1. O Avião

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Presente

Acordou ao sentir-se sacudida. O seu primeiro pensamento foi «tremor de terra!». Durante um segundo, esqueceu-se onde estava: no avião para a Indonésia.

As pessoas gritavam à sua volta. O avião estava em queda. Bela não conseguiu gritar, nem desmaiar, apenas bloqueou. Não conseguia fazer nada. Os minutos seguintes pareceram horas. As emoções congelaram dentro dela. Apenas observava as coisas a caírem em câmara lenta, como um efeito de cinema, um passageiro amarrado com o cinto de segurança que não o libertava por mais força que fizesse. A sua mente exigia que fizesse alguma coisa, mas o corpo não se mexia. De seguida, caiu uma mochila de um compartimento mal fechado em cheio na cabeça de um homem que gritava. Os gritos pararam.

A voz do piloto ouviu-se por todo o avião a avisar que tinham sido surpreendidos por um furacão imprevisto que se tinha iniciado no momento de passagem. Informou que estava a fazer o possível para controlar o avião, no entanto, devido à turbulência, estava com dificuldades. Por essa razão, pedia para que colocassem os cintos de segurança. Traduzindo: estavam a descer a pique.

O corpo de Bela não respondia, no entanto, a sua mente estava com uma avalanche de cálculos sobre como se salvar daquela situação. Bela pensou que o piloto deveria estar a descer para conseguir equilibrar o avião. Deveriam estar em pleno Oceano Pacífico e não havia onde aterrar. Pelo menos, não havia como aterrar em terra. Aquele voo era destinado ao Bali. O piloto voltou a pedir para que ficassem nos seus lugares e mantivessem a calma. Como se isso fosse possível.

À medida que os solavancos iam ficando mais fortes, também os gritos se iam multiplicando por todo o avião. Durante alguns segundos, ela pensou que se a sua vida terminasse ali, iria arrepender-se do seu trabalho inacabado e de não ter passado mais tempo com a sua família. Como seria tudo em vão se ela morresse ali? O seu trabalho poderia ser feito por outra pessoa. Bela podia imaginar uma pessoa estranha na sua secretária, vendo a sua gaveta e a  tentar decifrar a sua caligrafia. Outra pessoa no gabinete que ela tinha trabalhado tão arduamente para conquistar. Bela sentiu o seu coração apertado. 

De repente, o avião planou, ainda a tremer, mas todos sentiram uma onda de segurança. O silêncio reinou durante alguns segundos. Olhando pela janela, nada se conseguia ver devido ao vento agressivo e à luminosidade avermelhada do céu.

Suspirou e perguntou-se porque realmente estava ali. Dinheiro? Poder? Orgulho? Para garantir a sobrevivência? Ou seria para garantir a única coisa que dava razão à sua existência?


Ela ia para o local de produção de óleo de palma da sua empresa. As notícias acusavam que a empresa tinha incendiado florestas para a produção de óleo de palma. A empresa negava, mas precisava verificar a situação e a fiabilidade dos empregados responsáveis. A verdade é que a sua empresa não era conhecida por ser ecológica, mas sim, lucrativa. No entanto, não destruíam florestas. Se alguém estava a desacreditar a imagem da empresa ela tinha de descobrir, essa era a sua missão.

Talvez, aquele furacão fosse a fúria da natureza contra ela. Não conseguia ver nada, mas entre vento, chuva e medo, parecia que estavam sobre o Oceano Pacífico. Ela queria que o avião se aguentasse mais tempo apenas até chegar a terra... Ela não sabia nadar.

Sentiu o avião a descer... Eles sentiram outro valente abanão. Sentiu um perturbante splash feito pelo avião. Ouviu-se claramente o alívio de todos os presentes no avião, mas ela não compartilhava o mesmo sentimento.

Tinha aterrado sobre água, de certeza. Da sua janela poderia distinguir uma luz intermitente de um porto. A escuridão deixava a dúvida se era dia ou noite devido às nuvens turbulentas. As palmeiras no porto dobravam-se e quase se desfaziam ao sabor do vento.

O piloto avisou para vestirem os coletes salva-vidas para deixarem os sapatos e pertences no avião. Maravilhoso.

Foram arrancadas as portas de saída de emergência e as pessoas entravam na água com e sem coletes. Houve quem ainda tentasse acordar as pessoas desmaiadas, mas a água entrava rapidamente no avião. Não havia tempo. Tinham de sair rápido. Depois de libertados dos cintos, a corrida para as saídas. As pessoas apressadas nem tinham enchido com ar o colete e outras que levaram malas consigo, mas ao chegar à água viram logo que eram apenas um empecilho. Viam-se malas e todo o tipo de objetos a boiar e a voar ao sabor do vento intempestivo.

A confusão era tal que a única coisa que todos queriam era juntar-se no grupo com coletes, abraçados contra o temporal mais à frente. Foram tão rápidos que quando Bela se levantou já os conseguia ver da janela. Bela colocou logo o colete, encheu o mais rápido que conseguiu e colocou o telemóvel no bolso e agarrou-se ao homem à sua frente ao cair na água. O colete fazia-a boiar, mas não lhe dava nenhuma segurança, a água da chuva, as ondas e o ventos dificultavam a respiração.

Não se via nada, a não ser a luz do farol e o pequeno pirilampo de lanterna do grupo de coletes agrupado no mar. A água parecia quente comparada com a chuva que os fustigava. As ondas levavam-na facilmente se não tivesse presa ao homem. O homem ao nadar sentiu o peso de Bela presa a sua camisola:

- Não sabe nadar? - Bela respondeu com um aceno - pode se agarrar a mim, sem problema!

Os sobreviventes vinham de todos os lados, algumas pessoas foram engolidas pelas ondas não conseguindo chegar ao grupo. Ficaram lá uma boa meia hora ou até uma hora. Bela não conseguia bem definir. Tudo o que ela pensava era continuar a aguentar as ondas e vento e manter-se agarrada aos outros. O tempo, o frio e aquelas visões de pessoas que eram engolidas pelo mar pareciam fazer hibernar o seu coração. Sentia-se suja, desumana e doente. Porquê aceitou ir naquela viagem?

Quando finalmente colocou os pés em terra, até sentiu as pernas a fraquejar. Agarrou-se a um posto de iluminação, as suas pernas já não conseguiam aguentar e o vento não ajudava. Os outros passageiros fizeram o mesmo, apesar de a apertarem e de ser um estranho momento, conseguiu sentir-se salva. Abraçada por estranhos, molhada açoitada pelo vento e pela chuva sem nada nem um lenço para se limpar, mas viva.

Quando viu o piloto pela primeira vez, que tinha estado a ajudar as últimas pessoas a saírem do mar, este estava a indicar o caminho de um abrigo improvisado no porto.

«Ah! Dinheiro! A quanto obrigas!»


Investigação na IndonésiaOnde as histórias ganham vida. Descobre agora