14. A AURORA ARDENTE

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Nem ouço a porta bater atrás de mim, passo tão rápido pelo campo que, acelerada, não percebo nada além do vento contra meu rosto e o cascalho sob meus pés. Meus pulmões chegam ao ápice do esforço, implorando para que eu pare para respirar direito e descanse o corpo, mas não o faço. Não posso e não quero fazer.

Pode ser ingenuidade, burrice e até mesmo imprudência. Mas tem uma chance, uma luz no fim do túnel, um pingo de esperança no copo vazio no meio do deserto. Esse fio vermelho que faz eu me agarrar a possibilidade de encontrar minha irmã. Eu vou me segurar até o último milésimo de segundo a essa esperança.

Meus pés parecem ter vida própria, minha cabeça não funciona como guia, nem de longe. Estou completamente imersa na ideia para ter a mínima noção de para onde vou. Apenas sigo minha intuição, parando em um lugar que nunca pensaria se estivesse consciente. Claro que não posso voltar ao castelo, vão me encher em meu quarto com tarefas, perguntas, tudo o que eu não preciso. Na cidade não tem tranquilidade, Sophia está preocupada e o único lugar que eu conheço é o restaurante de Agatha.

Não. Essa com certeza foi a melhor escolha.

A minha frente, a imagem de Aline Storm, minha mãe, se projeta em branco com o brilho do sol às suas costas. Meu pai ao seu lado com o olhar profundo que apenas eles conhecem. É a melhor visão que eu poderia ter no momento, só queria poder falar com eles agora. Ou com meus pais de mentira, ou com... O suspiro que solto é profundo, só pra então lembrar e perceber que estou ofegante. Corri sem parar até aqui que, só pra constar, não é nada perto.

A fonte é minha salvação. Eu deixo a água corrente e fria molhar meus lábios, acalmar minha respiração e afagar meu coração que bate forte contra minhas costelas. Minha mente não para, passando e repassando tudo o que ouvi. A adaga ainda está em minha mão, os nós dos meus dedos estão brancos e dormentes pela força que exerço sobre o cabo. As cores lá dentro dançam como areia ao vento, me hipnotizando com o tom quente e a agitação, sentindo quase em sintonia com o sangue em minha veias.

"É uma manipulação de mão dupla, uma chama a outra."

Estou animada pela ideia, mas posso muito bem estar errada. Ando de um lado a outro pensando em tantas possibilidades, trazendo tantas memórias. Não posso errar mais uma vez. Arrisquei muito na última semana, perdi demais, apenas pela ganância e pela "ideia" de algo. Não posso fazer isso de novo mas, o que mais eu posso fazer?

É uma chance, e apenas uma chance que seja de achar minha irmã já está valendo.

Mackenzie disse que a última vez que teve notícias ou qualquer pista foi à 8 anos, se ela está desaparecida a tanto tempo, o que uma adaga pode fazer, não é? Deus... Eu estou pirando!

Me deixo cair na plantação de trigo, sendo envolvida pelos fios de ouro que limitam minha visão ao céu. O perfeito e lindo céu de Aurora. Às vezes sinto falta da chuva, era um dos climas que eu mais amava. Me deixava pensar quando eu queria ou me fazia esquecer tudo apenas para me concentrar na música dos pingos que caíam alternadamente em minha janela, no jardim, no asfalto mais à frente. Fecho os olhos e quase posso sentir a sensação novamente.

A decisão está feita. Não me importa o risco, estou em Aurora e posso me proteger. Mas quem garante isso dos meus pais? Da minha irmã? Ela desapareceu aos 13 anos, pode não ter sido forte o bastante para fugir. Pode estar sofrendo desde então. Pode estar sofrendo como eu estou.

Respiro fundo, levando todo o ar puro aos meus pulmões, deixando o cheiro de trigo invadir minhas narinas. O vento sopra meu rosto, trazendo os pequenos brotos para acariciar meu rosto. Levo a adaga ao meu peito, o cabo em meu coração, a lâmina apontando para meus pés. Mais uma respiração profunda e eu me concentro, deixo qualquer pensamento maior ir para longe, qualquer distração que me tirasse daquele momento não vale a pena.

Beijada pelo FogoWhere stories live. Discover now