Capítulo| 4

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Garzón

Ele é quase maior do que a própria vida

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Ele é quase maior do que a própria vida. Sem querer, como se sua simples presença me deixasse com claustrofobia, dou um passo atrás, intimidada. É um homem alto — de um metro e oitenta, pelo menos — que parece acostumado a ter tudo à sua maneira. As roupas, uma camisa branco-perolado de mangas compridas e calças pretas, parecem ter sido feitas sob medida, caindo-lhe com perfeição; ainda assim ele dá a impressão de estar prestes a explodir de dentro delas, o corpo substancial e musculoso nada fácil de conter, o físico robusto de um salva-vidas alguns anos além de sua melhor forma. Dá uma última olhada na folha de papel que traz na mão e, então, enfia-a outra vez no bolso traseiro.

— Sou Violette, Violette Garzón.— digo.— a nova...—

— A nova cozinheira.— Interrompe ele, terminando minha frase.

Enquanto se apresenta, noto que está me analisando rapidamente, tirando minhas medidas, olhando brevemente para minha saia florida e o suéter de Cachemira Rosa-pálido para então deter-se em meu rosto, achando — assim como a maioria das pessoas — algo inescrutável ali, algo levemente fora do lugar. E, como faz a maioria das pessoas, ele rapidamente mascara sua curiosidade para não me ofender. Ele estende a mão, enorme, forte como uma pata de urso, para apertar a minha. Quando toco a sua pele, sinto algo que não esperava sentir: excitação, uma precária emoção. É visceral, algo que vem das entranhas e eu gosto do que sinto — muito similar, imagino eu, ao que sente o caçador ao encontrar a sua presa. Baixo a vista para não encontrar o seu olhar, temendo me delatar. Sua mão é imensa, se comparada à minha, e eu fico esperando que aperte a minha com firmeza, mas é suave, contida, como se ele tivesse medo de, talvez, esmagar meus ossos. Já conheci outros homenzarrões assim, que usam de cautela com sua força, esmerando-se para controlá-la. Mas Atticus se sentisse vontade, não teria a menor dificuldade em me machucar. Talvez até já o tenha feito.

— Bem-vinda à Antinori.— diz, afrouxando a mão. Sua voz é amável, levemente solícita, o empregador cumprimentando a nova funcionária. Ele olha o relógio rapidamente.—Minha mãe diz que você nos vem altamente recomendada.—

Nervosa, sorrio ligeiramente, encolhendo os ombros a seguir. Procuro algum sinal de reconhecimento em seus olhos, mas não encontro nenhum. Por um instante, sinto uma fisgada de desapontamento. Embora soubesse que seria improvável, possivelmente até mesmo absurdo, eu ainda esperava um alegre reencontro, a namorada perdida retornando, enfim. Está era a minha fantasia: que meu relacionamento com Atticus tivesse sido bom em vez de ruim e que, apesar da separação de quinze anos e de uma aparência notavelmente alterada, ele encontrasse em meu rosto, pelo puro poder do amor, um traço da pessoa que fui. Talvez, há quinze anos, numa solitária caminhada vespertina, eu tivesse sido sequestrada. Talvez Atticus tivesse me procurado, sem trégua, por todos estes anos. Talvez. Mas não muito provável. Instintivamente — ou talvez não seja instinto e sim a violenta tentativa das recordações lutando para vir à tona — no fundo, no fundo, eu sei que minha ligação com ele é prenhe de más intenções, de perigo e de dor. Para nós, não haverá reencontro feliz.

Falsa SuttomissioneWhere stories live. Discover now