CAPÍTULO 14 - PEIXEIROS E BENGALAS

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Dinorah voltara para a fazenda tão logo Anastácia e Ícaro haviam partido. Cornélio insistira para que ela ficasse e o ajudasse a moer pedras-sabão pela manhã, pois eram um dos ingredientes para sua poção-protetora, e caçasse seu avestruz da capital que já estava perdido nos jardins na Casa da Descida há pelo menos um mês. Mas ela não aceitou.

Naquela dia, todos os Nogueira haviam sido convidados para jantar na casa de João e Joana Carvalho, os irmãos marceneiros donos da melhor loja de móveis de Dique do Duque, a "Carvalho e Carvalho – Móveis de Puro Carvalho". Faustina iria à feira no centro da cidade, onde venderia as geleias, acompanhada por Ilarion que simplesmente odiara a ideia e passara o dia resmungando, todas as vezes que passava por uma janela, que pagaria a um bruxo para "jogar um feitiço dos bravos nesse anão inescrupuloso e seboso!".

Lucêncio viera sussurrar no ouvido de Dinorah, que embalava as geleias, mais tarde:

- Mamãe simplesmente não confia em Ilarion para lhe deixar por conta da casa. Por isso preferiu que você ficasse.

Dinorah deu um sorriso amarelo e fingiu espreguiçar para que Lucêncio se afastasse um pouco. Ao invés disso ele correu para o outro lado para sibilar em sua outra orelha:

- Mas achei que você talvez tivesse medo, por isso pedi a papai que me deixasse ficar para lhe fazer companhia.

- Oh! – Dinorah exclamou, pensando na promessa que fizera a Radames de passar o fim do dia todinho com ele – Não será preciso. Não tenho medo algum.

- Não precisa fingir que é corajosa, Diná. Sei que é uma mocinha indefesa que procura um pouco de segurança para sua vida... – e sorriu como se fosse a segurança em pessoa.

- De modo algum... – ela murmurou, aterrorizada com a possibilidade de ficar a sós com Lucêncio, que provavelmente tentaria beijá-la.

O rapaz ia dizer mais alguma coisa, mas a porta da cozinha se abriu com violência e ele pulou para longe quando o senhor Nogueira, Faustina, Matias e um rapaz muito alto entraram. Faustina foi direto para a grande cesta de palha em cima da mesa para guardar as geleias que Dinorah embalara e o senhor Nogueira exclamou, contente:

- Olhe só quem veio lhe visitar, minha cara Aveleira!

Dinorah olhou para o rosto estranhamente simpático de Cornélio, que puxou uma cadeira e se sentou, à vontade, afastando a longa capa negra:

- Olá, Dinorah – ele acenou enfiando uma colher bastante grande num tacho de geleia de acerola.

Dinorah apenas o encarou, sem entender e o senhor Nogueira bateu nas costas de Cornélio:

- Chegou numa boa hora meu caro!

- É mesmo? – olhou em volta – Uma degustação de geleias talvez...

- Chegou numa ótima hora, pois poderá fazer companhia a sua querida amiga Aveleira enquanto nós saímos.

- Papai! – Lucêncio exclamou, horrorizado – Eu vou fazer companhia à Diná!

- Mas não há necessidade, agora que o cacauzinho aqui está para visitar Aveleira. E você poderá ir ao jantar na casa dos Carvalho.

- Mas eu não quero ir!

O senhor Nogueira ficou inesperadamente sério:

- O senhor não tem querer! Já disse que vai e ponto final! Imagine – olhou para Cornélio – querer recusar um convite tão delicado.

- Realmente... – Cornélio balançou a cabeça como se estivesse muitíssimo decepcionado com a falta de tato de Lucêncio – Jantar com os Carvalho! Isso sim é diversão, Lucêncio! Não fique preocupado... Eu vou tomar conta da Dinazinha... Juro por meu diploma de bruxo que não a deixarei! – e olhando intensamente para Dinorah, mas sem sorrir, fez um sinal no ar e foi como se um fogo azul riscasse o lugar por onde seu dedo indicador passara.

O Demônio, a Bruxa (e a irmã dela) [CONCLUÍDO]Onde as histórias ganham vida. Descobre agora