Prólogo - Um dia antes das férias

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O condomínio onde moro com meus pais é bem perto da parada de ônibus, eu podia ter ido para a escola de carro, agora que sou maior de idade e tenho carteira, mas acho desnecessário. Fortaleza é meio perigosa, só que eu não gosto de ficar gastando demais com gasolina sem necessidade.

— Seu Gilson, boa tarde. — sorrio para o porteiro, o cumprimentando e ele acena para mim.

— Boa tarde dona Laura! Tem correspondência pra vocês, posso entregar pra senhorinha?

— Claro que pode. — Paro em frente a portaria, esperando ele me entregar as contas. — Eu já disse ao senhor que não precisa me chamar de senhorinha, nem precisa do dona Laura!

— Ah... Mas é que tem muito morador que não gosta de intimidade com porteiro, aí eu até esqueço de quem não se importa.

— Tudo bem seu Gilson, não tem problema. — Pego a correspondência das mãos dele e ofereço um sorriso simpático.

No elevador, enquanto subo para o apartamento, fico pensando nos meus pais e um certo frio na barriga me atinge. Eles vão para a França visitar a minha irmã, é a primeira vez que vou ficar tanto tempo sozinha em casa. Não tenho muitos problemas com isso, mas vai ser estranho passar as festas sem a animação dos dois.

Quando às portas do elevador se abrem no vigésimo andar, eu respiro fundo e caminho até a porta. Estou curiosa de verdade para saber o que meus pais estão aprontando.

Pego minhas chaves e abro a porta do apartamento, assim que entro em casa, vejo minha mãe puxando uma mala.

— O voo não era na segunda? — pergunto, arqueando a sobrancelha e ela sorri para mim, passando uma mão pelos cabelos.

— Oi querida! Adiantaram nosso voo, era uma das coisas que precisávamos falar com você. — Eu paro em frente a minha mãe e ela me dá um abraço e um beijo na bochecha.

— Que horas vocês vão?

— Hoje a noite meu amor, seu pai tá no quarto tentando arrumar as malas sozinho, quanto tempo você acha que ele demora pra desistir? — Mamãe sorri para mim de um jeito divertido e eu penso um pouco.

— Quanto tempo faz que ele tá tentando?

— Uns vinte minutos.

— A qualquer momento, no máximo daqui mais vinte ele vem pedir a sua ajuda, vai ver que eu tô aqui e a gente vai terminar arrumando as malas dele. — sussurro e minha mãe dá aquela risada gostosa que só ela sabe. Lembro de Thiago sempre falando como a "dona Ana" é uma figura.

— Então deixa eu ser rápida... Você se lembra daquele amigo de infância do seu pai? O que era diplomata...

— E largou tudo para ir pra Coréia do Sul? Sim, não dá pra esquecer, o papai fala dele toda hora. — Completo.

— Os filhos dele vão vir visitar o Brasil, combinamos de recebê-los e como eu e seu pai vamos viajar...

— Mãe... — falo para ela, arregalando levemente os olhos. Eu sou uma péssima anfitriã, minha mãe sabe disso, quer dizer, ok, eu não sou péssima, mas eu nunca sei agir direito com gente que eu não conheço.

— Querida não tem com o que se preocupar, eles são ótimos. — Ela diz com um sorriso suave e eu respiro fundo, tentando conter meu desespero. Pode parecer exagerado, mas estou vendo tudo que planejei escorrer pelos meus dedos, eu só queria ficar em casa e estudar. Além de toda a parte de esquecer o Thiago, mas não preciso falar disso com a minha mãe.

— Mãe você não tem como saber que eles são ótimos, você não conhece eles! Além disso eu planejei passar esse tempo estudando, a senhora sabe que eu não vou pra França por isso.

— Laura, mulher, confie em mim, eles são ótimos e você vai ter tempo de sobra para estudar, filha você já estudou tanto esse ano... Pode dividir os estudos e a diversão ao menos nas férias. — Mamãe dá uma pausa e eu tento não revirar os olhos, sei que ela só quer que eu aproveite um pouco, mas ando nervosa demais para isso. — Você só precisa buscá-los no aeroporto e...

— Eu preciso de ajuda com as malas. — Meu pai entra na sala emburrado, parecendo estar extremamente frustrado e nós duas caímos na risada. — Vai rindo que eu te deixo de castigo por um ano. — Ele resmunga contrariado e eu me aproximo, dando um beijo em sua bochecha. — Eu ouvi a conversa de vocês, Laura, você precisa relaxar um pouco, passeie com eles e no tempo livre você estuda. — Papai me olha com os olhos castanhos cheios de esperança e eu estou rendida. Sei que se eu negasse e batesse o pé, os dois cancelariam a viagem e lidariam eles mesmos com as visitas, mas eu não quero ser esse tipo de filha. Sorrio a contragosto e reviro os olhos. — Eu prometo que vai ser legal e que você vai ter tempo para estudar também.

— Tudo bem, tudo bem, vou bancar a anfitriã por vocês, vou até dar uma daquelas festas loucas de filme americano e destruir o apartamento, ok?

— Até que enfim. — Mamãe brinca e todos rimos. Caminho com eles para o quarto, para arrumarmos as malas do meu pai.

Os dois vão na frente e eu olho para eles com um sorriso leve, meus pais formam o casal mais bonito que eu já vi. Minha mãe é baixinha, enquanto o meu pai é muito alto para a média cearense, ele está com os cabelos e a barba quase completamente grisalhos, mas ainda tem uns fios castanhos no meio. Meu pai, Fábio, tem uma cara de brutamontes quando está sério, mas basta um sorriso para essa impressão sumir. Já a dona Ana tem cabelos cacheados pretos que passam um pouco dos ombros e parece uma boneca, com a sua pele perfeita e o batom sempre vermelho nos lábios finos. Enquanto caminho com eles para o quarto, vejo o espelho do banheiro e sorrio. Sou uma mistura meio desgrenhada dos dois, não tenho a graça da mamãe, mas herdei uma parte da beleza dela. Meus cabelos são castanhos, um tom bem claro e como vou muito a praia são aloirados. Os cachos parecem com os da minha mãe, mais abertos, ficam quase ondulados quando eu quero. Herdei meus olhos esverdeados da minha avó paterna, os lábios também são da família do meu pai. Em personalidade era a mesma coisa, havia herdado o lado sentimental da dona Ana, chorava por tudo, sorria tanto quanto, mas o meu gênio com certeza era igual ao do meu pai.

Enquanto arrumamos as malas entre risadas e brincadeiras, eu penso que faria qualquer coisa por esses dois. Não tenho do que reclamar, tenho pais incríveis e posso adicionar mais um item a minha lista de férias, digo para mim mesma.

1. Estudar para os próximos vestibulares.

2. Esquecer a paixão platônica pelo Thiago.

3. Ser uma ótima anfitriã e fazer com que esses jovens coreanos se divirtam em Fortaleza.

Eu conseguiria fazer aquilo, e daria um jeito de me divertir mais e aproveitar um pouco das férias no processo, talvez meus pais tenham razão, eu preciso relaxar mais. Já que o Ensino Médio havia acabado, podia fazer daqueles dias o início de uma nova etapa.

Sob o mesmo solWhere stories live. Discover now