27 - Mudando de Foco

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(T3E2)

No sábado pela manhã me encontrei com os Cuthberts na estação de trem, em Carmody. Marilla parecia mais zelosa que o costume e Anne estava impaciente com isso.

- Não fale com estranhos. - disse Marilla.

- Claro! - Anne respondeu.

- Não aceite caronas.

- Claro!

- E fique sempre perto do Gilbert... e tem certeza de que pegou tudo? As passagens de volta do trem e da balsa?

- Claro! - Anne falou constrangida.

- Porque Deus sabe o que iria acontecer se ficasse presa em algum lugar e... meu Deus, Anne!

Marilla simplesmente lambeu o dedo e começou a limpar o rosto de Anne, que parecia querer desaparecer dali.

- Marilla! - Anne disse olhando para os lados.

Eu estava achando tudo aquilo muito engraçado, mas não ri. Marilla parecia estar realmente preocupada. Talvez o excesso de zelo fosse apenas para disfarçar o medo do que Anne pudesse descobrir sobre sua família. Talvez Marilla tivesse medo de perdê-la.

- A forma como se apresenta te representa. - Marilla disse ainda limpando o rosto de Anne - Se parecer um moleque, Deus sabe que perigos atrairá. Sabe que tipo de gente anda de trem?

- Eu ando de trem! - Anne disse impaciente - E já andei muito sozinha. Devo lembrar você que sou uma viajante veterana.

- Matthew, dê mais dinheiro para ela comer. - Marilla continuou - Sabe como ela é quando está em uma de suas aventuras. - se voltou para mim - Ela se esquece de comer. E antes que perceba, ela está fraca e largada em uma vala!

- Marilla! - Anne falou assustada e depois se virou para mim. - Eu nunca fiz isso.

Fui para o trem segurando o riso e a esperei na porta. Um funcionário da estação passou anunciando a partida.

- Apesar da desconfiança, agradeço por permitir esta busca para descobrir sobre minha família. - Anne disse abraçando Marilla - Sei que vai resultar em algo notável e preencher um vazio que eu nem sabia que tinha!

Correu para o trem, eu entrei e a esperei no alto da escada.

- Gilbert, não a perca de vista até chegar à casa da Srta Josephine. - recomendou Marilla.

- E obrigado por concordar em acompanhá-la. - Matthew, que tinha observado tudo em silêncio até aquele momento completou.

- Eu vou todos os sábados. - respondi - Não é um problema.

- Não sei o que deu nela. - Anne me falou - Mas certamente sou capaz de...

- Farei de tudo para mantê-la longe das valas. - eu disse à Marilla tentando ser engraçado e fui para o meu assento.

Anne entrou logo depois e sentou na minha frente impaciente.

- Ela gosta de você. - eu lhe disse - A Marilla.

- É ridículo!

- Se serve de consolo, não me importo em ser seu acompanhante.

- Eu me importo. Eu posso me cuidar sozinha. Ao menos sabe qual é a minha missão? Eu estou em uma jornada pessoal muito significativa e não preciso de você.

Claro, ela não precisava de mim. Porque precisaria afinal? Porque mesmo eu estava ali? Para ajudá-la? Para estar perto dela? Eu devia mesmo ser ridículo correndo atrás daquela garota que não se importava nem um pouco comigo. Desde que nos conhecemos ela me tratava mal e eu sempre arrumava desculpas para isso. Eu precisava urgentemente mudar meu foco.

- Sim. Já percebi isso. - eu disse.

- Desculpe, eu não quis... - ela pareceu perceber que me feriu, mas eu não queria desculpá-la não desta vez.

- Tudo bem! - eu disse abrindo meu costumeiro livro de fuga e mergulhando nele.

Ficamos praticamente em silêncio o restante da viajem. Anne puxou um assunto ou outro, mas eu respondi com frases curtas. Quando chegamos à casa de Josephine Barry ela se virou para mim.

- Obrigada!

- De nada. - me virei e fui saindo.

- Vejo você no... trem.

Eu não parei para escutá-la. Precisava me afastar dela. Fui para o consultório do Dr Ward como fazia todos os sábados desde que trouxe Bash para uma consulta há mais de um ano.

Era uma experiência boa. Eu gostava de estar no consultório aprendendo sobre a medicina. Confesso que às vezes era bem entediante, mas ainda assim era uma experiência enriquecedora.

Quando entrei na sala de espera escutei alguém conversando. Era a voz de Winifred, a secretária do Dr Ward.

Winifred Rose era filha de um grande amigo do Dr Ward. Não sabia ao certo sua idade, mas era jovem. Talvez um pouco mais velha que eu. E era bonita, muito bonita. Era engraçada também e apesar de não falarmos sobre nossas vidas particulares. A convivência aos sábados fez com que eu a considerasse uma amiga, de alguma forma.

- Temos que parar de nos encontrar assim. - ela falava e eu fiquei confuso sobre ser conveniente me aproximar - Mas aqui estamos de novo, Sr. Ossos. E você não parece melhor desde nosso último encontro. Deveria ter sacudido a poeira. Parece que o médico pode fazer muito pouco por você. O Sr precisa começar a se cuidar melhor, jovenzinho. Está desfalecendo... Oh! Ora! Não sei que tipo de garota pensa que sou, mas acabou de comprar uma briga com meu pai e a espingarda dele. - eu estava cada vez mais confuso, ela falava com alguém que não parecia estar respondendo, resolvi espiar - Mas se levar um tiro, eu terei que remontá-lo. Essa é a sina das mulheres! - para minha surpresa ela estava conversando com o esqueleto que ficava perto da mesa do doutor - Me parece que tem sangue quente, mas como nem vivo está, um tiro não lhe fará mal. Ah! Então foi um acidente?... Você fica muito bonito quando está arrependido, Sr Ossos. Sim, posso perdoá-lo. - estendeu a mão, como se o Sr Ossos fosse beijá-la.

A essa altura eu a obsevava parado bem atrás dela. Finalmente ela percebeu minha presença. Porém não pareceu constrangida.

- Veio ver o espetáculo? Ingresso para um? - se virou para o esqueleto - Sr Ossos, você tem os ingressos? - voltou-se para mim novamente - Acho que estamos esgotados. Bom dia Sr Blythe!

- Bom dia, Srta Rose! - de repente pensei que Winifred seria uma ótima escolha para meu plano de me aproximar de outra garota, porque não tentar? - Se o Sr Ossos concordar... aceitaria tomar um chá comigo?

Ela esticou o pescoço e olhou novamente para o Sr Ossos, eu também olhei para ele, já não me surpreenderia se respondesse.

- Parece adorável! - ela respondeu e eu fiquei empolgado e sem jeito ao mesmo tempo, fui saindo e esbarrei no batente da porta - Tenha cuidado. - ela disse rindo.

My Anne with an EWhere stories live. Discover now