Noah

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Observava meus dedos, que se chocavam nervosamente uns nos outros sobre a mesa de minha antiga casa. A casa em que morava antes de me mudar para Glencoe. Minhas mãos estavam geladas e tremiam discretamente, mas eu não sentia frio, não sentia nada.

Vi uma grande mão masculina se aproximar, se sobrepor às minhas pequenas e entrelaçar seus dedos com os meus. Mesmo sem olhar diretamente, pude perceber o dono da mão se sentar ao meu lado. Um doce aroma invadiu meu olfato e reconheci o perfume que era sempre usado por meu irmão. Sua mão mantinha o aperto firme, me causando uma sensação de conforto e segurança, mas ao mesmo tempo senti um profundo medo

Aos poucos, os lugares ao meu redor foram preenchidos e subitamente meus olhos começaram a ficar marejados. Eu não subi meu olhar para as pessoas que se sentavam, mas sabia que aquela era minha família. Estávamos todos unidos, eu tinha 8 anos novamente e me sentia feliz, apesar de perceber que lágrimas já desciam descontroladamente pelo meu rosto

Todos eles se movimentavam animadamente, como se estivéssemos num simples almoço de domingo, mas nenhuma palavra podia ser ouvida, apenas gestos deixados no ar

- Celly - Arregalei os olhos reconhecendo a voz grave e profunda de meu pai a proferir meu antigo apelido - Olhe para mim...

Seu pedido era simples, mas eu não tinha coragem de realizá-lo. Meus olhos se mantinham fixos em minha mão entrelaçada com a de Noah, meu irmão, sobre a mesa. Senti um aperto no ombro, que supus ser do mesmo, e só então pude levantar o olhar para encará-lo

Meu arrependimento foi instantâneo. Noah aparentava estar em seus 16 anos de idade e me olhava com um sorriso de lado piscando um dos olhos, charmoso como sempre. Ele vestia um terno azul-marinho e seu cabelo se mostrava perfeitamente arrumado em um topete alto. Seu olho esquerdo apresentava um tom de vermelho vivo, em seu rosto haviam profundos cortes e vestígios de cacos de vidro e uma grande quantidade de sangue escorria de suas feridas.

Minha respiração acelerou e o pânico tomou o lugar do conforto que sentia anteriormente. Desviei meu olhar, focando em minha mãe que se sentava à minha frente. Seus olhos estavam opacos, sem vida, do seu pescoço pendia uma espessa corda amarrada em um característico nó de forca. Tal corda deixava hematomas roxos em sua pálida pele do pescoço, mas ela sorria alegremente apesar de ter as sobrancelhas contorcidas numa expressão de dor e tristeza. Por fim, olhei para meu pai. Seu rosto estava coberto de machucados leves, mas meu olhar foi atraído para seu peitoral, onde se encontrava uma barra de metal que o atravessava, se mostrando do outro lado de seu corpo robusto

Me levantei abruptamente da cadeira na qual estava sentada e tentei livrar minha mão do aperto de meu irmão, que ficava cada vez mais firme, começando a me machucar, mas o mesmo não me soltava de jeito nenhum. Fechei meus olhos com o máximo de força que conseguia, percebendo que o desespero tomava conta de mim e meu corpo implorou por oxigênio. Me encolhi no lugar, sentindo um grito morrer em minha garganta. Apenas desejava que tudo aquilo acabasse

O aperto em minha mão se afrouxou gradualmente, até desaparecer por inteiro. Uma melodia lenta e aguda tomou conta do ambiente, causando um arrepio por todo meu corpo. Arrisquei abrir os olhos, vendo que não estava mais em minha casa, nem na presença de minha família. Olhei ao redor e reconheci o local como sendo uma igreja lotada de pessoas. Em frente à todos, um coral de mulheres harmonizavam-se para cantar a música de tom tristonho que preenchia minha audição, tornando meus outros sentidos levemente confusos

Todos vestiam preto e mantinham a cabeça baixa, enquanto esperavam aquelas mulheres terminarem de cantar a música mais melancólica que eu já ouvira em toda minha vida. Me mantive ao fundo da multidão, me destacando por ser a única de pé próxima à porta de entrada. Observei com a visão periférica uma presença ao meu lado, mas não pude identificar imediatamente quem era

A Estrela || H.SWhere stories live. Discover now