você disse que queria me ver

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Como está? Espero que bem. Posso passar na tua casa mais tarde? Estou louco pelo seu café. E por você também, quero te ver.

Enfio a panela no fogo com um sorriso no rosto. Saí demasiadamente apressado, sem nem olhar pra trás, deixando o jogo pela metade, alegando ser emergência. Uma emergência. Dei dois tapas no braço de Doyoung antes de partir. Espremi no metrô, dormi no ônibus, acordei no ponto exato da minha casa. Ônibus têm esse ar de soneca infernal. Sempre que sento, durmo. É automático.

E aqui estou eu, fazendo café para o meu dengo. Ele me mandou aquela mensagem há duas horas, então acredito que o mais tarde explícito no texto seja o agora. Espero que ele venha agora, pois estou fazendo um café quentinho. Bem amargo, como ele gosta. Mal ficou aqui e já quer voltar. Meu Deus, meu rosto vai esticar de tanto que estou sorrindo.

— Volta logo, Chittaphon. Café vai esfriar — gravo um áudio para ele. — Lembre-se: você disse que queria me ver.

Sento-me no sofá, aguardando sua presença ao meu lado. O lado esquerdo do sofá tão gelado, esperando teu corpo, tuas leituras, teus palavrões. Sinto falta e olha que só passei horas sem ele aqui. Quero tanto, mas tanto.

A campainha grita. Meu coração grita. Ele surtou, passou a espancar as costelas. Levanto-me com pressa. Estava amargurado, derretendo no sofá, o café esfriando, cadê o meu amor. E aqui está ele. Com roupas diferentes e um sorriso de sol.

— Oi... — recosto-me no batente da porta. — Que trazes pra mim?

— Um beijo — estica-se para dar-me um beijo tão rápido que sou obrigado a implorar por outro. — Posso entrar?

— Onde você quiser — mas não lhe dou passagem para entrar.

— E o que quer dizer com isso?

— Nada, só falei por falar — ponho a mão na tua cintura e puxo seu corpo para perto. Se alguém sair do elevador ou escadas, com certeza nos verá num momento um tanto íntimo. — Senti sua falta. Sentiu a minha?

Ele ri. Ten não sente a falta de ninguém. E se sente, aposto que não deixa ninguém saber. Aposto que não deixa nem a si mesmo saber. Aposto que detesta tanto sentir saudades, que procura outros motivos para justificar o sentimento em si. Será mesmo que não sente saudades? Não consigo lidar com isso.

— Senti sua falta... — repito, um pouco mais longo dessa vez. Puxo seus lábios com os meus, entro na tua boca quente e gostosa. Ele tem gosto de sol. Sinto que queima minha língua. Teus beijos queimam minhas artérias, meu miocárdio, meu pulmão. Nada. Cigarro não é nada comparado aos teus beijos.

Teu all star bege encardido está erguido. Encaixo o miúdo corpo entre o meu e o batente de madeira da porta de entrada. És quente, és belo, és nocivo. Percebo uma ecobag cair ao chão sobre nossos pés, não a tinha percebido antes disso. Mas não há importância. Gosto de como ficamos neste lugar, de como nos damos bem, de como sua língua domina a minha e é tão calma e suave que parece que estou no céu.

Deus existe, qualquer que seja a religião. Céu existe, qualquer que seja tua decoração. Ele está aqui, nas pontas dos meus dedos, no formigamento, em como aperto a cintura. O céu está aqui, na umidade, na saliva, no toque, no granulado, na sucção. Ele está aqui, em pé, abraçando-me forte, com teu cheiro impregnando minhas roupas, teu cabelo azucrinando minha cara, tua respiração incendiando minha pele. Deus existe, e ele quer que eu ame. Céu existe, e ele quer que lhe conheça. E eu estou passando pelo portão...

— Senti sua falta... — sussurro, uma vez que ele fez o favor de dar um selinho para terminar.

— Aham, vamos entrar — ele sorri, passa direto por mim, entra no meu apartamento.

Pego a ecobag do chão e entro também, fechando a porta atrás de mim. Ten senta-se no sofá, faz um gesto para que eu venha logo. O lado esquerdo. Ele ama o lado esquerdo. Sento-me também, lhe entrego a sacola. De dentro ele tira uma vasilha com biscoitos e diz que ele mesmo fez.

— Sério? — pergunto por perguntar.

— Você duvida?

— De jeito nenhum.

E então sorrimos. Ele pega sua xícara de gatinho. Combina com ele. Pego minha xícara branca. Combina com meu vazio. Pegamos seu biscoito de coco e comemos. Bebemos café e comemos biscoito. Parecemos vovôs desocupados. Somos vovôs desocupados. E então estamos jogando baralho, pois está ficando tarde e Ten não quer ir para casa. Eu sei que ele está enrolando, consigo ver no modo que distribui as cartas e diz que devemos levar o jogo a sério.

— Ten — digo, misturando as cartas para uma próxima rodada. — Sabe o que você falou ontem?

— Falei tanta coisa ontem... — ele está deitado de barriga para cima enquanto escolhe uma música para tocar.

— Sobre r&b — explico. Uma das poucas coisas que me recordo de termos falado. Todas as nossas conversas são um borrão. Só me lembro do que fizemos. E de como fizemos. — Que combina com a gente.

— Ah... É verdade — ele desliza o dedo pela tela do celular e balança os joelhos dobrados.

— E você me perguntou sobre.

— Hm.

— E eu não soube responder.

— Que é que tem?

— The Smiths. Não sei porque, mas sempre penso em nós quando escuto The Smiths — distribuo as cartas sobre o chão e lhe entrego algumas.

— De Girlfriend in a coma? — seu rosto vira-se para mim. Ele fica lindo em qualquer ângulo, que inferno.

— É. Mas tem outras músicas também... — respiro fundo. — É isso.

— Se quiser, pode escolher uma música. Sua vez — ele me entrega o telefone e pego de bom grado.

Pesquiso Love Song de Lana Del Rey. Uma boa música, uma boa vibe, um bom álbum, uma bela voz. Vai além de um casal se amando no banco de trás de um carro. Vai muito além. E Ten entende isso, pois seu silêncio ao me ver deitar ao seu lado enquanto decido qual carta lançar diz isso. Teus olhos piscam lentamente. O gosto, o toque, a maneira como amamos... Obrigado por esta música, obrigado por esse homem. Ele me olha, olha meu rosto, olha meu jogo inteiro, olha minha alma. Viro meu rosto na sua direção, deixo a carta cair no chão. Não dizemos nada.

— Preciso ir — conta, assim que o último "love song" é dito. De repente, já está de pé, enfiando-se no tênis de qualquer jeito, puxando a sacola junto a ti, olhando ao redor para ver se esqueceu algo mais.

— Vá não, fica aqui — peço, seguro sua mão. Que saudades de segurar sua mão e andar por aí. Saudades de Paris, saudades do suor do nosso contato. — Pode dormir comigo.

— Não, não posso. Sinto muito. Te vejo segunda, tchau — um beijo na minha bochecha e do nada a porta bate.

Começa a tocar Cinnamon Girl e eu olho para a caixa de som. Ele nem desconectou o bluetooth. Mas se você me abraçar sem me machucar, você será o primeiro a fazer isso. Me abrace, me ame, me toque, querido. Seja o primeiro a fazer isso. Seja o primeiro a... E então para, pois ele entrou no elevador. Ele foi embora. "The bluetooth device is ready to pair", berra a caixa de som. E sento no sofá. Eu começo a pensar. Pensar e pensar. Será que fiz algo errado? Eu nunca irei saber. 

café et cigarettes༶✎༶tae•tenOpowieści tętniące życiem. Odkryj je teraz