Verdes!

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Enquanto as palavras eram escritas rapidamente em meu caderno, parte dos meus pensamentos ainda estavam no homem de roupa chamativa. Sua camisa florida e calça de um rosa vibrante destacavam seus cabelos escuros, que caiam pouco acima de seus ombros. Ele parecia quase que extravagante demais para a cidade melancólica e entediante que era Glencoe, parecia até um personagem fictício que minha imaginação inventaria e isso era o suficiente para despertar minha curiosidade.

A história escrita para minha vó já estava quase completa quando paguei a conta do café e segui até minha casa, na qual eu agora morava sozinha e imediatamente comecei a desenhar a imagem que ilustraria meu conto, assim como eu fazia em todas as outras vezes que escrevia.

Quando acabei o rascunho, não me surpreendi com a imagem do homem desconhecido ao fundo da paisagem, homem esse que tomara certo protagonismo em meu conto e que eu agora coloria suas roupas, assim como me lembrava de momentos antes.

Não consegui finalizar o desenho nem o conto, pois nosso encontro havia sido muito breve e, apesar de lembrar vagamente seus traços, não pude ver a cor de seus olhos. Guardei o desenho e o lápis no bolso da minha jaqueta e coloquei na estante o meu caderno recém escrito, junto com os muitos outros. 

Havia sido um longo e estressante dia, então resolvi tomar um rápido banho, já que agora eu teria que começar a me preocupar com as contas e começar a economizar. Desliguei o chuveiro e coloquei qualquer pijama que havia no armário. Deitei e comecei a me prepara mentalmente para ter que acordar e viver o dia seguinte.

Acordei de manhã com o som do despertador que programei para as 8:00 da manhã e, apesar do sono absurdo, levantei e fui tomar um banho. Calculei mentalmente que o dinheiro deixado por minha vó duraria cerca de um mês inteiro, considerando as contas, comidas, transporte e, claro, o café que eu tomava todo dia. Então antes desse dinheiro acabar, eu teria que arrumar um trabalho.

Vesti uma roupa confortável e peguei a minha jaqueta da noite passada, pensando em ir até a cafeteria. Andei o caminho inteiro com as mãos no bolso, sentindo o meu desenho e o lápis de ontem e não pude evitar de me perguntar se o garoto desconhecido estaria lá.

Quando cheguei no café, haviam apenas duas mesas ocupadas e Liam estava apoiado no balcão com o olhar perdido, parecendo entediado.

- Pensando em quem?

Assim que percebeu minha presença, Liam abriu um sorriso discreto e seguiu para preparar o meu pedido de sempre.

- Só pensando nessa cafeteria... Esse Starbucks realmente atrapalhou os negócios e o chefe está cogitando fechar!

- Não! Se vocês fecharem, onde eu vou beber o meu café?! - Falei em tom humorado.

- No Starbucks - Ele respondeu no mesmo tom.

Era fácil conversar com Liam, ele era sempre gentil e bem humorado, não sei como me aguentava todo dia com minhas conversas estranhas e sem sentido.

- E aquele cara ontem? Você reparou?

A pergunta me pegou de surpresa, não sei bem o porquê. Talvez seja porque eu idealizei o coitado como uma das minhas personagens e esqueci que foi o próprio Liam quem o atendeu.

- E tem como não reparar? Ele tava bem... Colorido! - Respondi tentando disfarçar a surpresa e ignorar o desenho do desconhecido no meu bolso.

Como o dia estava pouco movimentado, fiquei quase duas horas jogando conversa fora com meu amigo no balcão, sempre evitando o assunto da morte de minha vó. Desde que o conheci, Liam sempre soube a hora certa de tocar nos assuntos, então sabia que mais tarde ele poderia ler o conto que escrevi ontem, então não precisávamos falar sobre isso agora.

Eu já pagara a conta, me despedira de Liam e juntava minhas coisas quando a porta se abriu e o mesmo homem do dia anterior entrou no café, parando ao meu lado e esperando o atendimento do meu amigo.

Liam o atendeu rapidamente, mas não antes de me olhar como se dissesse "Fala com ele!" E eu olhar de volta pensando "eu não consigo!!". Ele sabia das minhas dificuldades em falar com pessoas que eu não conheço, então não insistiu.

Enquanto Liam preparava o pedido do rapaz, eu arrisquei dar uma olhada para o lado e me surpreendi ao constatar que a sua roupa estampada e cheia de babados era ainda mais chamativa que o a do dia anterior.
O rapaz deve ter sentido meu olhar sobre ele, pois quando tentei espiar discretamente seu rosto, seus olhos viraram para mim subitamente e assim fizemos quase 4 segundos de contato visual em um clima extremamente constrangedor antes dele desviar o olhar para pegar o pedido que estava pronto.

Dessa vez o seu café não foi para a viagem, ele pegou e se sentou a duas mesas de distância de onde estávamos no balcão.

- E aí?! Falou com ele? O que aconteceu? - Liam parecia mais nervoso do que eu

- Verdes... - Disse em um sussurro quando consegui voltar a respirar - Os olhos são verdes!

Liam já estava tão acostumado com minhas esquisitices que nem se surpreendeu quando eu tirei do bolso meu desenho e o continuei, enquanto alternava minha atenção entre o papel e o rosto do rapaz, que estava distraído olhando para o celular.

- Terminei! - Falei enquanto virava a folha para Liam ver

- Ficou igualzinho!! - Ele disse impressionado enquanto nós dois alternávamos o olhar entre o desenho e o garoto desconhecido.

Foi quando, novamente, o rapaz levantou o olhar e nos viu o encarando. Eu me assustei e desviei o olhar rapidamente, mas Liam ainda o encarava sorrindo

- Liam, pare! - Sussurrei em pânico - Pare de olhar para ele, pelo amor de santo Cristo!!!

Liam parecia estar se divertindo, enquanto olhava do rapaz para mim, e de volta para ele. Eu, não sabendo o que fazer, juntei as minhas coisas e saí apressada do estabelecimento, mas quando olhei de relance para o garoto, ele já havia voltado sua atenção para o celular em suas mãos.

Voltando para casa eu só conseguia pensar em uma coisa: "São verdes... E agora eu posso terminar minha história".

A Estrela || H.SWhere stories live. Discover now