CAPÍTULO 21 - DEMÔNIOS E DESPEDIDAS

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SEIS ANOS DEPOIS...

Mestre Valentim achava que estava um tanto barrigudo. Afinal, depois de tanto camarão, água de coco e pudim de leite condensado em volta da fogueira e tardes e tardes, estirado em cadeiras confortabilíssimas debaixo do sol, deveriam mesmo surtir efeito...

Fora tanta diversão na Ilha Gloriosa. Todos eram tão gentis e divertidos. E as histórias da ruína...pelas barbatanas das sereias mais sedutoras! Ele ouvira cada história! Zeferino Toledo, que se formara com ele na Escola Marquês Bernardo de Feitiçaria, passara três anos acorrentado no pico do Monte Gelado, aprisionado pelas Fadas da Neve! E aquele engraçadíssmo Luiz Eduardo! Perdera toda a fortuna para um primo mau-caráter, fora enfeitiçado de modo que só conseguisse dizer "Eu amo, amo, amo picolé de salsicha" e fora obrigado a mendigar nas ruas de Muralha de Sabão!, uma vila tão sombria... E a Condessa Tassiana! Prima em primeiro grau do imperador! Filha de uma princesa! Perdera a memória e passara dois anos acreditando ser uma onça! Tantas histórias terríveis, que a casinha no pântano nem parecia mais tão ruim...

Mestre Valentim abriu o portão enferrujado, com um largo sorriso no rosto. Havia tido momentos maravilhosos na Ilha Gloriosa. Tão bons, que pareceram ter passado em um minuto! Mas já havia quase seis anos...e era bom estar de volta!

Ele esticou o pescoço ao ver a casa mais a frente. Ela ainda parecia a mesma. Se bem que as portas e janelas haviam sido pintadas de vermelho e o jardim estava florido. E alguém se mexia no meio das flores.

O bruxo revirou os olhos. "Um saci atrapalhando tudo, sem dúvida! Como são pestes!".

Epa! Mas sacis não tinham cabeças loiras!

Mestre Valentim se aproximou mais. Se essa coisinha era um saci, era um dos primeiros que ele via assim. Ele certamente arrancava as flores e sorria maliciosamente, como um verdadeiro saci. Mas era pequeno como um anão, branco como leite, tinha cabelos dourados como o sol e, o mais espantoso!, duas pernas! E então ele olhou para o bruxo. E se levantou. As flores azuis apertadas numa das mãos. E pôs o dedo na frente dos lábios como se dissesse: "Silêncio. Ninguém pode saber que estou aqui."

Mestre Valentim sorriu balançou a cabeça afirmativamente. Aproximou-se e disse baixinho:

- Me diga, – e afagou a cabecinha loira – com cabelos tão dourados, você só pode ser um pequeno Cacau, certo?!

O garotinho deu de ombros:

- Eu acho que sim... Tio Nogão me chama de Cacauzinho-inho-inho... Eu sou uma Cacau? – ele arregalou os olhos.

O bruxo sorriu:

- Um Cacau – corrigiu – Sem dúvida e... Pela Ilha Gloriosa no pôr-do-sol! – ele se ajoelhou e pegou as bochechas rosadas entre as mãos – São os olhos mais negros que já vi em toda a minha vida!

- Ei! – um grito soou de longe e mestre Valentim se levantou rapidamente.

Um casal se aproximava da casa e ele pôde ouvir a mesma voz que gritara dizer:

- Acho que é Valentim, Diná!

E em pouquíssimo tempo o recém-chegado Bruxo-Glorioso recebia abraços entusiásticos de Ícaro e Dinorah. O antigo mestre da Aveleira mais nova achou que Ícaro estava ainda mais atraente, agora que usava uma curta barba dourada. Poderia ser facilmente confundido com um elfo. E Dinorah ainda era a bocuda e olhuda de sempre, embora seu vestido parecesse mais justo e mais curto, provavelmente seguindo uma nova moda da capital. Valentim pudera notar que o garotinho loiro, o Cacauzinho-inho-inho, escondera as flores arrancadas debaixo de uma pedra, o que não disfarçava muito, e agora estava abraçado às pernas de Ícaro, aproveitando para limpar as mãos sujas de terra em suas calças azuis-claras.

O Demônio, a Bruxa (e a irmã dela) [CONCLUÍDO]Where stories live. Discover now