Capítulo Quarenta e Quatro

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— Veja só! Finalmente ela está dormindo. — Katsu pareceu admirado. — Samaris não dorme direito desde que voltou para casa. Acho que não devíamos interromper esse pequeno milagre, voltaremos aqui mais tarde. Agora, estão com fome? Aceitariam um chá?

            — Eu... Eu poderia ficar aqui? — Perguntei ainda em estado de êxtase, não queria me separar de Samaris agora nem que fosse por um segundo. — Eu vou esperar aqui. Prometo que não faço barulho.

            — Ela estava certa quando escreveu sobre você no diário. — Katsu sorriu para mim. — Você não é igual aos outros garotos. — As pessoas viviam me dizendo isso. Aos poucos estou me convencendo que na verdade isso é um elogio.          

 — É claro que pode ficar aqui, Ick. Quando ela acordar nos chame, tudo bem?

            — Certo. — Eles se retiraram, me deixando sozinho no quarto com ela. Me aproximei calmamente e cada detalhe dela é exatamente como me lembrava. Os seus cabelos negros jogados pelo travesseiro como uma Medusa, a forma como os seus lábios parecem se contrair numa espécie de sorriso enquanto dorme. Ela dormia da forma como sempre dizia preferir, de lado, com a cabeça apoiada em uma das mãos, era como se eu simplesmente tivesse acordado dentro daquele hotel em que estávamos, convencido de que ela nunca fora embora e de que tudo não passou de um pesadelo. Afinal, ela estava aqui, na minha frente, dormindo como dormira ao meu lado, exatamente do mesmo jeito.

            Sempre quis ter um superpoder, não de voar, nem de super força, o poder que sempre quis é o de controlar o tempo. Assim, poderia acelerar os momentos ruins, voltar atrás para poder consertar as coisas erradas e também fazer o tempo parar nos momentos bons, para desfrutar daquela sensação para sempre. Se eu tivesse o superpoder, pararia o tempo naquele momento, olhando para a Samaris enquanto dorme, sentindo serenidade outra vez, me sentindo completo novamente. Pararia o tempo o quanto quisesse e logo após aceleraria para o momento em que ela acordasse, olharia nos seus olhos, a abraçaria para então parar o tempo novamente naquele abraço. E assim eu seria feliz para sempre.

Seu rosto estava virado para mim, quando abriu os olhos, devagar e preguiçosamente. Eu a observava em silêncio. Os olhos abertos me fitaram por alguns segundos, voltaram a se fechar e se abriram novamente.

            Depois de seu sonho, a primeira imagem que Samaris viu foi o meu rosto. Apenas foi levantando lentamente, estendendo o braço em minha direção e só quando os seus finos dedos encostaram o meu rosto, que ela demonstrou espanto e exclamou:

            — ICK!

            De um sobressalto, Samaris me abraçou com força. Murmurava coisas do tipo: "Como você chegou aqui?" "Quando?" "Quem te contou?".

Eu tinha as repostas, mas elas eram realmente relevantes agora? Ao invés de falar qualquer coisa, a segurei nos meus braços e a beijei. Sim. Isso sim era relevante agora.

            Senti o seu hálito quente pós-beijo, eu poderia viver dele e ela poderia viver do meu. Samaris sussurrou:

            — Desculpa, Ick. Desculpa.

            Tínhamos tanta coisa sobre o que falar naquele momento, que acabamos optando por não falar sobre nada disso. Acabamos conversando sobre assuntos levianos, aproveitando a presença um do outro e olhando a borboleta que entrara pela janela e sobrevoava o quarto à procura de uma saída. Uma hora os assuntos chatos iriam aparecer, mas não agora.       

            Depois de algumas horas, conversando agarrados entre os edredons naquele quarto imenso, Katsu e Jéssica entraram. Samaris lançou um sorriso inquisitório em direção a Katsu:

            — Eu sabia que tinha o seu dedo no meio disso. — Disse rindo.

            — Desculpe, Samaris. — Ele respondeu o sorriso timidamente, como uma criança que foi pega fazendo uma travessura. — Mas eu precisava fazer isso.

            — Você o trouxe lá de São Paulo até aqui, só para me fazer desistir de viajar?

            — Não foi tão difícil quanto parece.

            O que a Samaris estava prestes a dizer foi interrompido por um agudo grito que Jéssica deixou escapar.

            — Que foi isso, Jéssica? — Perguntei assustado.

            — Olha isso! — Ela exclamou, apontando para o closet que havia no quarto da Samaris, largado na porta havia um par de botas. Jéssica correu e agarrou o par como se fosse um achado histórico. A barriga de gestante, que sempre a impedia de abaixar para pegar as coisas, não foi problema dessa vez — Isso é um legítimo Channel! De couro! Nunca pensei que iria ver um de verdade na minha vida!

            — Ah, isso aí? — Disse Samaris em tom casual — Eu nunca usei. Foi a minha tia que me deu, é meio desconfortável.

            — Nunca usou? Mas isso é o que existe de mais chique no...

            — Se gostou tanto, pode ficar para você. — Samaris disse isso como quem dava um adesivo a um colega. Era perfeitamente possível cegar-se com os brilhos nos olhos da Jéssica nesse momento.

            — Sério?

            — Sério. — Samaris sorriu, aparentemente as duas tinham uma ideia diferente sobre o que era ou não valioso. Ela havia acabado de dar uma das botas mais caras do mundo a uma parcial desconhecida.

            Minha conversa com Katsu e Samaris fora interrompida novamente minutos depois:

            — E quanto a esse vestido? — Perguntou Jéssica, esperançosa, segurando um vestido rosa frente ao corpo. — Você também ganhou da sua tia? — Não pude segurar o riso.

            — Sim, Jéssica. — Samaris respondeu pacientemente.

            — Aquela camiseta também?

            — Vamos combinar assim. Tudo que não estiver dentro das malas de viagem, você pode pegar para ti.

            Por um segundo eu tive a certeza de que Jéssica desmaiaria.

            — Obrigada!!! — Respondeu com um sorriso de orelha a orelha. — Você é a melhor namorada que o Ick poderia ter encontrado.

A VIDA DESENCAIXADA DE ICK FERNANDES (história completa)Onde as histórias ganham vida. Descobre agora