Reminiscências

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POV Yuuri

Sentado em uma ponte que avança por cima do mar, meus olhos se perdem no horizonte. Sinto apenas o vento passando pela minha pele, o movimento da água molhando a ponta dos meus pés, o sol se põe lentamente com seus raios vermelhos iluminando a água e refletindo nela suas cores. Enquanto observava aquela linda paisagem alaranjada, com um caderno no colo, lápis em mãos e completamente perdido em meus pensamentos, não percebo ninguém chegar até que uma mão afaga carinhosamente meus cabelos negros. Viro meu rosto rapidamente, e sentado ao meu lado, encontro um olhar pousado em mim, suas íris de um tom azul que me puxam profundamente para si. Sinto meu rosto esquentar, é como se seu olhar enxergasse através de mim e visse minha alma, deixando-me envergonhado.

“Yuuri...” - Sua voz arrastada soa como um sussurro pelo tom baixo. Sua mão, outrora em meus cabelos, agora segura a ponta de meu queixo me puxando para mais perto dele, e seus lábios tocam os meus gentilmente. Deixando-me levar por seu beijo, passo minhas mãos ao redor de seu pescoço, deixo que o lápis caia por entre meus dedos e esqueço completamente do caderno que estava em meu colo antes, entregando-me de vez.

Acordo e lembro vagamente do que sonhei. Isso vem acontecendo recentemente: sonho todos os dias e às vezes acordo transtornado e suado, sentindo-me mal. Outras vezes acordo bem, como se um peso houvesse sido retirado de cima de mim, e sinto uma imensa felicidade que me preenche por inteiro. Esses sonhos vêm ocorrendo há uma semana, e Viktor vem todos os dias ver como estou. Ainda não contei a ele sobre os sonhos que tive, até mesmo por não lembrar totalmente deles. Para mim sonhos são apenas sonhos, mas se continuarem se repetindo, conversarei sobre o assunto com ele. Gosto quando ele me faz companhia, embora ele não possa estar aqui o tempo todo. Quando conversamos é como se nos conhecêssemos há muito tempo. Ainda sinto vontade de fazer um retrato dele, para dar a ele como presente de agradecimento por me fazer companhia mesmos estando ocupado. Só espero sair logo desse hospital.

Olho no relógio e são 7:40 da manhã. Viktor sempre me visita às 8h, parece que é o período em que não há muita coisa para se fazer. Aproveito esses minutos para desenhar, considerando que hoje minha coluna não dói tanto e me sinto bem aproveito para me sentar. Uso um caderno de desenhos que foi deixado na mesa ao lado de um vaso com flores. Não sei quem o deixou ali, mas está novo, acompanhado de um estojo com lápis que nem foram apontados. Talvez Yuuko ou Pichit tenham deixado aqui enquanto eu dormia. Começo a desenhar a linda paisagem de meus sonhos, recordando-a vagamente. Desenho sem ver o tempo passar, e não percebo que Viktor está parado na porta me observando até eu olhar para ela. Em seu rosto um sorriso de satisfação, talvez por me ver recuperado. Fico envergonhado por estar sendo observado e meu rosto começa a esquentar, provavelmente corando. Ele deve ter percebido, pois vem em minha direção e tenta olhar o esboço que estou fazendo.

“Que lindo.” Observo pelo canto do olho seus olhos mostrando admiração. Posso sentir um pouco de seu perfume por estar tão perto, sua fragrância é agradável e familiar. É uma mistura de menta com amadeirado, embora a menta pareça vir do seu hálito.

“É apenas um esboço." Respondo envergonhado.

“Mesmo assim você tem talento, e pelo que vejo está se sentindo melhor."

Viro meu rosto em sua direção e ao encontrar seus olhos, lembro-me vagamente de dois olhos azuis que parecem safiras brilhando em meus sonhos.

“Iguais aos meus sonhos." Deixo escapar. Viktor fica surpreso e algo mais transparece em seu olhar, mas não consigo identificar.

“O que é igual aos seus sonhos?” Ele pergunta interessado.

“B-bem, seus olhos são iguais aos de alguém que aparecem em meus sonhos, mas não lembro do rosto... só os olhos, assim como no sonho de hoje.” Respondo tentado consertar o que fiz. Ele me olha com surpresa.

“Pode me contar sobre o que sonhou hoje?” Ele pergunta, mas sua expressão parece um pouco estranha, seu sorriso parece meio endurecido. Será que falei algo errado?

“Não me lembro direito, apenas lembro da praia que estou desenhando e dos olhos azuis iguais aos seus.” Falo enquanto observo seu rosto para ver se há alguma coisa que deixei passar despercebido.

“Tudo bem, não precisa se esforçar, apenas descanse. Hoje não posso fazer companhia, vou estar ocupado em uma cirurgia, mas quis vir ver como você estava, e parece bem melhor." Ele diz isso e afaga minha cabeça, bagunçando os meus cabelos ainda mais. Seus olhos parecem ter emoções complicadas mas não consigo diferenciar.

Nesse momento, me lembro que no sonho alguém fazia a mesma coisa. Porquê sinto que tudo no Viktor me é familiar?

“Está bem, eu agradeço por ter vindo.” Respondo enquanto ele vai em direção à porta. Ele vira o rosto com a mão na maçaneta e dá um sorriso, não aqueles sorrisos sociais, mas um sorriso genuíno.Não entendo por que, mais sei quando Viktor não sorri sinceramente... é como se eu já tivesse visto antes. Ouço a porta bater e continuo a desenhar, mas não demora muito para eu começar a sentir sono de novo. Talvez tenha acordado cedo demais, ou seja efeito do remédios. Meus olhos vão fechando, tento lutar contra o sono mas percebo que é inútil e logo desisto.

Sinto frio. Estou deitado no chão gelado... tudo está escuro. Minhas costas doem pelos chutes que levei, minha cabeça deve está sangrando... consigo sentir o líquido quente escorrer, mas não consigo me levantar. Eu o chamei pelo celular, pedindo sua ajuda... queria apenas escutar sua voz antes de ficar inconsciente. Seu tom enquanto falava comigo soava desesperado.

“Já estou indo, Yuuri! Só me diz onde você está!”

“E-estou no beco… atrás do bar… que costumamos vir…" Respondo devagar enquanto sinto um pouco de dificuldade para respirar.

“Estou chegando aí, e te levo no hospital! Apenas espere!” Seu tom de voz mostrava que estava alarmado.

“Viktor…” Deixo escapar seu nome como um sussuro.

“Yuuri!" Alguém me chama.

“Yuuri! Acorda!” Vou abrindo os olhos lentamente enquanto me acostumo com a claridade.

Vejo que Pichit, Yuuko e Mari nee-san estão aqui, ao lado deles uma enfermeira. Eles me olham assustados. Fico sem entender. Começo a me sintir pegajoso de suor, talvez tenham se assustado por isso.

“Por que estão me olhando assustados?” Pergunto em busca de respostas.

“Yuuri...” Pichit foi o que começou a falar. “Nós viemos te visitar, e quando chegamos aqui você estava suando e sua respiração estava enfraquecendo. Ficamos assustados e preocupados. Fomos atrás de um médico, mas como é hora do almoço, poucos estão disponíveis, e Viktor estava no meio de uma cirurgia. Conseguimos que uma enfermeira viesse aqui para ver você.”

Meu corpo estremece sozinho ao ouvir o nome de Viktor.

“Yuuri, você está bem?” Mari nee-san me pergunta preocupada.

“Estou bem, foi só um pesadelo.” Respondo tentando tranquilizá-los.

A porta se abre com força antes que pudessem falar, e um Viktor desesperado entra por ela, parecendo como se tivesse corrido.

“Yuuri!” Sua voz preocupada me chama, e dessa vez me lembro do meu sonho. E não sei como encará-lo. Lágrimas começam a sair de meus olhos e não consigo pará-las. Não sei por que estou chorando, elas apenas descem. Viktor vem em minha direção, me abraçando, e deixo-me confortar por seu abraço.Seu toque, seu perfume, seu olhar, seu sorriso, eu tenho a sensação de que já senti e vi tudo aquilo antes, mas por mais que me esforce, minha memória é apenas um vazio.

The Lost MemoryWhere stories live. Discover now