Prólogo

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Quase ninguém sabia que uma rainha agonizava no quarto comum de um hospital público em Londres.

Era impossível saber, já que Isabella Battori não era mais a duquesa de Aragón, rainha de Azzurro, um arquipélago paradisíaco no meio do Mediterrâneo. Longe da elegante dama que aparecia semanalmente nas colunas sociais com as joias da coroa, ou belos vestidos de grife, sempre com o distinto marido a tiracolo, o duque, Isabella estava mais magra e desgraciosa na maca, e não apenas por conta do grave acidente de carro que a colocara às portas da morte.

Após o divórcio, os cinco anos seguintes foram de festas, aparições pouco aceitáveis ao lado de diferentes namorados, um noivado que não deu certo e o uso incansável de pílulas para dormir, comprimidos para acordar e outras drogas ilícitas para virar a noite.

Mas quem perguntasse a Isabella se ela havia se arrependido de ter deixado a vida de conforto ao lado do duque de Aragón, a resposta era simples:

- Nunca.

De fato, foi embora satisfeita de um casamento em que imaginava ter apenas diversão, prazeres e poucas responsabilidades. Vinda de uma família aristocrática de Azzurro, sempre sonhou com a chance de se tornar rainha, e atrair a atenção do frio duque de Aragón tinha sido um golpe de sorte. Entretanto, ser a Rainha de Azzurro, Mãe da Nação, não era apenas tiaras e vestidos: significava participar de eventos no salão nobre do palácio, visitas às cidades mais pobres do país, pensar em atividades que promovessem educação e qualidade de vida para as crianças do reino.

Aquilo entediou Isabella.

Provavelmente foi por essa razão que arranjou um amante. E outro. E mais outro. E mais outro até o duque se cansar e pedir o divórcio; não sem antes obter a guarda do príncipe-herdeiro, o pequeno Massimiliano, que nunca conheceu a mãe.

E quando Isabella dizia "nunca", era porque o nascimento do herdeiro lhe garantiu uma pensão lucrativa até o fim da vida em caso de divórcio – o suficiente para pagar seus gastos e os luxos do atual amante, que a acompanhava no hospital, fumando um cigarro – o que era proibido.

- Senhor, peço que apague este cigarro, por favor... – a enfermeira alertou o homem, sem sucesso.

- Estou nervoso, me deixe, sua imprestável!

- Por favor, senhor, eu-

- Ele não vai entender dessa forma, senhora. – uma voz impositiva, dura e firme, surgiu atrás da assustada enfermeira. – Vito Salas conhece apenas a linguagem da força.

A enfermeira e o acompanhante encararam a visita que adentrava o quarto com surpresa. Havia ainda outras pessoas esperando no corredor, mas nenhum deles tinha permissão de adentrar o espaço. Serviam e respeitavam as opiniões de uma pessoa só: aquele homem alto, moreno, com os cabelos negros e lisos penteados para o lado, as sobrancelhas longas, olhos amendoados castanho-escuros, o nariz adunco, longo e masculino, que combinavam com os lábios grossos e cheios. O rosto era quadrado, com a mandíbula marcada, e toda a sua figura exalava poder e potência, especialmente com o terno italiano preto, bem cortado, e a gravata azul-marinho impecável.

Havia uma aura de distância e temor, e ninguém seria capaz de sair incólume de um encontro com o frio duque de Aragón – um homem tão poderoso que ninguém, nem sequer seu irmão e o filho, eram capazes de dizer seu nome.

Vito Salas, que repentinamente apagou o cigarro em cima de uma mesa de canto, com nenhuma educação, não quis parecer medroso diante do duque.

- O que está fazendo aqui, Aragón? Bella ainda está viva, bem viva! Ainda não vai poder tripudiar de sua morte como tanto esperava.

- Não se esqueça de que se Isabella morrer, você não herda a pensão que recebe. A propósito, com o bom dinheiro que ela possui, por que está aqui neste hospital público em Brixton?

- Estamos pagando algumas contas com o dinheiro. – Vito desviou o olhar. As festas, drogas e gastos desnecessários de Isabella cobravam um preço. – Mas logo retornaremos, é só Bella melhorar-

- Isabella vai morrer. Falei com o médico há instantes. Terá tempo apenas para algumas despedidas. Logo a família irá visitá-la.

- E você? Ela não é mais sua esposa!

- Vim aqui para saber uma informação.

Como se tivesse percebido a presença do ex-marido, Isabella Battori abriu os olhos com alguma dificuldade e tomou uma longa respiração. Vito ficou surpreso com a reação da mulher e se aproximou, nervoso:

- Querida, mia Bella, como está?

- E-e-eu... Sinto dores... – virou a cabeça lentamente na direção de Aragón, que não parecia esboçar reação alguma.

Isabella ensaiou um sorriso torto, que parecia tenebroso diante de seu rosto repleto de cicatrizes e emaciado.

- A-a-apreciando a... A... A vista...? – não podia gargalhar: a barriga doía tanto que parecia atravessada por barras de ferro. – De-de-ve estar ce... Celebrando... Que-queria tanto... Tanto... Que-que-que vivesse mais... Mais... Pra não... Pra você conti-ti-tinuar pagando... Me pagando... Pelos anos... Anos de-de-desperdi... Diçados...

- Amanhã seus pais a visitam.

- Só-Só veio... Veio aqui pra... Pra isso...?

- Não. Vim aproveitar que está no leito de morte para ouvir de você a verdade. – dirigiu-se a Vito sem olhar para ele. – Suma.

- Eu não vou sumir, eu sou o-

- É um aproveitador. Saia.

- Aqui não é Azzurro-

- Saia. – rapidamente dois seguranças apareceram: eram os homens que se encontravam no corredor, aguardando ordens de Aragón. Aparentemente, ele dera a indicação através de uma leve alteração na voz, que seria a "senha" para os seguranças interferirem, caso Vito Salas não cooperasse com o duque.

Fora do quarto, estavam apenas Aragón e Isabella, que não disfarçava o riso.

- Sem-sem-sempre mandando... Chama... Chama os se-se-seguranças... Pra não sujar as... As mãos.

- Quero saber a verdade, Isabella: Massimiliano é meu filho?

A única coisa que Aragón desejava ter certeza naquele momento – e uma informação que apenas Isabella poderia lhe ofertar.

- Você... Nunca... Nunca leu... Nunca leu a... A carta?

- Qual carta?

- A verdade... A verdade sobre... Sobre o menino... A verdade está na-na-na carta...

- Então o menino não é meu filho.

- Não. – foi o único momento de firmeza de Isabella em toda a conversa. – Se é... Se é isso que deseja... Tanto saber...

Aragón não se despediu da ex-esposa. Abriu a porta e saiu, sendo seguido pelo grupo de seguranças que até instantes atrás, mantinha Vito longe do quarto.

Não olhou para trás. Pediu apenas que dois seguranças fossem mais à frente, a fim de buscar o carro alugado, a fim de ir embora da Inglaterra com urgência.

Coração de Rainha [livro 1]Where stories live. Discover now