01-Every man dies, but not every man lives

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-Ei acorda, garota! Eu não te pago pra dormir em cima da mercadoria- Levanto a cabeça por súbito e volto a organizar a prateleira automaticamente.

-Sim, senhor, desculpe- Respondo.

-Acho bom mesmo. Já é a terceira vez, na próxima já sabe...- Ameaça sr. Silva cauteloso por medo de algum cliente tê-lo ouvido, enquanto segue seu caminho para o fim da loja. É o quarto domingo que eu tiro hora extra, pelo menos desde que eu comecei a contar. Sr. Silva mantém a loja aberta até os domingos a noite, de acordo com ele, nos livra da concorrência, mas só resulta no excesso da tarefa semanal sendo encarregada para mim e um bando de jovens aparecendo de hora em hora atrás de bebidas.

Olho no relógio grande da parede atrás de mim. Dez e meia. De novo. Podia jurar que essa imagem era a mesma da qual eu me recordava sobre o dia de ontem, ou anteontem. Todos parecem o mesmo. Isso provavelmente vai contra todos os estatutos e leis trabalhistas, mas acho que o meu chefe não pensa muito nisso. Termino de realocar os produtos de limpeza e me preparo para sair da loja.

-Tudo completo para hoje, senhor- Digo lhe entregando a prancheta com as atividades concluídas do dia.

-Ótimo, Aisha- Responde ele puxando demais o sotaque espanhol, deixando ainda mais difícil entender a pronúncia do meu nome.

-Agora pode ir para casa descansar, mas não tanto viu, eu quero você aqui amanhã às oito. Anda logo que eu vou fechar a loja.

Depois de passar nos fundos, trocar o uniforme pela minha blusa azul claro e meu casaco xadrez, eu saio de lá. O ar que a noite carrega é diferente, mais fácil de respirar. Respirar fundo até sentir o pulmão queimar com o acúmulo de oxigênio, até sentir os olhos chegarem perto de fechar e deixar a visão turva, até sentir os meus músculos descontraindo. Até sentir. Tem um tempo em que a minha única preocupação tem sido o dinheiro, que nunca parecia suficiente. A ideia de que a filha mais quieta e bem disciplinada seria a mais bem sucedida nunca foi desmentida tão nitidamente. Se eu soubesse que todo aquele estudo e carga intelectual exigida pela escola fossem ser usados assim, eu teria sido mais rebelde. Ou eu já sabia e só não quis assumir? É mais fácil ser importante com um boletim completo que uma crítica revolucionária. Talvez eu devesse ter escutado minha tia enquanto ainda podia ouvir seus conselhos.

Enquanto caminhava para casa perdida nos meus devaneios, ouço um ruído estranho do beco ao lado. Uma garrafa sendo quebrada e um estrondo das lixeiras de alumínio tombando. Deve ser só um casal espalhafatoso, penso tentando amenizar meu medo. Aperto o passo com a possibilidade de ser algo pior, até ouvir uma voz falha saindo daquela direção.

-S-so..corro.

Senti um arrepio descer pela minha espinha. Eu posso apenas ignorar e seguir meu caminho até minha casa. Se eu correr rápido o suficiente, os bêbados da esquina podem distrair o perigo. Caso eu chegue rápido até da tempo de comer porcarias e assistir a minha série... é o mais sensato a se fazer certo?

Forço meu corpo a virar em direção ao beco e caminhar até a voz cautelosamente. A cada passo que dava podia ouvir meus ossos rangendo de nervoso, cada pêlo do meu corpo estava arrepiado e minha cabeça não parava de disparar possibilidades sobre o que eu estava prestes a encontrar. Chegando mais perto, o cenário estava iluminado por uma única lampada de luz amarela desatina, que piscava eventualmente.Chegava mais perto até o som do meu tênis pisando nos cacos de vidro serem audíveis e meus olhos poderem ver a silhueta do corpo no chão. Era um homem alto, trajado de roupas escuras numa posição retraída e medrosa.

Com a minha vista se acostumando à inconsistência da luz, eu pude perceber que seu rosto estava repleto de sangue, assim como sua barriga, que exalava o líquido escuro. Suas mãos estavam machucadas e tinham pedaços de vidro agarrados a ela. Eu estava perto. Perto o suficiente pra ouvir os grunhidos de dor saindo de sua garganta. Depois de certa relutância, acho a força necessária para proferir alguma palavra.

TRUST NOBODY 》KIM NAMJOONWhere stories live. Discover now