28 - O Visitante

5.8K 515 385
                                    

Na hora do chá acompanhei a Srta Winifred Rose até uma casa de chá. Eu estava completamente perdido sobre como agir. Nunca havia tido um encontro antes e, confesso que nunca refleti muito sobre como se deveria agir em um. Ela, porém parecia saber exatamente como agir.

Tentei servir o chá para ela, mas ela me deu um tapinha na mão.

- Desculpe. - eu disse recuando enquanto ela servia o chá para nós dois.

- Prossiga.

- Você gosta de... - lhe ofereci açúcar.

- Não. Para mim não, obrigada.

Eu realmente estava perdido. Resolvi puxar algum assunto.

- Então... Winifred. Quantos... anos você tem? - ela quase engasgou com o chá quando segurou o riso.

- É a sua primeira vez, Sr Blythe?

- O que me entregou?

- Vou explicar. - ela disse - Eu sirvo, você paga. Não devemos falar de coisas interessantes como idade, política, sonhos. E se estiver se divertindo, está fazendo errado.

- Parece que você já fez isso antes!

- E sempre me senti entediada. Os temas aceitáveis incluem o clima, mas isso é fácil. A decoração, um sermão dado na igreja recentemente. E deve elogiar meu...

- Seu cabelo... - comecei a formular um elogio.

- Pegadinha. - ela disse rindo - Sem elogios... Vamos recomeçar?

Winifred tinha senso de humor. Percebi que ela achava ridículas todas aquelas convenções sociais e sutilmente debochava delas. Isso me ajudou a relaxar. Decidi entrar na brincadeira e ver onde isso acabaria.

- Srta Rose! - eu recomecei - Obrigado por me acompanhar até... esta casa de chá. Não é... adorável?

- Não é? E... eu gosto das flores. - tocou uma das flores do arranjo em cima da mesa.

- Gostaria de saber o que achou do último sermão dado na... igreja que frequenta. - eu não tinha ideia de qual igreja ela frequentava, mas continuei seguindo suas instruções.

- Gostei muito da parte que diz que nós iremos para o inferno. Gostou dessa parte?

- Muitíssimo. Eu gosto do calor.

- Sr Blythe! - ela disse rindo e fingindo estar chocada - Uma senhorita de classe teria ido embora.

- Mas você riu. - eu constatei.

- Talvez seja um sinal de que devêssemos voltar?

- Essa eu sei. - me levantei e puxei sua cadeira para ajudá-la a se levantar, mas ela desequilibrou e segurou minha mão - Desculpe, eu pensei...

- A melhor parte de conhecer as regras é encontrar modos aceitáveis de quebrá-las. - soltou minha mão e me olhou por um instante - Você tem muito a aprender.

- Então precisarei de uma segunda aula.

Ela pareceu gostar da ideia e foi saindo na minha frente. Peguei a flor que ela havia tocado do arranjo e coloquei no bolso interno do meu casaco. Queria guardar uma recordação daquele dia adorável. Winifred era engraçada e bonita. Eu me senti bem com ela, relaxado. Gostei da experiência.

Reencontrei Anne na estação. Cole estava conversando com ela e eu apenas os cumprimentei e fui para o meu assento. Ela só entrou quando o trem já estava partindo e se sentou em silêncio ao meu lado.

- Como foi sua busca? - perguntei.

- Tudo bem.

Não lhe pedi detalhes, ela não pareceu querer conversar. E eu estava ocupado lembrando cada detalhe da minha tarde com Winifred.

-----

Quando acordei na manhã seguinte estava me sentindo muito bem. Winifred não havia me rejeitado, pelo contrário. Ela pareceu apreciar minha companhia e eu, com certeza apreciei a dela.

Eu não sabia onde isso tudo nos levaria, mas sentia que devia investir nessa... amizade. Coloquei a flor que trouxe da casa de chá no bolso do meu colete e desci cantarolando para o desjejum.

Encontrei Bash e Mary na cozinha. Elijah, o filho de Mary também estava na casa, Bash havia me falado quando cheguei na noite anterior. Fiquei feliz por Mary. Sabia que ela sofria por não tê-lo por perto.

- O que é isso? - Bash me perguntou.

- Nada.

- Sim, nada. Estou vendo. É só mais um dia comum com você todo encantado, carregando florzinhas.

- Mary, Bash me disse que Elijah está aqui. - falei ignorando a fala dele.

- Típico, mudando de assunto. - Bash disse.

- Espero que não se importe. - Mary falou sobre Elijah - Nós o deixamos dormir no quarto do seu pai.

- Não, claro. Não é um santuário.

Eu nunca havia retirado as coisas de meu pai daquele quarto. Não sei ao certo o porquê. Por várias vezes havia entrado lá. Olhava tudo, mas nunca tirei nada do lugar. Estava tudo como ele havia deixado no dia que se foi.

Mas fui sincero quando disse que não me importava de Elijah usar o quarto. Me senti confortável com a ideia. Já havia passado da hora de acabar com aquilo. Assim que ele se levantasse eu pegaria as coisas pessoais de meu pai e aquele poderia ser um quarto de hóspedes, ou voltar a ser um escritório agora que eu vinha estudando tanto.

- Ele não está acostumado a acordar cedo. - Mary disse justificando a ausência do filho.

- Embora... - Bash começou a falar - estávamos pensando, se ele se acostumar, talvez pudéssemos usar uma mão extra com todas as maçãs deste ano...

- Sim! - eu respondi de imediato e Mary abriu um sorriso de felicidade - Eu já disse que sim?

- Vou dar a notícia. - Bash falou e saiu.

Mary aproveitou a ausência do marido para me questionar. Percebi que ela tinha um curativo na mão, devia ter se machucado no dia anterior.

- Muito bem! - apontou para a flor em meu colete - Me conta.

- Bem... tem uma garota... ela trabalha no...

- Mary! - ouvimos Bash gritar do quarto.

Corremos até o quarto, Mary entrou primeiro.

- Ele se foi? - Mary perguntou.

Eu entrei logo atrás dela e senti como se me faltasse o chão. O quarto estava todo revirado. As coisas que pertenceram ao meu pai estavam todas jogadas no chão. A grande maioria do que havia ali só tinha valor sentimental. Mas havia algumas coisas que poderiam valer algum dinheiro e ele havia levado todas. Abotoaduras, um relógio e a medalha que meu pai ganhou no exército. Eu realmente não me importava de ele usar aquele quarto, mas aquilo era muita falta de respeito.

- Gilbert, eu... - Mary começou a falar, mas ficou sem palavras.

- Eu sinto muito. - Bash completou.

Me sentei na cama e olhei em volta. Havia uma bituca de cigarro em cima do livro que meu pai tanto amava e uma garrafa vazia ao lado do retrato de minha mãe. Minha vontade era gritar, mas preferi poupar Mary. Ela já estava devastada o bastante pela atitude do filho.

My Anne with an EOnde as histórias ganham vida. Descobre agora