Cordélia

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A ESTRELA

"Vi uma estrela tão alta,
Vi uma estrela tão fria!
Vi uma estrela luzindo
Na minha vida vazia.

Era uma estrela tão alta!
Era uma estrela tão fria!
Era uma estrela sozinha
Luzindo no fim do dia.

Por que da sua distância
Para a minha companhia
Não baixava aquela estrela?
Por que tão alta luzia?

E ouvi-a na sombra funda
Responder que assim fazia
Para dar uma esperança
Mais triste ao fim do meu dia."

Fechei o livro que segurava firmemente enquanto tentava prender as lágrimas.

- Celeste...

Ouvi alguém chamar meu nome. A voz era feminina, velha, cansada, triste. Quase inaudível. Quando me virei na direção do chamado, me deparei com uma senhora de idade próxima aos 60 anos, com os olhos vermelhos de quem chorava.

- Eu sei que é difícil perder alguém próximo, mas fica mais fácil quando...

Não consegui prender a minha atenção ao discurso bem ensaiado da senhora que estava falando comigo. Enquanto ela expressava seus pêsames, eu apenas a olhava sem realmente ouvi-la, reparando em cada detalhe da expressão de luto que ela carregava em seu rosto.

- Obrigada, mas agora eu apenas preciso de um tempo sozinha

Me levantei bruscamente e deixei para trás a mulher da qual eu nem conseguia me lembrar o nome. Andei com dificuldade no meio da multidão até conseguir sair do cemitério. Eu poderia aguentar os muitos pêsames que recebera naquele dia, mas o olhar de lástima da senhora que mal conhecia a minha falecida avó foi demais. Quem era ela para ficar tão infeliz? E por que dividir seus pensamentos comigo naquele momento?

Eu me sentia triste. Triste e egotista, por não querer partilhar essa tristeza com mais ninguém, pois mais ninguém merecia se sentir tão triste quanto eu.

Não parei de andar até chegar na papelaria da cidade, na qual eu comprei um pequeno caderno e uma lapiseira e então segui meu caminho até uma cafeteria que havia por perto.

Entrei, pedi o mesmo café que pedia todos os dias, sentei na mesma mesa de sempre e abri o caderno que acabara de comprar. Na primeira página escrevi algo como "se encontrar, devolver à Celeste Duvivier, vila Glencoe, Escócia" e logo abaixo fiz uma rápida ilustração da vila, que já havia decorado de tanto desenhar. A cidade era tão pequena que não seria difícil me encontrar apenas pelo nome, caso eu perdesse o caderno. Na próxima página escrevi "Cordélia", o nome da minha avó que estava sendo enterrada neste momento, então estava pronta para começar a escrever.

Minha mãe me contava que a morte é nada mais que um recomeço, que quando alguém morre está apenas começando uma nova aventura maravilhosa. Eu nunca realmente acreditei nisso, mas pensar dessa maneira sempre foi o melhor jeito de lidar com o luto que sempre esteve comigo durante toda minha vida.

Meu primeiro contato com a morte foi quando meu cachorro morreu no dia que fiz 7 anos, foi quando eu resolvi escrever um conto de aventura sobre ele. A história era tão boa quanto uma criança de 7 anos poderia criar, mas mais importante do que a qualidade, escrever ajudava a me desconectar da dor que eu estava sentindo, enquanto imaginava o cão feliz, vivendo as mais criativas e estranhas aventuras.

Eu continuei em contato com o luto, quando dois anos depois meu pai se envolveu em um acidente de trânsito, e não só ele, como meu irmão também não sobreviveu. Dessa vez eu não chorei, apesar de sentir uma intensa agonia, pois eu me concentrava em escrever um mundo em uma folha de papel para minha família, o qual não tinha carros e nem mortes.

Com o tempo, minha mãe começou a sentir que não conseguiria cuidar de mim, assim como não conseguiu cuidar do meu irmão, dizia ela, e então me deixou para morar com a minha vó quando eu tinha 12 anos. Com meus 15 anos, eu soube que minha mãe havia se entregado a tristeza que sentia há muito tempo, e por isso, houve outro velório. Quanto mais eu sentia aquela angústia, mais eu escrevia. Minha prateleira já estava cheia de caderno de notas, os quais eram ilustrados, escritos e encapados por mim mesma, cada um com uma narrativa envolvendo os que já não estavam ali comigo e todas tão criativas quanto eu conseguia criar.

E ali estava eu novamente, agora com 18 anos, sentada na mesa do café pouco movimentado da minha rua, pensando em como escrever uma aventura na qual a personagem principal é uma Cordélia de 82 anos.

Pensar na história não foi difícil, essa parte se resolveu em 5 minutos, já que eu sou bastante criativa. A história se passaria num bosque encantado e minha vó seria a guardiã das árvores, já que jardinagem era um de seus hobbies em vida. Então comecei a escrever

- Seu café, Celeste... Mais uma história?

Falou Liam, o garçom que se tornou meu amigo logo que me mudei para a vila. Ele sabia sobre as minhas escritas, já que era meu único amigo na cidade e sabia também que há pouco tempo eu passei a escrever, não apenas quando havia uma morte, mas agora sempre que me sentia angustiada. Dei meu melhor sorriso de "Eu estou bem", que obviamente não o convenceu, mas ele sabia que era melhor apenas me deixar escrever.

Minha atenção foi desviada para a porta que foi aberta, já que o café raramente recebia clientes devido ao Starbucks que acabara de abrir do outro lado da rua. Da porta aberta entrou um garoto de não aparentava ter mais que 20 anos, totalmente encharcado pela chuva que eu nem percebi que havia começado. Mas o que chamou atenção naquele homem foi, além da sua beleza, as suas roupas totalmente incomuns. Eu nunca havia visto esse rapaz na cidade antes. Ele não se demorou muito dentro do café, apenas fez seu pedido pra viagem e foi embora, deixando um espaço quieto, perfeito para escrever uma história de aventura.

A Estrela || H.STempat cerita menjadi hidup. Temukan sekarang