32 - A Páscoa de Mary - parte II

5.8K 496 261
                                    

- Bem, Gilbert! - Marilla me falou quando saímos da igreja - Tudo estará pronto no horário programado. Você e Sebastian apenas precisam levar Mary até a fazenda dos Barrys.

- Somos extremamente gratos pelo que estão fazendo por Mary.

- Ela se tornou como parte de nossa família também! - Marilla disse emocionada - Vocês todos são. Não é favor algum. Vamos Anne, ainda temos muito a preparar.

- Vou levar um chapéu de Páscoa para Mary. - Anne me falou empolgada - Para completar a surpresa.

- Se for como o seu, sei que ela vai gostar. - ela sorriu e correu atrás de Marilla.

No horário combinado para levarmos Mary eu esperei por Anne do lado de fora. Ela veio trazer o chapéu, a cavalo. Não usava uma sela de senhoras, isso seria comum demais para Anne. Montava como um cavalo deve ser montado. Alguns diriam que uma senhorita usar uma sela comum seria vulgar. Longe disso, Anne vindo até mim cavalgando era uma cena digna de ser eternizada numa pintura.

- Lindo! - eu disse pegando o chapéu.

Quando ergui os olhos acho que fiquei sem fôlego por um instante pela visão de sua beleza. Ela deve ter percebido meu olhar, já que me pareceu um pouco envergonhada quando me deu um pequeno sorriso e saiu galopando.

Jocelyn e Constance já haviam levado Delphine sob a desculpa de fazer uma visita a Green Gables antes de voltarem para casa. Bash e eu entramos no quarto e Mary estava reclinada em uma cadeira. Tinha seu livro de orações no colo e parecia extremamente abatida.

- Está interessada em outra surpresa de páscoa? - Bash lhe disse mostrando o chapéu que trazia escondido nas costas.

- É deslumbrante! - ela disse sorrindo.

Bash ajudou Mary a colocar o chapéu enquanto eu ajudava com os sapatos. Nós a levantamos, mas ela estava muito fraca e pareceu que iria cair. Então, Bash a pegou no colo. Assim, seguimos para a fazenda dos Barrys.

O lugar estava mesmo muito bonito. Todo enfeitado de flores e papéis coloridos dobrados em forma de borboletas. Não eram muitos os presentes, apenas os Cuthberts, o Sr e a Sra Lynde, Jocelyn, Constance, os Barrys e a Srta Stacy. Mas aqueles que estavam ali eram verdadeiros no que sentiam e era isso que importava naquele momento.

- Bem-vinda à sua Páscoa, Mary. - Anne a saudou quando entramos.

Todos os presentes também lhe desejaram Feliz Páscoa e a colocamos em uma cadeira lindamente enfeitada embaixo de uma cobertura. Constance cobriu suas pernas com uma manta. E Marilla lhe entregou um buque de flores.

- Obrigada, minha amiga. - Mary disse à Marilla.

- Isso é para a Delphine! - Anne disse lhe entregando um pequeno caderno enfeitado com flores.

- Você é um anjo, Anne Shirley-Cuthbert! - Mary disse segurando sua mão, depois a abraçou.

O caderno foi passando de mão em mão até chegar a mim. Era um livro de receitas. Anne havia escrito as receitas que vinha aprendendo com Mary. Algo a ser deixado para Delphine conhecer sua mãe já que Mary amava cozinhar. Um legado, com ouvi Anne dizer.

Me sentei perto de Bash e Mary e observei a festa. Apesar da tristeza por Mary, todos pareciam estar desfrutando da festa. A pequena Minnie May Barry corria de um lado para o outro pegando ovinhos coloridos espalhados pelo jardim. Delphine ganhou uma coroa de flores e todos conversavam alegremente.

Num certo momento Anne começou a cantar uma bela canção que sempre era cantada na igreja na Páscoa. Aquela canção sempre me emocionava e na voz dela ficava ainda mais bonita. Um a um, todos foram se juntando e ficaram ao redor de Mary cantando aquela canção que falava de fé e esperança.

- Bash, você fez isso? - Mary perguntou emocionada.

- A comunidade veio até você.

Ela havia conseguido, havia unido a comunidade para celebrar a Páscoa. Mesmo sendo um momento tão difícil. Mary parecia feliz por aquilo.

- Não sei como agradecer. - ela disse com a voz embargada - Vou ler minha oração favorita, se concordarem.

Eu lhe entreguei seu livro de orações. Ela abriu e começou a ler a Oração de São Francisco.

- Senhor... fazei de mim um instrumento da vossa paz. Onde houver ódio, que eu leve o amor... - a emoção tomou conta e ela não conseguiu continuar.

- Onde houver ofensa, que eu leve o perdão... - Marilla continuou - Onde houver dúvida, que eu leve a fé. Onde houver desespero que eu leve a esperança. - aos poucos todos foram se juntando àquela oração - Onde houver trevas, que eu leve a luz. Onde houver tristeza, que eu leve a alegria. Ó, divino mestre, fazei com que eu procure mais consolar do que ser consolado. Amar do que ser amado. Pois é dando que se recebe. É perdoando que e á perdoado, e é morrendo que se vive para a vida eterna.

Após essa oração a festa seguiu alegremente e ao chegarmos em casa, apesar de cansada, Mary estava extremamente feliz. Jocelyn e Constance voltaram para Charlottetown na manhã seguinte e levaram uma carta de Mary para entregarem a Elijah, se ele voltasse ao gueto. Ela também escreveu uma carta à Delphine, falando sobre sua história e seu amor por ela. Bash ficou encarregado de entregar à filha quando fosse o momento.

O sofrimento de Mary não durou muito depois disso. Alguns dias depois ela descansou. Estava a cada dia mais cansada e já não tinha forças nem mesmo para se sentar quando simplesmente dormiu uma noite e não mais acordou. Bash permaneceu ao lado dela até o final. Depois daquele dia no celeiro eu não o vi chorar ou se lamentar mais. Ele estava se segurando por ela. Mas quando ela se foi ele continuou fechado em sua dor. Permanecia num silêncio triste e desesperado. Eu tentava sem sucesso tirá-lo da letargia.

(T3E4)

Na manhã seguinte ao falecimento de Mary eu estava preparando o desjejum com Delphine no colo. Bash estava sentado na mesa. Num silêncio letárgico ele olhava a pipa que havia feito para soltar com Delphine na Páscoa. Como Mary estava muito cansada no final da festa, não chegamos a usá-la.

- Está tudo combinado. - eu falava sem parar, tentando fazê-lo reagir - Vamos deixar Delphine com Marilla no sábado, a tempo de pegar o trem matinal para Charlottetown. Vou me encontrar com o Dr. Ward enquanto você vai ao gueto para falar com o pastor e resolver os detalhes do funeral, e falar com os amigos da Mary.

Bash não esboçou nenhuma reação. Permanecia olhando a pipa em silêncio. Delphine resmungou em meu colo, parecendo incomodada.

- Ei! Quer tirar uma soneca? - a coloquei em seu cesto e ela sorriu para mim, era o bebê mais lindo que eu havia visto - Bash, precisa vir ver isso!

Ele precisava reagir, aquela bebê linda precisava dele. Se ele percebesse isso reagiria de alguma forma. Bash se levantou e veio até Delphine, acariciou seu rosto em silêncio.

- Bash, tudo bem chorar, berrar, gritar... tudo isso.

- Eu estou bem. - ele disse e voltou para sua cadeira.

- Bem, ao menos coma alguma coisa. - eu disse lhe entrgando um pouco de mingau - Juro que está quase comestível!

Essa era uma nova tentativa de animá-lo. Ele sempre dizia que odiava mingau de aveia e me criticava por sempre comer isso de manhã. Sobretudo quando eu precisava preparar meu desjejum. Mas Bash não reclamou dessa vez. Pegou a colher, mas não comeu. Voltou a olhar a pipa em silêncio.

My Anne with an EWaar verhalen tot leven komen. Ontdek het nu