Capítulo| 5

143 11 5
                                    


Garzón

Ela aperta minha mão, um gesto breve, superficial, sorri para mim de maneira fugaz e então, preocupada, vira-se para Atticus e começa a falar de um problema da vinícola, ignorando a minha presença

Oops! This image does not follow our content guidelines. To continue publishing, please remove it or upload a different image.

Ela aperta minha mão, um gesto breve, superficial, sorri para mim de maneira fugaz e então, preocupada, vira-se para Atticus e começa a falar de um problema da vinícola, ignorando a minha presença. Fios do cabelos negros caem por cima de um de seus ólhos; ela atira a cabeça para trás de forma a afastar os cabelos do rosto. Eu passo os dedos pelos meus cabelos, curtissimos. Continuo a observá-la, fascinada. Seus cílios são longos e escuros e ela tem um rosto sério de quem não se permite disparates: anguloso, muito direto, bronzeado pelo sol. Com a autoridade de proprietária, coloca a mão sobre o braço do irmão e vira-se, ligeiramente, para longe de mim.

Ergo a mão para proteger os olhos do sol. Ao lado de Atticus e de Astoria, sinto-me pequena e insignificante, nanica, mirrada. Preciso levantar os olhos para encará-los. Continuam a conversar. Colocando a mão sobre o ombro de Astoria, Atticus inclina o corpo para a frente até que suas cabeças se aproximam e eu tenho a sensação de uma conspiração, muito embora os ouça falar, apenas, de uma bomba defeituosa. Alguns instantes depois eles riem de alguma coisa, ainda se tocando quando Astoria, passando rapidamente a outro assunto, chama o irmão de Frate. Desliza de sua língua com facilidade, afetuosamente, um nome remanescente dos tempos de criança. Esse mundo de familiaridade sem esforço, esse mundo de paz fraternal, me frustra. Se tenho irmãos e irmãs, estão enterrados no meu passado. Astoria me dá uma longa olhada de soslaio, desvia o olhar para então olhar outra vez. Aprendi, através dos anos, a não me encolher ou baixar a cabeça envergonhada quando isso acontece. Sei que meu rosto força as pessoas a olharem, mas o que vejo na expressão de Astoria é mais do que mera curiosidade. Assustada, eu me pergunto se imagina quem sou...

— Sei que está aqui em algum lugar.— murmura a Sra. Fortune, espiando dentro de um armário. Tem quase setenta e quatro anos e cabelos brancos como a neve que não se dá ao trabalho de pintar.

Sorrio para mim mesma. Estou acostumada às suas interrupções frequentes quando estou na cozinha. Na realidade, elas me divertem. Desde que cheguei, é o único membro da família que parece gostar verdadeiramente de mim. Astoria é simpática, mas reservada, Atticus é distante. Nenhum dos dois faz muita questão de me fazer sentir bem-vinda em sua casa e, além de vê-los à hora das refeições, temos muito pouco contato. De início, tive medo de que Astoria, de alguma forma, tivesse descoberto quem eu era, mas não acho que tenha. Ela não estaria tão calma se fosse o caso. Além disso, se foi Atticus quem abandonou meu corpo, é pouco provável que contasse à irmã.

Começo a peneirar farinha de trigo sobre uma folha de papel-manteiga. Para a sobremesa desta noite estou preparando bolo de amêndoas com morangos cortados e mascarpone fresco, um queijo cremoso que temperarei com brandy de laranja. A Sra. Fortune abre outro armário, fecha-o e faz o mesmo com o seguinte, procurando aquela travessa especial para usar esta noite.

Falsa SuttomissioneWhere stories live. Discover now