você fica lindo à beira-mar

1K 212 110
                                    

Eu vou morrer de qualquer jeito, diz aquela canção de Girl in red. E passei a utilizar este termo para exatamente tudo. Afinal, eu vou morrer de qualquer jeito. Vou morrer, mesmo que eu tome café da manhã ou não. Vou morrer, mesmo que não passe o dia inteiro à procura de uma oportunidade de assistir o vídeo do Drive que Ten me mandou — nove minutos de beijo na boca, troca de farpas e quase gemidos de Chittaphon. Disse-me que este será nosso "kiss tape", mas não entendi. "Oh, besta, é minha versão de sex tape, só que para beijos", explicou num áudio. Mas que raios é um sex tape? Eu não quis perguntar.

O Google me deu uma mão e eu gostaria de não ter entendido muito bem este termo. Mesmo assim, mandei um sticker de risada e uma foto do tteokbokki que mamãe trouxe ontem. Ele me respondeu que parece apetitoso e que gostaria de estar comendo isso. E eu estou feliz com isso, porque estamos conversando bastante. Pelo menos quando Ten me responde, porque às vezes ele me dá um vácuo de horas e horas.

E foi num desses vácuos que solicitei mais alguns dias para ficar aqui, uma vez que papai não tem melhorado tanto e todo mundo parece ocupado demais. Minha irmã está a fazer provas e mamãe traz dinheiro, toda noite, das vendas. Então é só eu, o silêncio e papai. De vez em quando converso com Dodo, mas só serve para me irritar. Mesmo assim, sinto falta dele. Até mesmo de Yuta.

No entanto, o lado bom de não morar numa cidade gigantesca como Seul é poder sair de casa do jeito que quiser, pois ninguém irá te julgar. Dou tchau ao papai, avisando que irei comprar uns antibióticos, e saio de sandálias e short listrado. Como o sol está irado, passo numa loja de conveniência e compro um sorvete de chocolate para refrescar-me um pouco. E nisso vou andando, bordando as ruas com memórias caretas que surgem e desaparecem como se eu estivesse sendo bombardeado. E eu gosto um pouco dessa sensação.

Mudo a rota, vou à orla. Lambendo o palitinho, penso comigo mesmo o quanto cresci. E sempre que olho o mar, parece que meu interior se acalma. Como se a água estivesse a derramar no meu coração, que antes agitava-se de agonia e desespero. E do nada se acalma, a medida que estou caminhando pela areia. Tiro o celular do bolso, capturo uma imagem, envio a Ten juntamente com uma selca malfeita.

De repente, convida-me para uma vídeo chamada. Ele não trabalha? Céus, Ten virou vagabundo.

Eu: a.
Ten: *chamada*

Alguém me explica o que isso quer dizer? Urgente?!!

— Você fica lindo à beira-mar — diz, ao olhar-me pela tela do seu celular. — Praia combina com você, mesmo que você tenha cara de fresco que não entra no mar.

— Obrigado e... Acertou — ergo a mão para gesticular um "legal" — Eu não quero me molhar.

— Fresco.

— Você me chamou de quê? — encaro seu rosto.

— Fresco. Se quiser, te chamo também de abestalhado, corno, bocó...

— Por que me chamou de corno? O que isso quer dizer? — aperto um pouco os olhos, a luz iminente irritando minha íris.

— Um insulto, Taeyong. Estou te insultando — ele levanta-se do sofá do escritório e caminha até a janela, deixando-me ver seu rosto iluminado pela luz do sol. — Mas, vem cá... E a questão do namoro? A gente nem teve como terminar o tempo, né?

Por que você está interessado nisso, Ten? Por que você está interessado nisso, Ten? Por acaso você quer me dar falsas esperanças? Você quer me dar falsas esperanças?

— Podemos ver isso quando eu voltar.

— Mas eu já vou ter ido à China.

— Ah, é. Mas não tem problema, sabe? Quando você voltar, a gente resolve. Então terminamos.

— Como a gente vai terminar? — pergunta e eu rio, pois não acredito que estamos planejando isso.

Ficamos em silêncio, pensando, eu olhando as ondas irem e voltarem e esse som de chiado inundando o áudio da chamada. Ten apenas me observa. Não obstante, notório é o fato de que não está pensando como eu. Talvez ele esteja só me olhando mesmo.

— Sei lá, você me chama de corno — dou de ombros. Ten ri, sua risada alta tomando conta da praia, as ondas do teu timbre misturando-se com as ondas sonoras que advém das ondas mecânicas do mar.

— Tudo certo — inclina a cabeça e teu cabelo cai no rosto. — Mostre-me um pouco daí.

Então, com olhos apertados e uma voz rouca, narro o máximo de lugares possíveis que consigo mostrar no momento. Conto algumas histórias, Ten ri da maioria delas. Eu gosto da sua risada, ela ilumina meu dia. É como se a presença dele em mim fosse necessária para que tudo corra bem. E eu sei que não deveria ser assim, mas eu simplesmente sinto isso toda vez que escuto sua voz.

Ten almoça falando comigo, eu esqueço completamente de voltar para casa. Quando ele termina o pudim e desiste de lamber a colher, diz que minha dose diária dele chegou ao limite e que precisa desligar. Dou tchau segundos antes de entrar em casa. E, já de volta, vejo papai dormindo. Ele sempre dorme. Já me acostumei com tua presença pela metade.

Sento-me à mesinha de centro, com um papel A4 e um lápis perdido que achei aqui em casa. Tento desenhar Ten, mas não dá certo. Tudo que faço dele, nunca é bom o suficiente. Ele não merece virar um dos meus desenhos, seria como se eu estivesse a comprimi-lo para caber nisso. Ele merece muito mais. Então desenho papai deitado no sofá com a boca aberta, roncando daquele jeito que assusta, porém já é de costume de todos.

Ten gosta de detalhes, eu prefiro a obra inteira. Concluo o desenho, então passo a desenhar um jarro de flores que reside no peitoril da janela. Dessa vez, atentarei aos detalhes. Detalhes, para que façam sentido entre si. Muitas linhas, muitas curvas, muitos contornos. Esfrego o dedo no papel para o sombreamento, deslizo a ponta várias vezes para tornar os detalhes mais fortes. É muita coisa, muito esforço. Durmo antes de chegar na metade, acordo com torcicolo com a chegada de mamãe.

Que droga, acho que preciso fumar. Mas, honestamente, não quero mais errar. Papai está de olho em mim. Em silêncio, está de olho. E não quero ser chutado daqui outra vez.

café et cigarettes༶✎༶tae•tenحيث تعيش القصص. اكتشف الآن