Marés

416 57 55
                                    


🌊🌊🌊

Ir para seu escritório e pensar em usar seu trabalho como distração estava fora de cogitação. Nem se quisesse conseguiria sentar na cadeira e produziria algo, um esboço sequer. Nada de produtivo sairia da sua cabeça naquele momento.

Após trocar as roupas molhadas, Nico enfiou-se na cozinha e preparou o café da manhã reforçado. Vez ou outro, de minuto em minuto, ia até ao corredor só para ter certeza de que ele estava mesmo ali, em seu sofá.

Meio apático, ele comeu. Forçando a comida para dentro. Tentando ao máximo não pensar em tudo. Criando uma barragem mental, liberando as informações de pouquinho, ao invés de uma correnteza desenfreada.

Seu eu de dezesseis anos àquela altura já teria surtado e entrado em pânico. Se encolhido em um canto e chorado o quanto pudesse.

De nada adiantaria aquilo. E percebeu que para alguma coisa a terapia servia. E fez nota para não reclamar tanto.

Nico manteve-se atento a qualquer som que viesse da sala, quando começou a lavar as louças. Mesmo quando subiu para o quarto e o arrumou. Livrou seus livros do pó e os reorganizou por tamanho e ordem alfabética. Manter-se ocupado era necessário.

O trabalho doméstico era quase terapêutico e podia considerar como um dos seus hobbies não oficiais. Era uma das distrações que usava nos dias infrutíferos. Geralmente praticava no apartamento, ou como desculpa para ir a casa de praia. Arrumar, limpar e reorganizar. A desconfiança o distraía, o frustrava, minava sua criatividade. No final a desconfiança se tornou real. Era corno. Mas não consciente, tampouco manso. Dera um fim. Acabou-se. E se foi mais um.

A cidade pareceu despertar, tão logo. O barulho dos carros e motos passou a ecoar do lado de fora. Um ir e vir frenético de pessoas que poluía o ar com seus sons diversos.

Nico estava saindo do banho, enxugando os cabelos escuros, quando ouviu o barulho. Um grito agudo e vidro se estilhaçando.

O homem correu desembestado corredor adentro. Indo direto a sala. Derrapando no assoalho ao passar pelo portal. Se deparando com a seguinte cena: a mesinha caída no chão. Seu abajur despedaçado no chão, a cúpula do objeto estava do outro lado do cômodo. E o rapaz bambeando no meio da sala, chupando o dedo, com uma expressão assustada.

Provavelmente havia se queimado ao tentar tocar a lâmpada. Não demonstrou qualquer medo com a chegada do homem. Muito pelo contrário. De início o ignorou, ao olha-lo bem. E girou nos calcanhares com cuidado. Cambaleante, como se a qualquer momento fosse perder os movimentos das pernas. Olhando em volta. Os olhos pousando em cada canto, com uma expressão de assombro.

Negros, Nico reparou de imediato. Não verdes, os olhos eram negros. Ele não se aguentou.

— Quem é você, rapaz?

Nico se adiantou. Aproximando-se. Fitando-o com tamanha curiosidade que não cabia em si. Era como olhar um fantasma, irreal.

— Quem. É. Você... — Repetiu o mais jovem. — Rapaz?

Nico ergueu as sobrancelhas.

— Não sabe o que as palavras significam?

Perguntou preocupado. Pois Percy sabia quase que fluentemente e o que não sabia apreendeu com facilidade.

— As palavras. O que significam. Não sabe...

O jovem girou os olhos na órbita. Emburrado, entediado. Era difícil ler sua expressão. Era uma incógnita em todos os sentidos. Dos pés a cabeça.

— Não sei como isso vai funcionar. — Nico murmurou pensativo, para si mesmo. Tentando compreende-lo.

Para o seu completo espanto o garoto começou a rir. Rir de verdade. Uma risada gostosa de produzir. A ponto de fazê-lo se curvar e pressionar a barriga, tamanha era a graça.

Quebra-MarWhere stories live. Discover now