15. ENLOUQUECENDO

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Enquanto caminho de volta, não consigo parar de pensar em todas as coisas que vi. Minha irmã, viva! Eu quase poderia tocá-la se tudo não tivesse desmoronado bem diante dos meus olhos. É como se tudo estivesse assim ultimamente, tudo o que eu toco, penso ou falo desmorona de uma hora para outra, longe do meu controle. Sempre longe do meu controle.

Não sei dizer que horas são, mas a lua que antes estava ainda subindo, agora fixa em seu ponto mais alto no céu. Pelo menos pela minha perspectiva.

Não pela primeira vez desde que cheguei, sinto falta do meu celular, de uma comunicação que não seja estritamente pessoal e verbal. Sinto saudades de Emily e, imediatamente, uma preocupação também. Não tenho notícias dela, assim como não tenho de ninguém. Me sinto isolada num mundo criado só para mim, como Truman no show da vida.

Não ouço som das cidades. Carros buzinando velozes com seus motores ou parados no transito loucos para andar de uma vez. Não ouço a estática da tecnologia em seu som mínimo, quase imperceptível, mas sempre presente, assim como a eletricidade passando pelos fios dos postes de luz. Não existe isso em Aurora. Não é necessário existir. Temos magia, se precisa de algo mais quando se tem magia?

O que clareia meu caminho são as chamas dos lampiões que apago, um a um cada vez que me aproximo mais de meu destino, deixando apenas o brilho prateado no céu e meu instinto me guiarem. O que invade meus ouvidos é o som do vento nas árvores, as corujas assombrando a floresta a minha volta. Os animais que enterram e se preparam para dormir junto aos cascalhos sob meus pés, anunciando a trilha para o castelo. Todos os caminhos dão no castelo, não importa qual eu tome. Deve ser estratégico, como tudo é por aqui. Mas também uma fraqueza já que, com esses caminhos, os rebeldes facilmente chegaram a nós.

O sonho que tive há muito tempo agora reverbera em minha cabeça, me lembrando dos gritos naquela noite, do choro que derramei quando nasci. Mesmo as risadas felizes são medonhas na minha cabeça.

- Para! – grito, levando a mão a cabeça fecho os olhos, dobrando os joelhos e me forçando a não pensar. – Sai da minha cabeça! Sai!

A risada que ecoa é aterrorizante. A voz vibrante poderia me engolir por inteiro, e eu deixaria, congelada no lugar, sem conseguir me mover pelo medo que corrói minhas entranhas.

- Chega! Por favor... – choramingo, implorando por um único dia de paz.

Sinto a adaga pulsar dentro da jaqueta. Sincronizada com meu coração, fortemente ela me traz a realidade, me tirando de mim mesma e me protegendo.

- Scarlet. – A voz me chama mais próxima do que achei que qualquer um estivesse. Seus braços me tomam em um abraço e eu sinto meu corpo inteiro tremer. – Scar, sou eu.

Meus olhos se levantam e eu percebo que estão embaçados, não derramei lágrimas, mas as chamas lutaram para serem livres e meus olhos são a prova disso. Dourados, manchados, cheios de ódio. Chris me olha, esperando que eu me acalme e o reconheça. Eu olho em volta, estou a porta do castelo, no jardim da frente.

- O que faz aqui? – Pergunto e percebo a estupidez assim que a profiro. Ele mora aqui, junto comigo.

- Quis tomar um ar na varanda... Então vi você e... – Ele está hesitante. Como não estaria depois de tudo o que disse a ele? É o mínimo que deve sentir.

- Estou bem. Pode voltar. – Digo me levantando e me virando de costas, sem querer olhá-lo mais por saber que, se ele me olhar de verdade, mesmo sob a luz fraca da lua, vai saber que estou mentindo e eu não conseguirei negar.

- Scarlet. – Ou ele pode saber sem nem ao menos eu falar. – Podemos conversar?

Sei que não era isso que ele queria dizer, mas é a única opção plausível que tem para proferir.

Beijada pelo FogoWhere stories live. Discover now