... Ela sempre diz que o sexo deve ser encarado como uma coisa natural, sem malícia, e deve ser feito com responsabilidade, na época certa e com a pessoa certa.

Uma coisa eu tenho de admitir: apesar de me irritar muito com a Viviane, ela é papo-cabeça, posso falar qualquer assunto com ela, não tem essa história de ficar chocada, como algumas mães e pais que conheço. Por que será que os adultos têm tanto medo de falar de certos assuntos? Será que os adultos pensam que os filhos deles vão ser sempre anjinhos inocentes?

Quanto a mim, não pretendo transar com o Pedro agora, quero mais é conquistá-lo de-va-ga-ri-nho. Tem de haver uma forma de conquistar esse gato, meu Deus! 

O que sei sobre o Pedro é que ele é fissurado em robótica - e eu não entendo nada disso - e que vive trancado no quarto. Talvez eu deva invadir aquele bunker para ter alguma chance!

Estou no chuveiro, pensando em como conquistar a minha paixão, quando uma faísca ilumina meu cérebro de repente. Que idéia genial! Como eu nunca pensei nisso antes?

Quem poderia me ajudar? Alguém que conheça o mapa da mina claro! Apesar de ser um lobo solitário, de viver numa ilha virtual, ele deve ter algum amigo mais chegado que, com um pouco de sorte posso conhecer.

Enquanto  subo à tona, feito submarino, fico divagando: sou diferente do Pedro em tudo - ele é fanático por robótica, o futuro; eu prefiro o passado.

Lembrei do dia em que, zapeando a TV, achei um programa bárbaro sobre paleoantropólogos: aqueles cientistas que estudam a evolução humana desde os grandes primatas até o Homo sapiens. Gostei tanto desse assunto que quando a Viviane quis saber se eu já tinha pensado que carreira pretendia seguir, disse que seria uma paleoantropóloga. Ela quase caiu de costas:

- Pobre de sua pele! Vai curtir feito couro trabalhando no sol para descobrir as ossadas lá na África... Pelo menos foi lá que descobriram os fósseis mais importantes.

- E daí? Quando eu ficar famosa e publicar meus artigos na maiores revistas científicas e aparecer até na TV, garanto que você vai ficar orgulhosa da sua garotinha.

- Só que pra ficar famosa, minha querida, leva muito tempo. Pensa que é só querer? E que faculdade você vai cursar pra se tornar paleoantropóloga, me diga?


- Ah, deixe comigo que eu descubro. E pense que eu vou ficar só na África, não, Viviane. Eu também posso pesquisar nas cavernas dos Neandertais, espalhadas pela Europa, e talvez possa ir até para a Ásia.

A Viviane me deu aquela olhada de mãe que parece vir com legenda: " A quem será que essa menina puxou, meu Deus? De onde veio essa criatura alienígena?" Ela possivelmente quer que eu siga uma dessa profissões tradicionais - paleoantropóloga deve soar para ela como um palavrão.

Mas, voltando ao Pedro, como é que eu, vidrada no passado, vou conquistar uma cara que só pensa no futuro? Haja imaginação!

A sorte acaba dando uma mãozinha. Depois de alguns dias, descubro que posso ter uma preciosa ajuda. Procuro Tatiana, minha amiga do peito, assim como quem não quer nada:

- Será que você me faz um favorzinho? Coisa de amiga mesmo, mas tem de ser no maior segredo, não pode abrir pra ninguém. 

- O que você vai aprontar, hein? Veja se não me mete em confusão.

- Coisa à toa, Tatiana, merreca. A sua irmã namora um carinha do terceiro ano, não é?

- Namora sim, ele é dez.

- O negócio é o seguinte: preciso de uma informação sobre o Pedro, aquele cara que é o gênio do colégio, sabe quem é?

- Sei, sim, puseram até um apelido horrível nele: QIespanto. Mas o que tem a ver o Pedro com a minha irmã?

- É que o Pedro tem poucos amigos, e o namorado da sua irmã é um deles. Então, talvez ela consiga a informação que eu preciso.

A Tatiana tenta desconversar;

- Não sei, a minha irmã pode não concordar.

Quase imploro:

- Tatiana, faça isso por mim. É  único jeito, é questão de vida ou morte.

- Como você é dramática! Por que tanto interesse no cara, posso saber?

- Depois eu conto. Você consegue a informação pra miim?

- Tá legal, você sempre me deu apoio quando a turma vem zoar comigo. Vou ver o que posso fazer, mas não prometo nada. A minha irmã detesta que invadam a privacidade dela.

Dias depois, a Tatiana aparece toda sorridente e me entrega um papel dobrado:

- Está aqui, Não foi fácil, não. Se disser que fui eu que consegui, eu nego.

Pego o papel como se pegasse a senha para o paraíso:

- Valeu, amiga. Fico devendo essa.

Como é duro ser diferenteWhere stories live. Discover now