Capítulo| 8

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Garzón

Acordo bem cedo, o coração batendo rápido, tão rápido que consigo ouvir o sangue pulsar em meus ouvidos e o peito doer de falta de ar, com se eu tivesse corrido, corrido, corrido a noite inteira

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Acordo bem cedo, o coração batendo rápido, tão rápido que consigo ouvir o sangue pulsar em meus ouvidos e o peito doer de falta de ar, com se eu tivesse corrido, corrido, corrido a noite inteira. Sentada na cama, sorvo o ar respirando rapidamente com a boca aberta, tentando recuperar o fôlego. Tive mais um de meus sonhos, mais um de meus pesadelos. Costumo acordar no meio da noite, a me sobressaltar com sonhos que subitamente descambam para o mal, embora nos últimos anos venho dormindo em paz. Os sonhos ruins haviam desaparecido; desapareceram por tanto tempo que achei ter me livrado deles, como um velho vestido que finalmente fica pequeno demais. Mas eles voltaram, os sonhos, desde que vi a foto de Atticus pela primeira vez na Vanity Fair. Ou talvez jamais tenha ido embora. Talvez estivessem se deslocando sorrateiramente dentro de minha cabeça esse tempo todo, apenas esperando o momento de me pegar desprevenida, esperando que eu pensasse: para mim chega, chega de pesadelos e então — pimba! — eles me acertam com um sonho ruim justo quando achava que tudo ia bem.

Já mais calma, olho ao meu redor, esfregando os olhos. Os brilhantes números vermelhos do relógio marcam 04:11hrs. A noite ainda está escura, restam algumas horas ainda até a manhã. Em algum momento durante a noite, chutei as cobertas para fora da cama e o lençol está retorcido num dos cantos. Visto uma camiseta enorme, largona — a bainha bate quase nos joelhos. Coloco a mão por debaixo da camiseta, sinto minha pele. Está úmida, levemente escorregadia de suor. Eu me levanto e caminho pela casa escura, os pés descalços evoluindo compassado e silenciosamente pelo tapete do corredor. Sombras indistintas preenchem os cantos do quarto, mas não preciso acender a luz. Estou acostumada a me orientar no meio da noite e as sombras não me assustam — todos os meus pesadelos estão trancados em minha mente. São do tipo que eu não consigo enxergar. Na cozinha, sinto o linóleo, frio, sob meus pés. Encosto-me na geladeira, uma chapa fria, metálica, e deixo-a esfriar minha pele. Fechando os olhos, descanso a testa na porta.

Estou tão cansada.

Alguns minutos depois ouço um ranger abafado e ergo a cabeça, subitamente, sobressaltada. Olho diretamente à minha frente, na escuridão da cozinha, tentando descobrir de onde vem o barulho. Presto atenção. Silêncio. Passo alguns momentos ali, sem me mover. Ainda assim, nenhum som, nenhum outro ranger abafado. Não foi nada, decido finalmente, relaxando, é só a casa, com seus gemidos e estalos, as paredes e canos acomodando-se como os ossos cansados de um velho animal se deslocando, ajeitando-se para descansar.

Volto para a cama perguntando-me se o sono chegará, temendo outro pesadelo. Eu nunca os lembro. Assim que acordo, os sonhos desaparecem, deixando-me exausta, amedrontada, sem nunca saber o por quê. Os médicos disseram que minha incapacidade de lembrá-los, assim como minha duradoura amnésia, são um mecanismo de defesa: eu os barro da consciência para evitar uma ansiedade que não consigo — ou escolhi não conseguir — suportar. Não sei se é verdade. Mas sei que o pesadelo desta noite foi provocado por pensamentos relacionados à esposa morta de Atticus.

Falsa SuttomissioneWhere stories live. Discover now