30 - Precisando ser Forte

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Aquelas palavras tiveram um efeito imensurável em mim. Ela tinha razão, de nada valeria ser frio e indiferente. Eu não sabia se conseguiria fazer as pazes com a medicina. Mas levaria aquelas palavras em meu coração por toda a minha vida. Ainda mais que foram ditas por ela... com aquele olhar determinado penetrando minha alma.

Anne passou por mim e eu fiquei ali parado a olhando por um instante. Sua força e maturidade me surpreenderam.

Eu, porém mal podia segurar minhas emoções. Continuamos andando em silêncio até a fazenda e as lágrimas já escorriam de meus olhos sem que eu conseguisse contê-las.

Quando estávamos nos aproximando da casa pude ver ao longe que os Cuthberts estavam indo embora. Bash andou devagar de volta para casa e eu parei, tentando criar coragem para entrar. Eu teria que ser forte para Bash, para Mary, para Delphine. Não tinha o direito de fraquejar naquele momento, mas fraquejei...

Olhei para a casa e senti tudo de novo, a morte do meu pai caiu novamente sobre mim numa avalanche. Será que aquela casa não merecia a felicidade? A morte sempre viria tirá-la de nós?

Senti as lágrimas rolando por meu rosto. Precisava extravasar aquela dor um pouco antes de guardá-la numa máscara de força.

Chorei, não podia evitar. Estava consciente da presença de Anne ao meu lado. Não tinha envergonha por ela ver meu choro. Senti que podia ser sincero com ela, sem máscaras. Apenas olhei para aquela casa e deixei as lágrimas caírem.

Então eu senti seus braços me envolvendo...

Anne me abraçou, fiquei sem ação por um instante. Mas a abracei de volta e a apertei em meus braços. Era a sensação mais incrível que eu já havia experimentado. Anne, sua força, suas palavras e aquele abraço... era tudo o que eu precisava naquele momento.

Choramos juntos naquele abraço e me senti acolhido, consolado, fortalecido. Eu queria ficar ali, para sempre e esquecer tudo.

Mas Mary não podia ser esquecida. Anne se soltou de meus braços e nos olhamos. Um encorajando o outro para seguir em frente. Quando estávamos prontos, nos viramos e seguimos para a casa lado a lado.

Quando entramos, Bash falou a Anne que Mary a estava esperando. Queria lhe fazer algumas perguntas. Ela foi para o quarto e eu fiquei com Bash. Tentei conversar, mas ele ainda não estava pronto para desabafar. Respeitei seu silêncio.

Anne ficou com Mary a manhã toda. Depois apenas se despediu rapidamente e foi embora. Subi para levar um pouco de leite e um pedaço de pão que Marilla havia trazido. Apesar de ninguém ter apetite naquela casa, eu precisava tentar alimentá-la de alguma forma.

- Com licença! - eu disse quando entrei - Lhe trouxe pão e um pouco de leite, por favor, tente se alimentar.

Eu peguei Delphine que dormia em seu colo e a coloquei no berço. Ela pegou o copo, mas não bebeu. Ficou me olhando com um sorriso amoroso nos lábios.

- Sente aqui. Quero falar com você também. - eu me sentei - Você perdeu sua mãe quando ainda era um bebê, não foi?

- Sim. Ela morreu algumas horas depois de eu nascer!

- Você e Anne são tão parecidos! Até nisso... Eu quis conversar com ela sobre como ela conseguiu se tornar a pessoa linda, amorosa, terna e inteligente que é tendo perdido seus pais tão cedo. E você também, é tão forte, inteligente e gentil. Se eu soubesse que Delphine poderia se tornar como vocês eu me sentiria tranquila.

- No funeral do meu pai, Anne me disse que eu tive sorte! - eu disse rindo da lembrança.

- Não acredito! - Mary riu também.

- Na hora eu fiquei furioso. Mas ela tinha razão. Eu tive meu pai por grande parte da minha vida. Tive as histórias que ele contava sobre minha mãe. Seus livros, seus poemas, seu retrato... Anne não teve nada disso, eu também fico admirado por ela ter conseguido ser como é... - interrompi a fala, já havia falado demais.

- Ela me disse que o que a salvou foi ter acreditado desde sempre que os pais a amavam e não a deixaram por vontade própria. Foi a fé no amor deles que a salvou.

- Faz sentido... Eu também sempre tive a certeza do amor de minha mãe. E Delphine terá todos nós para dizer-lhe o quanto você a ama. Nunca a deixaremos duvidar disso, eu prometo.

- Anne me aconselhou a escrever uma carta. Para Delphine saber o que sinto.

- Perfeito! Eu amaria ter algo assim de minha mãe também.

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Mais tarde escutei Bash e Mary discutindo. Eles falaram alto por um tempo, depois Bash me disse que ela queria falar comigo.

Entrei no quarto e Mary me revelou o motivo da briga. Ela queria que Bash fosse ao gueto buscar Elijah. Ele não queria deixá-la naquele momento. Então ela pediu para eu ir.

Eu sinceramente não havia perdoado Elijah por ter roubado as coisas de meu pai. Nem queria ele na minha casa outra vez. Mas como negar isso a Mary? Ela apenas queria ver seu filho uma última vez.

- Não sinto orgulho em te pedir isso, depois do que aconteceu. - ela disse envergonhada.

- Eu vou encontrá-lo... se puder.

- Eu gosto tanto de você, Gilbert Blythe! - ela sorriu pegando minha mão - Você é grande parte da minha vida, quero que saiba. Você encontrou meu marido, um homem que eu nem sonhava que poderia existir, em um navio no meio do oceano... - nós rimos juntos - ... e o trouxe para sua casa, não como um parceiro ou amigo... mas como um irmão. Tem pessoas que não entendem a conexão de vocês. A maioria nem seria capaz de entender... mas eu me sinto abençoada... sabendo que o Bash está seguro com você.

- Obrigado. Por trazer amor de volta à casa da minha família. - eu disse a abraçando.

- Sabe aquela menina de quem falou? - acariciou meu rosto sorrindo - Só se case por amor. Só por amor.

Guardei o conselho em meu coração. Como um tesouro que algum dia eu desenterraria e poderia reconhecer seu verdadeiro valor.

My Anne with an EWhere stories live. Discover now